qua., 2 de junho de 2021
Para professores, aposta de Bolsonaro em política externa baseada em relações pessoais, e não interesses geopolíticos de Estado, isola o Brasil. "Antes de você se dar conta, seus aliados podem sair do cargo e você sobra sozinho."
Os
brasileiros já viram esse filme nos últimos meses. Depois de apostar todas as
fichas em um alinhamento pessoal, político e ideológico com o ex-presidente
norte-americano Donald Trump, a quem chegou a dizer "eu te amo" nos
corredores da Assembleia Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro e o
Itamaraty agora tentam reconstruir seu relacionamento com um país liderado por
alguém radicalmente diferente - o presidente democrata Joe Biden.
Substitua
Trump por Benjamin Netanyahu, o líder israelense que acaba de cair após 12 anos
de governo, e a fórmula se mantém.
Nesta
quarta-feira, um grupo improvável formado por políticos israelenses de
diferentes vertentes anunciou a confirmação de uma coalizão construída para,
acima de tudo, interromper a longa gestão de Nethanyahu, - cuja popularidade
foi abalada por uma série de investigações de corrupção, suborno e fraude no
país.
Espera-se
que a guinada no núcleo duro do governo israelense, que agora reúne políticos
ultranacionalistas, figuras de centro e até islâmicos árabes, tenha forte
impacto na complicada geopolítica do Oriente Médio.
Mas
ela também tem reflexos do outro lado do mundo - mais precisamente no gabinete
do presidente brasileiro, novamente órfão de um de seus principais padrinhos
políticos internacionais.
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Após
investir em uma intensa relação de elogios e apoio ao ex-premiê de Israel, a
quem chegou a tratar como "irmão", o presidente brasileiro agora se
vê "mais isolado do que nunca" no tabuleiro político internacional,
segundo analistas estrangeiros ouvidos pela BBC News Brasil.
"Esse
é o problema de ter uma política externa que não é uma política de Estado, mas
uma política partidária e ideológica", avalia o professor Christopher
Sabatini, pesquisador sênior para América Latina da Chatham House, instituto
real de pesquisa mais prestigiado do Reino Unido.
"Antes
de você se dar conta, seus aliados podem sair do cargo e você sobra
sozinho."
Reviravolta em Israel
Naftali Bennett e Yair Lapid concordaram em alternar o cargo de premier
A
reviravolta na política doméstica de Israel é fruto de um surpreendente
encontro entre o centrista Yair Lapid, ex-ministro das Finanças e líder do
partido Yesh Atid ("Há um futuro", em hebraico), e Naftali Bennet, o
cabeça do partido ultranacionalista Yamina (ou "À direita").
O
partido de Lapid foi o segundo mais votado nas eleições israelenses em março
deste ano, depois do partido de direita Likud ("Consolidação"),
liderado por Netanyahu.
Em
6 de abril, o presidente israelense Reuven Rivlin deu um prazo de 28 dias para
que Netanyahu conseguisse construir uma coalizão para formar um novo governo.
Como o atual premiê não conseguiu atrair partidos suficientes para atingir
maioria no parlamento, Rivlin transmitiu a missão para o segundo colocado
Lapid, que desde então vinha dialogando com diferentes grupos na tentativa de
alcançar maioria, mesmo que heterogênea.
As
negociações sobre a formação de um novo governo foram interrompidas em 10 de
maio, quando uma nova rodada de hostilidades entre Israel e o Hamas teve início
na Faixa de Gaza. No último dia 30, nove dias após o anúncio de um cessar-fogo,
o direitista Bennet, ex-assessor-sênior, chefe de gabinete, ministro da
Educação e da Defesa em governos recentes de Netanyahu, foi à televisão para
anunciar o golpe final no governo do ex-aliado.
"Farei
tudo o que for preciso para formar um governo de unidade nacional com meu amigo
Yair Lapid", exclamou.O acordo entre os dois políticos, que divergem em
diversos temas-chave, entre eles a possibilidade da criação de um Estado
palestino, prevê que Bennet seja o primeiro-ministro pelos próximos dois anos -
quando será substituído por Lapid, que governará por mais dois.
A
coalizão vencedora também une opostos como Avigdor Lieberman, um polêmico
nacionalista de extrema-direita que certa vez sugeriu que membros
"desleais" da minoria árabe do país deveriam ser decapitados, e o
pequeno partido árabe Ra'am, que busca proteção oficial a costumes
conservadores muçulmanos e mais verbas para cidades de maioria árabe.
Este
será o primeiro partido liderado por árabes a participar de um governo de
coalizão em Israel - o que por si só requereria uma mudança na postura de
Bolsonaro em relação ao país.
Bolsonaro isolado
Depois que Bolsonaro anunciou a possibilidade de mudar a embaixada, Egito cancelou uma visita do ministro de Relações Exteriores brasileiro ao país
Mas
o que isso significa para o presidente brasileiro, frequentemente fotografado junto
a bandeiras de Israel e cuja plataforma, desde a campanha, era de alinhamento
com o ex-premiê Netanyahu?
Para
o historiador Federico Finchelstein, chefe do departamento de História e do
programa de Estudos Latinos Americanos da New School, em Nova York, a
intimidade mostrada publicamente entre os dois líderes, a partir de agora, deve
acabar.
"É
cedo para saber o que a nova coalizão fará em Israel, mas devemos esperar uma
relação menos amigável, e uma relação baseada em geopolítica, em vez de
ideologia", aponta.
Para
Christopher Sabatini, "construir uma aliança com o Brasil não vai ser uma
prioridade do governo de coalizão israelense". "Isso era uma política
muito própria e pessoal de Netanyahu", diz.
Na
avaliação de Sabatini, que até pouco tempo também dava aulas sobre América
Latina na Universidade de Columbia, "Bolsonaro trocou a diplomacia de
Estado profissional do Brasil pela uma visão pessoal e limitada".
"Ele
acaba sendo refém de sua própria falta de tolerância e de moderação: basta se
lembrar dos comentários dele sobre a esposa do presidente (francês Emmanuel)
Macron. Um presidente não pode fazer isso."
Em
agosto de 2019, um seguidor de Bolsonaro fez comentários sexistas comparando as
duas primeiras-damas. "Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?",
escreveu um homem sob uma foto dos dois casais. "Não humilha, cara",
replicou o chefe de Estado brasileiro, criando novo constrangimento
internacional.
"O que eu posso dizer? É muito triste. Mas é triste para os brasileiros. Eu acredito que as mulheres brasileiras devem estar envergonhadas do presidente", disse Macron sobre os comentários de Bolsonaro sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron
Finchelstein,
especialista em radicalismo e populismo, diz não se surpreender com o revés
enfrentado agora por Bolsonaro ao perder seu aliado pessoal no Oriente Médio.
"A
situação mostra a falta de preparação da política internacional de Bolsonaro
para uma situação de perda de seus pares autoritários", avalia. "Esse
característica, que também aparece na má condução e falta de planejamento sobre
a pandemia no Brasil, se baseia na simples torcida pelo que pode acontecer, e
não a partir de dados concretos e reais."
Para
Sabatini, "o Brasil já está isolado" e o novo governo israelense
aprofunda o problema.
"Bolsonaro
já está fora de compasso na maior parte da sua própria região e agora os únicos
governos com quem ele pode contar como aliados são Turquia, Hungria e Polônia -
nenhum deles exatamente estáveis - e Índia. E ele vai ficar mais e mais isolado
globalmente", pondera.
Finchelstein
concorda e questiona: "Aliás, quão importante é a Hungria para os
interesses geopolíticos brasileiros?".
Embaixada em Tel-Aviv
Durante
a campanha presidencial, já acenando ao então par israelense, Bolsonaro foi
alvo de críticas em todo o mundo ao traduzir seu alinhamento ideológico com
Netanyahu pela promessa de transferência da embaixada brasileira no país de
Tel-Aviv para Jerusalém, a exemplo do que haviam feito EUA e Guatemala.
A
mudança representaria uma guinada sem precedentes na postura da diplomacia
brasileira, que sempre foi de equilíbrio entre o lado israelense e o lado
palestino. O reconhecimento da cidade como capital de Israel poderia irritar
não somente palestinos, países árabes e de maioria muçulmana, mas também gerar
reações da comunidade internacional, cuja posição formal é de que o status de
Jerusalém deve ser decidido em negociações de paz.
O
entendimento é de que o reconhecimento de Jerusalém Ocidental como capital de
Israel só poderá ocorrer ao mesmo tempo em que Jerusalém Oriental for
reconhecida como capital de um futuro Estado palestino.
É
por isso que os países mantêm suas embaixadas em Tel Aviv, a capital comercial
de Israel.
A medida também teria impacto direto nas relações do Brasil com importantes parceiros comerciais: países árabes e muçulmanos, como o Irã, respondem por quase 6%¨de todas as exportações brasileiras - principalmente carne. Em março de 2019, em visita oficial a Netanyahu, no entanto, Bolsonaro recuou.
"O
Brasil decidiu estabelecer um escritório em Jerusalém para a promoção do
comércio, investimento, tecnologia e inovação", anunciou o Itamaraty, que
nunca mais tocou no tema da transferência da embaixada.O episódio ilustra o que
especialistas apontam como prejuízos da perspectiva pouco conciliadora que,
para analistas, marca tanto Netanyahu, quanto Bolsonaro.
Em
entrevista recente ao jornal local Times of Israel, o novo primeiro-ministro
Naftali Bennett disse: "Sou mais direitista do que Bibi (Netanyahu), mas
não uso o ódio ou a polarização como uma ferramenta".O professor da New
School diz que "governos extremistas e populistas como Netanyahu e
Bolsonaro baseiam suas políticas na demonização do outro, em vez de integração
e diálogo".
"No
caso brasileiro, é uma quebra muito grande com administrações anteriores",
diz. ""Estamos vendo no Brasil que pessoas muito distintas, como os
ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, podem se encontrar e pensar
juntas sobre suas diferenças enquanto políticos democratas."
"Já
Bolsonaro está preso à uma ideologia problemática e, quando a realidade muda,
seja nos EUA ou em Israel, temos uma nova lição sobre como políticas movidas
pela vontade e por caprichos pessoais são tão prejudiciais."
Mudança de postura?
Se
o palácio do Planalto seguir a cartilha adotada após a derrota de Trump,
Bolsonaro deve tentar recalibrar seu discurso a partir de agora.
Após
apoiar abertamente a reeleição de Donald Trump, sugerir fraude nas eleições dos
EUA e ter sido o último líder de um país democrático a parabenizar Joe Biden
pela eleição, Bolsonaro escalou o então chanceler Ernesto Araújo como porta-voz
de um diálogo renovado entre os dois países.
"Tive
hoje longa e produtiva conversa com o Secretário de Estado Antony Blinken.
Agenda 100% positiva. Ficou claro que há excelente disposição e amplas
oportunidades para continuarmos construindo uma parceria profunda entre o
Brasil e os Estados Unidos", disse então Araújo pelo Twitter.
De
lá para cá, sob intensa pressão por uma gestão classificada como errática e
ideológica à frente do Itamaraty, Ernesto Araújo perdeu a cadeira e foi substituído
pelo diplomata Carlos França, descrito como figura mais moderada.
Sua
função seria "filtrar" o discurso ideológico que Bolsonaro direciona
a apoiadores mais radicais em uma gestão mais pragmática nas relações
internacionais do país.
A
chegada de França ajudaria o Brasil a construir pontes com o novo governo
israelense?
"Como
podemos ver com os ministros da Saúde, nas questões mais polêmicas, é Bolsonaro
quem decide. Os que tentaram uma abordagem mais científica ou pragmática foram
demitidos. Na perspectiva democrática, a questão mais problemática da
administração Bolsonaro é ele próprio", avalia Finchelstein.
Para
Christopher Sabatini, Bolsonaro agora está diante de um difícil quebra-cabeças.
"Ele
vai precisar fazer sacrifícios em termos do que sempre considerou como
princípios básicos: por exemplo, o apoio a uma definição muito limitada sobre
Israel e seus interesses, ou uma nova visão sobre um Estado palestino. Ele vai
mudar nesses pontos para conseguir se realinhar? Se o fizer, será um movimento
pragmático, mas que vai fazê-lo parecer volúvel e abrindo mão do que caracteriza
sua imagem e personalidade", pondera.
"E, se não o
fizer, então ele vai ficar ainda pior como líder global - o que o Brasil, no
passado, aspirava ser", diz.
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