Matheus Magenta - Da BBC News Brasil em Londres
seg., 14 de junho de 2021
Bolsonaro, Fujimori e Trump denunciaram supostas fraudes nas urnas
O americano Donald Trump, a peruana
Keiko Fujimori, o boliviano Carlos Mesa, o mexicano López Obrador, o israelense
Benjamin Netanyahu e os brasileiros Aécio Neves e Jair Bolsonaro. Todos
questionaram o resultado das eleições em seus países e passaram a falar, sem
comprovação, de fraudes.
Fujimori e Netanyahu são os mais
recentes. Ambos foram derrotados em suas respectivas disputas eleitorais.
O israelense, por exemplo, diz que
está testemunhando "a maior fraude eleitoral da história do país".
Keiko Fujimori, filha do ditador peruano Alberto Fujimori, afirma haver
"uma clara intenção de boicotar a vontade popular".
Trump falou em "crime do
século" em 2020, mas não conseguiu convencer nenhum dos mais de 50 juízes
que avaliaram suas reclamações.
Mas tanto o ex-presidente americano
quanto o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido), são exceções
nesse grupo por terem sido vitoriosos e ainda assim terem contestado as urnas.
Bolsonaro aceitou o resultado, mas
disse, sem apresentar evidências até hoje, que teria vencido no primeiro turno
em 2018. O americano falou em fraudes mesmo quando venceu em 2016.
E, assim como fez Trump meses antes
de disputar a reeleição, em 2020, a mais de um ano para as eleições
brasileiras, Bolsonaro já tem lançado dúvidas sobre a lisura do pleito e se
aceitará caso venha a ser derrotado.
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A contestação das eleições é um
direito dos políticos em um sistema democrático e um mecanismo importante para
apontar fraudes e corrigir injustiças. É um recurso disponível a todo e
qualquer candidato, de qualquer parte do espectro político.
Mas, nos últimos anos, isso virou uma
estratégia política.
O slogan 'Parem o
roubo' se tornou viral na noite da eleição nos EUA
"Os líderes populistas
autoritários de hoje agem estrategicamente visando deslegitimar o processo
eleitoral e, assim, a própria democracia liberal", afirma a cientista
política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar).
Mas o que eles têm a ganhar com isso?
Segundo pesquisadoras ouvidas pela
BBC News Brasil, principalmente mobilizar sua base de apoio, ampliar seu raio
de poder e questionar a legitimidade dos seus adversários.
Aécio e a
contestação das urnas em 2014
A antropóloga Isabela Kalil,
coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana da Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo, pesquisa a extrema-direita, o bolsonarismo, o
conservadorismo e a desinformação.
Para ela, quando o então candidato à
Presidência Aécio Neves (PSDB-MG), em 2014, contestou o resultado eleitoral —
com denúncias refutadas depois — ele acendeu no país a desconfiança dos
eleitores e a discussão de propostas de mudanças no processo eleitoral.
Hoje deputado federal, Neves defende
a implementação do voto impresso porque diz que isso aumentaria a confiança dos
eleitores e esvaziaria acusações infundadas de fraude.
Em 2015, uma auditoria do PSDB sobre
a contestação eleitoral um ano antes não conseguiu provar fraude e afirmou que
o sistema de voto eletrônico não permitia auditagem completa.
Anos depois, Neves foi gravado pelo
empresário Joesley Batista afirmando ter contestado a reeleição de Dilma
Rousseff em 2014 para "encher o saco" do PT.
Atualmente, a principal mudança em
debate é a introdução do voto impresso, encampada por Bolsonaro e políticos não
apenas de sua base de apoio, como Ciro Gomes (PDT).
De acordo com essa proposta, o voto
continuaria sendo feito por meio de urna eletrônica, mas uma impressora
mostraria ao eleitor um recibo em papel do voto. Esse papel seria
automaticamente depositado em uma outra urna, sem passar pela mão do eleitor ou
de qualquer outra pessoa.
Bolsonaro tem cobrado que o Brasil adote um sistema eleitoral com comprovante impresso do voto eletrônico para permitir recontagem física dos votos
Essa mudança, segundo seus defensores, garantiria mais confiabilidade ao processo eleitoral. Para a deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a eleição de 2022 só será confiável com a produção desse comprovante em 100% das urnas eletrônicas.
Em sua Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) para instituir o voto impresso, Kicis afirma que "o
voto puramente eletrônico, a par de não dar a necessária segurança jurídica ao
eleitor, ainda fere os princípios da publicidade e da transparência,
confirmando que a urna eletrônica de votação, embora tenha representado
modernização do processo eleitoral, no sentido de garantir celeridade tanto na
votação quanto na apuração das eleições, tem sido alvo de críticas constantes e
bem fundamentadas no que se refere à confiabilidade dos resultados
apurados".
Além disso, o texto da PEC diz que o
país se tornou refém da "juristocracia do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE)" em questões eleitorais, porque a corte "boicota" a medida
e que a impressão do comprovante de voto é "a solução internacionalmente
recomendada — exceto pelos técnicos do TSE — para que as votações eletrônicas
possam ser auditadas de forma independente".
Bolsonaro disse a parlamentares em
maio: "Tenho certeza que nas urnas de 2022, com o voto auditável aprovado
por vocês, tendo à frente a Bia Kicis, não teremos mais dúvida, não pairará
qualquer sombra de dúvida na cabeça de qualquer cidadão brasileiro se o
processo foi conduzido com lisura ou não".
Naquele mesmo mês, ele afirmou que,
se a PEC for aprovada pelo Congresso até outubro deste ano, o voto impresso
será instituído para 2022 e fez insinuações em caso de interferência do
Judiciário, que já barrou essa mudança em anos anteriores.
"Vai ter voto impresso, porque
se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o
recado está dado."
Para Kalil, a estratégia de Bolsonaro
tem menos a ver com uma preocupação em tornar o sistema eleitoral brasileiro
ainda mais seguro e mais com a "estratégia recorrente de líderes
autoritários de desacreditar as eleições e o processo democrático como um todo".
"Para eles, contestar a urna é uma oportunidade para avançar num projeto de erosão democrática." 'Desacreditar instituições e desincentivar o voto'
Mas o que teriam a ganhar candidatos
e líderes ao fazer isso? Para Sousa Braga, à medida que esses políticos
desacreditam as instituições democráticas por meio delas próprias, eles passam
a concentrar cada vez mais poder sem respeitar o resultados das urnas.
Segundo ela, o contexto brasileiro é
favorável a esse tipo de movimento por ter "forte eleitorado conservador,
com alta desconfiança das instituições representativas e de boa parte da classe
política, em contexto de crescente desinstitucionalização das relações
civis-militares (com uma maior participação política de militares)".
Kalil aponta que esse tipo de postura
transforma o processo político numa campanha permanente. A base de apoiadores
dessas lideranças autoritárias permanece mobilizada, unida e ativa para além do
período eleitoral. Em caso de derrota nas urnas, essa massa atuará para minar a
legitimidade de quem venceu.
"Você coloca o eleito sob
ataque. Passa a haver uma série de ações contra o chefe ou a chefe de Estado
exatamente com a justificativa de que a conquista daquela posição não é
legítima porque foi fraudada. E se mantém também a base com o objetivo de
derrubar o governo ou de causar distúrbios."
As acusações de fraude feitas por
Netanyahu, por exemplo, forçaram políticos do partido Yamina, que integra a
coalizão que derrotou o atual premiê, a recorrerem à escolta policial após
receberem ameaças de morte.
Nos Estados Unidos, uma manifestação
contra a confirmação pelo Congresso da vitória do democrata Joe Biden desaguou
na invasão do Capitólio. Os líderes do Congresso precisaram ser evacuados pelo
risco de serem assassinados. Cinco pessoas acabaram mortas.
Para Kalil, a estratégia tem dois
pilares: desacreditar o processo democrático e desestimular as pessoas de
votarem. O segundo, diz ela, é defendido por alguns grupos no Brasil, mas está
longe de ter a força que tem em países como os Estados Unidos.
Kalil explica que esse movimento tem
laços com as raízes dos processos eleitorais, quando apenas homens brancos com
posses tinham direito a votar.
Na base das regras arcaicas, estava a
noção de que esses seriam os "mais capazes"para definir o destino
político da sociedade. Esse tipo de argumento tem ressonância em grupos que
defendem o fim do direito ao voto para analfabetos, por exemplo.
Atual presidente mexicano, López Obrador fez acusações infundadas de fraude eleitoral
Como resultado das acusações de
fraude e do desincentivo ao voto, determinados grupos sociais acabam deixando
de participar do processo eleitoral.
"Se o sistema não funciona, as
pessoas vão deixando de participar, porque elas começam a achar que tudo aquilo
é um teatro, que tudo aquilo é uma fraude. Então por que que elas vão sair de
casa para votar se no final das contas tudo vai ser fraudado mesmo, é tudo uma
grande mentira. O que está por trás disso é a não participação", diz
Kalil.
A antropóloga afirma que esse
fenômeno ainda não ocorre no Brasil, embora a abstenção esteja crescendo aos
poucos a cada pleito, e a soma de votos brancos e nulos chegue a superar o
total de votos válidos em algumas cidades. Ela e outros pesquisadores têm atribuído
essa tendência não a uma queda na confiança da população em relação ao sistema
eleitoral, mas, entre diversos outros motivos, a uma desilusão com o sistema
político ou o modelo de democracia representativa no Brasil.
No livro Como As Democracias Morrem,
os autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt afirmam que "falsas acusações
de fraude podem minar a confiança pública em eleições — e quando cidadãos não
confiam no processo eleitoral, muitas vezes perdem a fé na própria
democracia".
Isso aconteceu no México, por
exemplo. O atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, descrito por alguns
analistas como um populista de esquerda, não aceitou o resultado de duas
eleições anteriores por causa de supostas fraudes.
Em 2006, quando contestou o resultado
das urnas, a confiança no sistema no sistema eleitoral mexicano despencou, e
quase quatro em cada dez mexicanos não confiaram no resultado, apontam Levitsky
e Ziblatt. Em 2012, quando ele foi novamente derrotado, sete em cada dez
acreditavam em fraudes nas urnas.
Agora no poder, López Obrador tem
agido para enfraquecer a instituição eleitoral do país a pretexto, segundo ele,
de evitar fraudes.
Para Sousa Braga, da UFSCar, os
principais obstáculos a avanços autoritários estão justamente no fortalecimento
das instituições democráticas. "Os partidos, independente do seu campo
ideológico, precisam defendê-las e agir de acordo com as regras criadas por
eles mesmos."
A pesquisadora afirma que, em 2022, o Judiciário
brasileiro terá "papel crucial" em apurações de abusos que venham a
ser cometidos na campanha em redes sociais, por exemplo, para evitar que a
legitimidade do processo eleitoral seja afetada.
EM TEMPO: Já que Bozo alega, sem provas, que houve fraude nas Eleições de 2018, afirmando que ganharia já no primeiro turno, o mesmo deveria renunciar. Não acha?
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