ESTADÃO - André Shalders e Rafael Beppu
© André Dusek/Estadão
Conteúdo Segundo
Menezes, ministro ‘não tem competência’ para interferir em assuntos ligados ao
calendário eleitoral.
Ao ameaçar a
realização das eleições de 2022, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, pode ter cometido crime de
responsabilidade, passível de punição até mesmo com impeachment. A opinião é do
jurista Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da
Presidência da República (2016 a 2018) e integrante do Grupo Prerrogativas.
Como mostrou
o Estadão, no último dia
8, Braga Netto mandou um aviso para o
presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por um importante
interlocutor político. O recado era direto: não haveria eleições em
2022 no Brasil se não fosse aprovado o voto impresso, hoje em tramitação na
Câmara.
Após a publicação
da reportagem, Braga Netto afirmou, em nota, não se valer de intermediários,
mas defendeu o voto impresso. “A nota comete um desvio de finalidade
exorbitante”, disse Menezes ao Estadão.
“O ministro da Defesa não tem nenhuma competência para interferir em assuntos
que digam respeito ao cumprimento do calendário eleitoral.”
Menezes afirmou que
a conduta de Braga Netto precisa ser investigada e, se confirmada a intimidação
feita pelo general – condicionando a realização de eleições ao voto impresso –,
fica configurado crime de responsabilidade. Assim como o presidente da República,
os ministros de Estado também estão sujeitos à lei 1.079, de 1950, e podem ser
alvo de impeachment.
Mestre em Direito
Público pela Universidade Federal de Pernambuco, Menezes foi presidente da
Comissão de Ética Pública da Presidência de 2016 a 2018, nos governos dos
ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), e hoje atua nos
tribunais superiores, em Brasília. Como integrante do Prerrogativas, articulou
a publicação de uma nota na qual o grupo pede para que os militares se atenham
às funções definidas pela Constituição.
O ministro da Defesa, Braga Netto, cometeu crime?
Existem fatos a
serem apurados, necessariamente. Uma vez confirmado este gesto (a ameaça à
realização das eleições de 2022), nós estamos diante de um crime de
responsabilidade cometido por um ministro de Estado. De acordo com o artigo 7.º
da Lei de Impeachment, constitui crime de responsabilidade impedir, inclusive
por ameaça, o livre exercício do voto. Utilizar o poder federal para impedir a
execução de uma lei eleitoral também consta deste artigo 7.º como crime de
responsabilidade e como hipótese de impeachment de ministro. O impeachment não
é só para o presidente. O ministro Braga Netto não é um comandante militar. Ele
é um ministro de Estado. Ocupa um cargo civil e está subordinado a esta lei.
Qual poderia ser a punição para o ministro, neste caso?
Teria de haver
abertura de um processo de impeachment mesmo. Ou seja, o oferecimento de
denúncia, a recepção dessa denúncia, para que ele fosse afastado do cargo.
A Comissão de Ética Pública da Presidência deveria atuar na apuração do
ocorrido?
Sim. De acordo com
o código de conduta da alta administração federal, todos os ministros,
inclusive o da Defesa, estão, sim, subordinados à competência da Comissão de
Ética Pública. Um dos pressupostos fundamentais da ética deriva da expectativa
de que as autoridades não atuem com desvio de finalidade. O ministro da Defesa
não tem nenhuma competência para interferir em assuntos que digam respeito ao
cumprimento do calendário eleitoral. Em um regime democrático, um ministro que,
de certa forma, integre o comando das Forças Armadas, deveria manter uma
distância prudente desse tipo de assunto.
Mas a nota de Braga Netto diz que é legítimo o governo defender o voto
impresso.
Não é papel do
ministro da Defesa comentar esse tipo de proposta legislativa. Ao fazer isso,
ele admite que está se imiscuindo em assuntos que não lhe dizem respeito. Os
assuntos que dizem respeito ao ministro da Defesa são muito relevantes, são de
alto interesse nacional, mas que têm relação com o funcionamento das Forças
Armadas. Essas questões políticas são atribuições do Congresso. A nota
divulgada, ao mencionar uma suposta legitimidade dessa proposta legislativa, já
comete um desvio de finalidade exorbitante. É incompatível com a natureza do
cargo do ministro da Defesa. Estamos diante de uma atitude violadora da ética
pública.
Por que o grupo Prerrogativas entendeu que era importante se manifestar
para pedir que os militares se atenham às funções definidas pela Constituição?
O Prerrogativas se
manifestou por entender que é nosso papel, como juristas, advogados,
profissionais do Direito e professores, fomentar o respeito à Constituição e à
legalidade democrática. Entendemos que, naquela declaração do ministro da
Defesa, houve uma manifestação que, de certa forma, ameaçou a legalidade
democrática e o respeito ao Estado constitucional. Outro aspecto que também nos
moveu foi a necessidade de evocar o caráter civil deste cargo. O ministro da
Defesa é uma função que foi criada justamente para simbolizar que não existe
uma tutela militar sobre o Estado. O poder civil, na figura do ministro da
Defesa, deve se sobrepor aos comandos militares. E os militares devem se ocupar
das funções que lhes são precípuas, e não desbordar para uma atuação vinculada
a projetos ou propósitos políticos.
EM TEMPO: Braga Netto, calado é um poeta. Na realidade o "Centrão" deu um nó no governo Bozo e em alguns militares, os quais são muito ruins quando se metem em política. Voltem para os quartéis e deixem Bozo dando seus espetáculos, mas sozinho.
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