O Globo - Guilherme Caetano
SÃO PAULO — Assediada no plenário da
Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) por Fernando Cury (Cidadania) em 16
de dezembro, a deputada Isa Penna afirma que a decisão do Conselho de Ética de
abrandar a punição do colega, denunciado por importunação sexual, é um
"tapa na cara de todas as mulheres". Nesta sexta-feira, maioria do
colegiado optou por reduzir a suspensão de Cury de seis para quatro meses.
O relator do processo, Emídio de
Souza (PT), havia sugerido suspender Fernando Cury por seis meses e cortar a
verba de seu gabinete durante o período. A sugestão de Wellington Moura, de
afastar o deputado por 119 dias e manter o subsídio de seu escritório, acabou
prevalecendo com o voto de cinco membros do colegiado.
Penna diz esperar que o caso, que
agora vai para plenário, onde precisa de maioria simples dos 94 deputados
estaduais para ter a punição confirmada, tenha apoio das mulheres da Casa, inclusive
as de direita — espectro político oposto ao seu e do qual é crítica ferrenha.
Como você recebeu a decisão do
Conselho de Ética?
Isa Penna: Eu achei um tapa na cara
de todas as mulheres. Na verdade é uma não punição. Passa uma mensagem de
legalização do assédio, porque é um precedente político e jurídico. A Comissão
de Ética é prevista na Constituição Federal, entao é um órgão que tem uma
prerrogativa justamente para os deputados não fazerem tudo o que quiserem. Hoje
a gente viu como os políticos tratam a nossa Constituição.
O resultado te surpreendeu?
Não. A informação que eu tinha era de
que o Estevam (Galvão, corregedor da Alesp), que já tinha se comprometido a
votar com o relator (Emídio de Souza, que sugeriu a suspensão de seis meses a
Cury), poderia estar sendo pressionado. Isso chegou (a mim) por meio de
deputadas mulheres de vários espectros ideológicos.
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E o que você acha que levou a essa
formação de maioria a favor de Cury, inclusive com o voto do corregedor?
Eu sei que tem muita pressão acontecendo.
Coisas obscuras envolvidas, que eu nem quero saber o que são.
Você queria a cassação de Cury, mas
disse que não iria "se desencontrar com a realidade" e se conformou
com a suspensão, contanto que fosse de um ano. A "realidade" foi uma
suspensão de 119 dias. Foi um erro se conformar com uma punição mais branda?
Acha que deveria ter brigado pela cassação até o fim?
Quando a gente vai traçar uma
estratégia política, tem que considerar um negócio chamado correlação de
forças. A luta pela cassação não acabou. A luta (no conselho) foi para que a
punição não fosse menor. A briga no plenário é outra. Estamos falando de
Janaina Paschoal, que já se comprometeu com a defesa da pauta, da Leticia
Aguiar, da Damaris Moura, da Delegada Graciela, todas comprometidas com a luta
das mulheres. Nossa estratégia era tirar o caso do Conselho de Ética. Não podia
morrer no Conselho de Ética, onde a correlação de forças era muito
desfavorável. De forma alguma há concordância da minha parte (com a punição
aprovada), até porque eu não fui consultada por nenhum dos votos. Os
conselheiros falam entre si. Minha ingerência sobre o caso foi zero até agora.
Agora vou para o plenário com sangue nos olhos, e ninguém vai me silenciar.
O que esse resultado diz, na sua
opinião, para outras mulheres, deputadas ou não, que se sentirem assediadas em
seus espaços?
Acho que os assediadores vão se
sentir empoderados e boa parte das mulheres vai se sentir indignada. Estamos
provocando repercussões e discussões em ambiente de trabalho, em casa, na sociedade.
(Esse debate) vai servir como um acúmulo de forças até chegar no plenario, onde
tem 94 deputados. Precisaria de uma mairia simples. Nosso raciocínio é que o
governo (João Doria) vai fazer de tudo pra proteger o votinho (Fernando Cury)
que ele precisa para os seus projetos. A gente, portanto, vai brigar para
extrair o máximo possível da Alesp. Mas o que nós já conquistamos até aqui é
inédito. É a primeira vez que um deputado é julgado e punido por assédio
sexual. A gente chegou até esse ponto. Só que no Conselho de Ética está a
escória da Assembleia Legislativa, o que há de mais velho na política.
O deputado Adalberto Freitas te
acusou de ameaçá-lo durante a audiência, pelo bate-papo da transmissão. O que
você disse a ele?
Eu falei: "deputado, que nojenta
a postura de vocês. Não vou me esquecer de nenhum de vocês. Isso diz muito
sobre vocês, como deputados e também como pessoas. Vou procurar saber o que
está por trás dessa proteção toda, e caso vocês tenham assediado qualquer
mulher na vida de de vocês, eu vou descobrir".
A defesa de Fernando Cury nega que
ele tenha apalpado o seu seio, que foi um "rápido e superficial
abraço" e que ele não teve intenção de assediá-la.
Eu já comentei sobre isso, mas é só
ver o vídeo. Reparem na perna dele. Uma das pernas do deputado está colado na
minha perna. Isso é inaceitável. Isso não acontece em lugar nenhum do mundo.
Você disse que a maioria do conselho
de ética é alinhada ideologicamente com Cury e que durante o processo foi
"silenciada por ser minoria na Casa". Se você fosse uma deputada de
direita, por exemplo, o desfecho teria sido diferente?
Eu acho que as mulheres de direita
denunciam menos, mas não é que elas não sofram assédio. Não acho que seria
diferente, porque é muito típico dos poderosos tentar resolver tudo dentro do
corporativismo.
Alguma coisa muda na sua atuação
parlamentar depois desse episódio?
Eu acho que esse caso mudou a minha
vida, quem eu sou. Inevitavelmente muda algo. Agora eu acredito, sim, que a
responsabilidade que veio com esse caso me traz uma responsabilidade de abraçar
essa pauta, quase que exclusivamente, até que a gente consiga resultados
concretos. Vou focar nessa agenda. Eu ganhei esse espaço pela sociedade, que me
deu essa legitimidade ao se solidarizar comigo. Então acho que, sim, essa pauta
é a luta da minha vida. Pelo fim da dominação masculina pelos corpos das
mulheres, de todas as formas.
Acha que vai ter apoio das outras
mulheres no plenário da Alesp?
As deputadas se manifestaram publicamente (a
favor). Então há uma sinalização de unidade entre as mulheres da Alesp. Vamos
ver se isso se concretiza.
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