Mariana Schreiber - @marischreiber -
Da BBC News Brasil em Brasília
ter., 23 de março de 2021
Ex-juiz da Lava
Jato, Moro foi considerado parcial nos julgamentos relativos ao ex-presidente
Lula
Em julgamento tenso e marcado por
reviravolta, a maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que o ex-juiz Sergio Moro atuou com parcialidade ao julgar Lula o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato.
O julgamento reforça a anulação das
condenações do petista determinada no início de março individualmente pelo
ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin. As duas decisões permitem que o
petista retome seus direitos políticos e dispute a eleição presidencial de
outubro de 2022, a não ser que seja novamente condenado em segunda instância
até lá.
Os processos agora terão que ser
refeitos na Justiça Federal do Distrito Federal e as provas produzidas quando
Moro era juiz dos casos dificilmente poderão ser reaproveitadas, já que sua
conduta foi considerada suspeita.
A Segunda Turma chegou a formar
maioria contra Lula, após o ministro Kassio Nunes Marques recusar o habeas
corpus do petista.
No entanto, o voto decisivo foi da
ministra Cármen Lúcia, que mudou a posição contrária ao recurso de Lula que
havia adotado no final de 2018, quando o habeas corpus começou a ser julgado.
O resultado final do julgamento ficou
em 3 a 2, com Gilmar Mendes e Lewandowski completando a maioria a favor de
Lula. Além de Nunes Marques, Edson Fachin votou contra o recurso do petista.
O julgamento iniciado em dezembro de
2018 foi interrompido por um pedido de vista de Mendes, após Cármen Lúcia e
Fachin terem rejeitado o habeas corpus. Com o passar do tempo, porém, a
situação ficou mais desfavorável para Sergio Moro.
As acusações contra o ex-magistrado
ganharam peso após o portal de notícias The Intercept Brasil revelar, em julho
de 2019, diálogos privados entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da
força-tarefa da Lava Jato, em que o juiz adotava condutas ilegais em parceria
com o Ministério Público Federal.
"Alguns dados novos foram sendo
introduzidos para clarear alguns dados que não tinham, na minha compreensão,
uma comprovação inicial", disse a ministra em seu voto, sem citar diretamente
a série de reportagens Vaza Jato.
Segundo a ministra, esses "dados
novos" reforçaram o entendimento de que medidas adotadas pelo ex-juiz nos
processos contra Lula não foram imparciais. Para Cármen Lúcia, Moro atuou
ilegalmente ao autorizar a interceptação de telefones de advogados do
ex-presidente e quando determinou a condução coercitiva do petista em 2016, sem
primeiro intimá-lo a depor.
"Todo mundo tem direito a um
julgamento justo, aí incluído o devido processo legal e aí incluído a imparcialidade
do julgador", afirmou também a ministra.
Edson Fachin, por sua vez, repreendeu
conversas entre juiz e Ministério Público "fora dos parâmetros
legais". Apesar disso, ele manteve seu voto pela rejeição do habeas
corpus, argumentando que sua decisão que anulou todos os processos contra Lula
que tramitaram na 13a Vara de Curitiba automaticamente derrubou outros recursos
do petista nesses casos.
Naquela decisão, ele considerou que
os processos contra o petista não deveriam ter tramitado na Justiça do Paraná,
já que os crimes investigados não haviam ocorrido naquele Estado nem eram
relacionados apenas a desvios da Petrobras, foco inicial da Lava Jato.
Fachin mandou então que os processos
fossem refeitos na Justiça do Distrito Federal, algo que há muito os advogados
do petista pediam.
Impacto sobre outros processos da Lava Jato
Nesta terça-feira, a maioria da
Segunda Turma decidiu ainda que o resultado do julgamento sobre suspeição de
Moro afeta apenas Lula, não tendo impacto sobre outros casos da Lava Jato julgados
pelo ex-juiz.
Edson Fachin, porém, disse que a
configuração de "amizade" entre o ex-magistrado e o procurador Deltan
Dallagnol pode levar à anulação de todos os processos julgados por Moro na 13ª
Vara Federal de Curitiba. Para isso ocorrer, porém, ele afirmou que é preciso
uma análise mais aprofundada dos diálogos revelados pela Vaza Jato.
"Essa decisão poderá implicar a
anulação de todos os processos julgados pelo ex-magistrado", disse Fachin.
"Os fatos realmente são graves
e, se forem verdadeiros mesmo, a solução pode ser, e quiçá deva ser, a
nulidade. Mas não posso admitir que isso seja feito sem que as dúvidas sobre a
integridade do material sejam examinadas, sem que a sua contextualização seja
profundamente aferida", argumentou.
Embate sobre diálogos da 'Vaza Jato'
O uso dos diálogos da Vaza Jato para
considerar Moro parcial foi alvo de grande controvérsia. Um dos argumentos de
Nunes Marques para rejeitar o recurso de Lula é o fato de as conversas
reveladas na série de reportagens Vaza Jato terem sido obtidas por hackers de
forma ilegal.
No momento, as condenações contra Lula na Lava Jato estão anuladas por determinação individual de Edson Fachin
"Se fosse permitido o uso da
prova ilícita, os litigantes poderiam exercitar toda forma de transgressão em
busca de evidências que sustentassem suas alegações. De modo tal que o
processo, em vez de um espaço de autoridade e pacificação, se transformaria num
campo para competição tresloucada por provas a todo custo", disse, ao
votar.
"Seria uma grande ironia e um
prenúncio de um looping infinito de ilegalidade aceitarmos provas ilícitas
resultantes portanto de um crime para comprovar um suposto crime praticado para
apurar outro crime. E aí registro eu: dois erros não fazem um acerto",
acrescentou.
Antes de passar a palavra para o voto
de Cármen Lúcia, o ministro Gilmar Mendes, que preside a Segunda Turma, reagiu
com irritação ao voto de Nunes e contestou seus argumentos.
Segundo ministro mais antigo da
Corte, Mendes disse que há precedentes no STF que permitem o uso do habeas
corpus para questionar a imparcialidade de Moro. Ele também disse que votou
pela suspeição do ex-juiz por causa de sua conduta processual contra Lula, e
não por causa dos diálogos da Vaza Jato, que não foram citados no recurso do
petista.
Mendes citou, por exemplo, a
interceptação de telefones de advogados do ex-presidente e a condução
coercitiva do petista em 2016.
"Não importa o resultado desse
julgamento. A desmoralização da Justiça já ocorreu. O tribunal de Curitiba é
conhecido mundialmente hoje como um tribunal de exceção. Este nos
envergonha", disse ainda.
O ministro Lewandowski também
reforçou que seu voto não foi baseado nas mensagens da Vaza Jato. Ele apontou
condutas de Moro que considerou parciais, como o adiamento de um depoimento de
Lula marcado para agosto de 2018 sob o argumento de que poderia ser explorado
politicamente no período eleitoral, e a decisão de derrubar o sigilo da delação
do ex-ministro da Economia Antônio Palocci a poucos dias da mesma eleição.
Os processos anulados
contra Lula
A decisão que considerou Moro
impacial foi concedia em um habeas corpus contra a condenação do petista no
caso do Tríplex do Guarujá, o que torna esse processo nulo.
O julgamento desse recurso não atinge
automaticamente outros processo contra Lula conduzidos por Moro, mas isso deve
ocorrer após a defesa solicitar a ampliação da decisão.
De qualquer forma, todos os processos
da Lava Jato que tramitaram em Curitiba já estão anulados no momento pela
decisão de Fachin que remeteu os casos para a Justiça do Distrito Federal e
terão que ser refeitos.
Isso inclui as condenações do petista
nos casos Tríplex do Guarujá e Sítio de Atibaia e outros dois processos que
ainda tramitavam na 13ª Vara de Curitiba — o que trata de doações ao Instituto
Lula e o da sede do mesmo instituto.
Nos quatro casos, o ex-presidente é
acusado de ter sido beneficiado por empreiteiras que teriam obtido vantagens em
contratos com a Petrobras e outros órgãos públicos. O petista nega as acusações
e diz que foi perseguido pela Lava Jato e Sergio Moro.
Entenda o recurso
sobre suspeição de Moro
O recurso que pedia a suspeição de
Moro foi apresentado pela defesa de Lula em 2018, mas o julgamento estava
paralisado há pouco mais de dois anos por pedido de vista de Mendes.
Entre os argumentos para apontar a
parcialidade do juiz, os advogados citavam a condução coercitiva do petista
para depoimento em 2016, sem que ele tenha sido previamente intimado, como
previa a lei brasileira.
"A condução coercitiva do
paciente foi uma violência inominável e que, depois, o Supremo considerou
flagrantemente inconstitucional, em boa hora também porque realmente nem
animais para o matadouro se leva da forma como foi levado um ex-presidente da
República", criticou o ministro Lewandowski, ao votar pela suspeição do
ex-juiz.
A defesa do petista apontou também
como prova da parcialidade de Moro a autorização para grampear o telefone de
Lula e de seus familiares e advogados, sem adotar antes outras medidas
investigativas, além da decisão do ex-juiz de divulgar em 2016 as conversas
grampeadas, inclusive um diálogo entre Lula e a então presidente Dilma
Rousseff, medida que na época foi repreendida pelo STF.
Outro argumento é que o ingresso dele
no governo Jair Bolsonaro teria evidenciado seu interesse político ao condenar
Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso Triplex do Guarujá.
Moro foi ministro da Justiça e da Segurança Pública até abril de 2020.
Moro, por sua vez, disse que condenou Lula baseado
nas provas processuais em julho de 2017, quando Bolsonaro ainda não era
considerado um candidato competitivo. Ele argumentou que, naquele momento, não
tinha como prever a vitória do atual presidente, nem o convite para ser
ministro. Além disso, afirmou que aceitou integrar o governo para fortalecer o
combate à corrupção e ao crime organizado.
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