EXTRA - Suzana Correa*
seg., 29 de março de 2021
Uma das explicações para a alta mortalidade nas
UTIs brasileiras seria a política errática do governo federal em relação ao
combate ao coronavírus - Foto: EVARISTO SA / AFP via Getty Images
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Especialistas
apontam ausência de profissionais treinados e problemas de gestão como alguns
dos motivos para esse cenário
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Condução errática
do governo federal contribuiu decisivamente para a alta mortalidade nos leitos
do país
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Índice do Brasil é
um dos maiores do mundo e supera Itália, Reino Unido, Alemanha e México
Entre novembro de 2020 e março deste
ano, oito em cada dez pacientes com Covid-19 intubados em unidades de terapia
intensiva (UTIs) do Brasil morreram, segundo dados do Ministério da
Saúde compilados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A taxa de mortalidade de pacientes internados
no país, de 83,5%, é uma das maiores do mundo.
Especialistas dizem que a alta taxa
de mortalidade é reflexo da ausência de profissionais treinados, além de
problemas de gestão e justamente da longa espera por leitos nos hospitais,
agravada pela escalada da doença.
Os dados sobre a mortalidade vêm do
Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) e foram compilados
por pesquisadores da Rede Brasileira de Pesquisa em Medicina Intensiva,
coordenada por Fernando Bozza.
Um outro estudo do grupo, publicado
na revista The Lancet Respiratory Medicine, já havia revelado que as taxas
brasileiras de morte de pacientes intubados com Covid-19 entre março e 15 de
novembro de 2020 era de 77,8%. O número já era superior, no período, ao do
Reino Unido (69%), Itália (51,7%), Alemanha (52,8%) e México (73,7%).
Segundo Bozza, uma das explicações
para a alta mortalidade nas UTIs brasileiras foi a política errática do governo
federal em relação ao combate ao coronavírus:
— O Brasil perdeu muito tempo em 2020
com irrelevâncias, como medicamentos sem eficácia, e a chance de incorporar as
melhores práticas e políticas que são de fato eficientes, como treinar equipes
de UTI e reduzir a transmissão — afirma.
Para Luciano Azevedo, professor de
Medicina da USP que atua na UTI do Hospital das Clínicas, em São Paulo, morre-se
mais com Covid nas UTIs brasileiras graças à longa espera nas filas de leitos,
ao controle inadequado de comorbidades, como diabetes, e à falta de pessoal
qualificado. Soma-se a isso o atraso na ida às emergências de pacientes que
acreditam combater a doença com remédios como a ivermectina e a cloroquina,
comprovadamente ineficazes contra a doença.
Nos hospitais, a luta dos pacientes
por um dos 20.865 leitos de UTI do país, que em estados como São Paulo estão
com 91,6% de ocupação, é só o começo. Com quadros mais graves de complicações,
aqueles admitidos nas UTIs deparam com a escassez de respiradores e remédios,
instalações improvisadas e profissionais sobrecarregados, exaustos física e
emocionalmente — muitos contratados às pressas durante a pandemia,
recém-formados e sem especialização ou experiência para atuar em UTIs.
— O cuidado intensivo brasileiro
médio é, principalmente agora na pandemia, inferior ao padrão. Sem equipe
preparada, há maior mortalidade e alta incidência de infecções e complicações —
diz Luciano Azevedo.
Inexperiência e
erros
Os dados mostram que a letalidade entre intubados
em UTIs é, hoje, ainda pior no Norte (90,8%) e Nordeste (89,9%), caindo para
79% no Sudeste - Foto: Buda Mendes/Getty Images
Um paciente na UTI exige a atenção de
uma equipe multidisciplinar, que inclui enfermeiros, fisioterapeutas, além dos
médicos intensivistas. Com profissionais sem formação na área ou inexperientes
tratando doentes graves, aumentam as chances de erro em diversos procedimentos,
explica Azevedo. Há intubações que lesionam a traqueia do paciente, cateteres
que acertam vasos e causam sangramentos em órgãos, pneumonias associadas ao uso
do respirador ou infecção causada pela sonda urinária.
A sepse, inflamação generalizada
causada por infecções e que pode levar à falência de todos os órgãos, é a
principal causa de mortes em UTI no Brasil, sendo responsável por 65% dos
óbitos. A média mundial varia entre 30% e 40%, segundo o Instituto
Latino-americano de Sepse.
Os dados mostram que a letalidade
entre intubados em UTIs é, hoje, ainda pior no Norte (90,8%) e Nordeste
(89,9%), caindo para 79% no Sudeste. Além das disparidades regionais na
qualidade do atendimento, pacientes internados na UTI de um hospital público de
referência ou na rede privada pode ter mais chances de sobreviver, segundo os
pesquisadores.
No Sírio-Libanês, hospital privado de
alto padrão em São Paulo, em que Azevedo também atua, a taxa de morte entre
intubados com Covid-19 é, ele diz, de 25%.
No Instituto de Infectologia Emílio
Ribas, também em São Paulo, referência da rede pública e com profissionais
experientes, a letalidade de intubados é de 36%, segundo Jacques Sztajnbok,
chefe de UTI do hospital. A taxa muito abaixo da média nacional reflete um país
de realidades distintas. Na prática, um paciente intubado na UTI do Sírio ou do
Emílio Ribas teria de duas a três vezes mais chances de sobreviver do que a
maioria dos internados pelo país.
— Abre-se UTI e acham que tudo está
resolvido, mas paciente com Covid-19 é de extrema complexidade. Qual a formação
das equipes e o suporte que recebem? Há hospitais em São Paulo com 80% de morte
de intubados. Mesma doença, época e equipamento. O que afeta é a defasagem
técnica. Mas não se forma gente capacitada da noite para o dia, é trabalho
contínuo — diz Sztajnbok.
O aumento nas filas também tem levado
às UTIs pacientes mais complexos. Por isso, mesmo hospitais que investiram em
capacitação e novas técnicas — como adoção do corticoide dexametasona para
conter a inflamação em pacientes graves — estão operando no limite. A equipe de
Sztajnbok lida hoje com pacientes graves de até 28 anos, sem comorbidades. Os
casos impressionam pela rápida deterioração, exigência de manobras complexas,
dificuldades para intubar e extubar e prognósticos de recuperação lenta e
demorada.
Ricardo Schnekenberg, médico da
Universidade de Oxford e membro do grupo do Imperial College, que analisa a
dinâmica do vírus no Brasil, diz que a melhor estratégia a curto prazo para
reduzir a pressão das UTIs sobrecarregadas continua sendo não depender de
leitos. Para isso, ele defende receita conhecida: conter a transmissão do vírus
e vacinar a população.
— A alta mortalidade no Brasil
reflete problemas estruturais que não estão sendo atacados e não serão
resolvidos no curto prazo. Por isso, é necessário controlar e reduzir a
transmissão usando as medidas eficazes conhecidas, como distanciamento — diz.
No Reino Unido, o sistema público de
saúde investiu no aprendizado das equipes que lidam com o vírus há um ano,
adotou novos protocolos e diminuiu a sobrecarga sobre o sistema. Desde agosto,
a mortalidade de pacientes hospitalizados, no geral, não passa de 18%, mesmo
entre idosos com mais de 80 anos, segundo dados de consórcio de especialistas
britânicos.
Procurado pelo Globo, o Ministério da
Saúde não respondeu sobre a alta letalidade hospitalar do país e as medidas
tomadas para reduzir tais índices.
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