EL PAÍS - Carla Jiménez
© EVARISTO SA (AFP) O general Fernando Azevedo e Silva, de saída
do Ministério da Defesa.
A segunda-feira parecia agitada pela notícia da saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Mas foi a carta de demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que revelou o tamanho do caos no Governo Bolsonaro.
Num momento de turbulências em Brasília com a pressão pela gestão pífia da pandemia de covid-19, a saída de Azevedo, amigo de longa data do presidente Jair Bolsonaro, mostrou que a estabilidade do Governo está cambaleante neste final de março. A leitura é clara: quando o ministro que dirige as Forças Armadas pede para sair de um Governo dominado por militares há uma discrepância maior do que parecia sobre os rumos da instituição.
O anúncio de última hora de uma reunião dos três comandantes das Forças Armadas aumentaria a tensão. Nesta terça, confirmou-se que o trio desembarca do Governo Bolsonaro. “O Ministério da Defesa (MD) informa que os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica serão substituídos. A decisão foi comunicada em reunião realizada nesta terça-feira (30), com presença do Ministro da Defesa nomeado, Braga Netto, do ex-ministro, Fernando Azevedo, e dos Comandantes das Forças”, avisou o comunicado.
“Esta é uma crise militar séria”, diz João Roberto Martins Filho,
estudioso das Forças Armadas no Brasil, organizador do livro recém
lançado Os militares e a crise brasileira (Alameda Editorial).
“É a primeira vez desde a redemocratização que acontece isso. O que falta
desvendar é o que Bolsonaro vai fazer”, diz Martins Filho. Ao que tudo indica,
a falta de posicionamento diante de anúncios radicais do Governo Bolsonaro
estaria cobrando seu preço, culminando na saída de Azevedo.
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Em meio ao anúncio de saída de outros ministros, foi a queda do ministro da Defesa a que mais deixou atônitos os brasileiros. Três generais de reserva ouvidos pela reportagem nesta segunda souberam pela imprensa que ele estava saindo e se disseram surpreendidos. Dois preferiram não comentar até se inteirar melhor dos detalhes.
As versões e especulações se multiplicaram com o passar das horas
logo após a divulgação da carta de demissão por volta das 16h. De certo, o
consenso de que algum limite foi ultrapassado para as forças militares, que já
vinham desgastadas pelos erros no Ministério da Saúde e na gestão da proteção à
Amazônia.
Desde o início do seu mandato, Bolsonaro abusou de impulsos autoritários, como falar no emprego do artigo 142, que supostamente daria poderes às Forças Armadas de intervir em outros poderes, assim como insuflou protestos contra o Supremo Tribunal Federal. Embora tenha sido brecado pela Corte, manteve sua postura de radicalismo para agradar sua base de eleitores.
No dia 8 deste mês disse que “meu Exército não vai obrigar o
povo a ficar em casa”, confrontando o lockdown proposto por
governadores para estancar as mortes pela pandemia. “Este é um Governo disposto
a qualquer coisa, não tem limites”, diz Martins Filho. “A questão agora é saber
por que a instituição se afasta dele. Precisam se distinguir?”, questiona.
A crise militar chega num momento péssimo para o Brasil que já prevê uma terceira onda da pandemia. Péssimo também para o Governo Bolsonaro, que entregou a cabeça do ministro Ernesto Araújo depois de uma briga escancarada do diplomata com o Congresso e forçou uma reforma ministerial com troca em outras cinco pastas, além da Defesa.
Por trás dessa troca açodada,
está o papel do Centrão, o grupo de partidos que prometeu sustentação a
Bolsonaro desde que a presidência do Congresso foi renovada. O general da
reserva Paulo Chagas acredita que a saída de Azevedo passa pelos acordos
políticos do Governo. “A minha leitura pessoal é que o presidente quer mexer no
time de ministros, mais fácil tratar com um contemporâneo seu”, diz Chagas,
lembrando que a relação do ministro demissionário com Bolsonaro é de décadas e
sempre foi muito boa, tanto do ponto de vista pessoal como profissional.
Chagas, porém,
admite que há desconfortos no Exército, por exemplo, por conduções assumidas
pelo Governo, como no caso da Saúde, comandada até poucos dias pelo general
Eduardo Pazuello. “Quando se diz que um general não teve sucesso numa missão
passa para a opinião pública que a instituição não tem quadros preparados”, diz
ele. “Isso não afeta a instituição em si, mas afeta os que lá estão. Ficam
desconfortáveis.”
Para ele, não há risco de ruptura institucional com a troca de comando na Defesa, e qualquer ato extremo do Governo num momento de desespero ―como insistir em eleições fraudulentas em 2022— não terá o suporte das Forças Armadas. Por ora, Bolsonaro acabou forçando uma divisão que havia dentro da instituição. Saem os generais que se opõem a seu estilo cada vez mais radical, ficam os generais bolsonaristas, a maioria da reserva, que atuam na máquina pública.
Entra Walter
Braga Netto na Defesa, que vai mostrar o quanto está disposto a apoiar os arroubos
golpistas de Bolsonaro no que resta do seu mandato ou, pior, contaminar ainda
mais as instituições militares em nome de um projeto de poder imprevisível. Até
hoje, os militares precisam ficar se explicando que respeitam a Constituição em
função das inúmeras demonstrações que o presidente Bolsonaro já deu da falta de
compromisso democrático.
O papel de Pazuello
na Saúde já era algo difícil de engolir pela caserna, assim como os variados
atropelos que sofreram, como a própria indiferença ao plano inicial que o
Exército tinha para lidar com a pandemia da covid-19 quando ela estava no
início. Agora, sob as cobranças do PIB nacional e a pressão internacional, os
militares estariam ponderando o preço pago por dar suporte ao presidente que
fez o Brasil virar pária, e os militares, cúmplices desse projeto.
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