EXTRA - Raphaela Ramos
Pessoas vacinadas podem adoecer de
Covid-19? A dúvida ressurgiu após morte de Agnaldo Timóteo, no sábado (2): já
vacinado, o cantor foi vítima de complicações da doença. Especialistas afirmam
que o risco existe e pode ser explicado por diferentes fatores.
No caso de Timóteo, os médicos
acreditam que ele tenha sido infectado pelo coronavírus durante o intervalo
entre a primeira e a segunda dose do imunizante. Segundo a família afirmou à
GloboNews, ele foi internado três dias depois de receber a segunda injeção.
A infectologista Rosana Richtmann, do
Instituto Emílio Ribas, explica que antes de receber a segunda dose do
imunizante o cantor estava, em teoria, parcialmente ou muito pouco protegido.
Richtmann afirma que uma pessoa é
considerada protegida apenas duas ou três semanas após receber o número de
doses recomendadas (duas, no caso da CoronaVac e da vacina de
Oxford/AstraZeneca, atualmente utilizadas no Brasil). Esse período é necessário
para que a resposta imune seja gerada.
— A vacina aplica um antígeno que vai
induzir o sistema imune à produção de anticorpos, que podem ser aleatórios ou
que vão neutralizar o vírus em questão. Para ter produção de anticorpos
neutralizantes em quantidade suficiente para se proteger demora um tempo. A
segunda dose estimula de novo o sistema imune, de forma até mais eficaz, e duas
semanas é o tempo médio para que possa atingir uma quantidade melhor de
proteção — explica a infectologista, membro do Comitê de Imunização da Sociedade
Brasileira de Infectologia.
Mas mesmo aqueles que já estão
adequadamente vacinados ainda podem ser infectados. Isso acontece pois nenhuma
vacina é 100% eficaz, seja na prevenção de doença ou de formas graves, explica
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.
— Vamos ver com muito mais frequência
indivíduos que tiveram Covid após tomar só a primeira dose, ou antes de
completar duas semanas após a segunda. Mas mesmo entre os que receberam duas
doses e passou esse tempo, ainda é possível adoecer. O que se espera é que a
grande maioria dos casos sejam leves, mas vão ter indivíduos que não vão
responder à vacina e podem desenvolver uma doença tão grave quanto se não
tivessem sido vacinados. É uma minoria — afirma Kfouri.
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A microbiologista e presidente do
Instituto Questão de Ciência Natalia Pasternak explica que a eficácia de uma
vacina é a probabilidade de que, após tomá-la, uma pessoa não adoeça, de acordo
com o que foi observado nos testes clínicos. No caso da CoronaVac, por exemplo,
a eficácia de 50,4% significa que quem foi adequadamente vacinado tem a chance
de ficar doente reduzida pela metade.
No caso da vacina de
Oxford/AstraZeneca, a eficácia apresentada foi de 70%, segundo uma revisão
publicada na revista científica Lancet. Dados mais recentes, de testes nos EUA,
apontaram a eficácia de 76%, segundo o laboratório.
Pasternak destaca que "as
vacinas contra a Covid-19 não são "mágicas" e não são uma estratégia
individual. Por isso, para saber se estão funcionando é preciso observar a população
em geral, e não individualmente.
— Por isso a importância de usar a
vacina como estratégia coletiva. Quanto mais gente for vacinada, menos
frequentes ficam as exceções [casos graves após vacinação] — afirma Pasternak.
Os especialistas destacam que no
cenário atual do Brasil, com alta circulação do coronavírus, número de casos e
mortes pela Covid-19, os relatos de doença após a vacinação completa se tornam
mais frequentes.
Para ilustrar o problema, Pasternak
faz uma comparação das vacinas com um goleiro de futebol:
— Sabemos que o goleiro é bom pelo
histórico, as estatísticas de quantas defesas costuma realizar por jogo. Mas se
pego o bom goleiro e coloco em um time com defesa ruim, não para de chegar
bola, ele vai tomar gol. O mesmo acontece com a vacina: se não tem ninguém
usando máscara, fazendo isolamento social, vai ter furos.
Ela acrescenta que, ao vacinar grande
parte da população, é como se a defesa do time se tornasse melhor, porque o
vírus passa a circular menos entre as pessoas.
Segundo Kfouri, os imunizantes contra
a Covid-19 estão funcionando, na prática, conforme esperado.
— Também é esperado que as vacinas
com maior eficácia tenham uma falha vacinal [casos de pessoas vacinadas que
adoecem] menor do que as com eficácia mais baixa, mas para casos graves a
tendência é que seja muito pequena, de forma geral — afirma o diretor da SBIm.
Pasternak explica que no Brasil a
vacinação ainda está muito lenta para que haja algum resultado da chamada fase
4, quando a vacina já está sendo aplicada na população, mas em países com
porcentagem maior da população vacinada os números são positivos:
— Em países como Israel e Estados
Unidos as vacinas estão diminuindo hospitalizações, mortes e transmissão
também.
Richtmann também destaca que ainda não existem dados de efetividade — o quanto a vacina protege quando aplicada na população — dos imunizantes utilizados no Brasil. Mas há, segundo ele, ocorrência de casos de Covid-19, inclusive graves, entre profissionais da saúde já considerados protegidos.
— Nos estudos de fase 3, o Instituto
Butantan [que produz a CoronaVac no Brasil] falava de uma eficácia de quase
100% de proteção para casos graves, e pelo que observamos na vida real não tem
sido dessa maneira. Isso não significa que deva deixar de vacinar, mas que
mesmo vacinado não se deve baixar a
guarda. Principalmente profissionais da saúde, que são muito expostos ao vírus
— diz a infectologista.
Richtmann lembra que na época dos
ensaios clínicos não havia a alta circulação viral observada atualmente no
país, além da presença das novas variantes do coronavírus.
— Por isso não se deve deixar de ter cuidados, que
são basicamente os de sempre, mas devem ser ainda maiores agora — afirma. —
Claro que a vacina vai ter impacto na redução das mortes, da hospitalização e
da circulação do vírus, mas não podemos julgar que quem está vacinado está
protegido. Não podemos baixar a guarda.
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