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A Terra é Redonda
Por MILTON PINHEIRO*
A consciência cínica
sabe que deve se acomodar e permitir o caos controlado e o golpe de Bolsonaro
por dentro das instituições
Todos os poderes da
república sabem o que os “bolsonaros” fizeram e o que o atual presidente faz.
Os chefes das instituições do Estado capitalista brasileiro têm completo
conhecimento das ações do agitador fascista. Mesmo aqueles que têm algum tipo
de restrição ao modelo do caos controlado que governa o Brasil, passando por
muitos que se comportam como vômito leniente, até os operadores do golpe por
dentro das instituições…Todos, absolutamente todos, têm conhecimento da lógica
político-administrativa do atual governo.
Grande parte da
população sabe o que ele fez no “verão passado” e o que ele faz no presente. É
público e notório. A imprensa, aquela confiscada pelo suborno oficial, a
imprensa, aquela que tenta não entrar no mérito da questão, a imprensa, aquela
que se esconde em outras polêmicas porque está de acordo com a destrutiva pauta
econômica, a imprensa, aquela que finge ser imprensa. Todos, absolutamente
todos, sabem o que representa Bolsonaro.
O Brasil foi
deliberadamente colocado no laboratório do neofascismo. São experiências que
estão sendo realizadas em vários cenários para testar a elasticidade das
instituições, a repercussão da mídia, o envolvimento ou não do conjunto da
população, a capacidade de resistência das forças organizadas no campo das diversas
esquerdas. Esse projeto burguês obscurantista, agora, faz um dos mais macabros
testes: deixar que a Covid 19 dizime uma quantidade absurda de brasileiros/as.
O genocídio está sendo televisionado, mas, até agora, nada de novo no front da
resistência…
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O teste do projeto
neofascista não abriu o nosso portão e não esteve no nosso jardim. O teste
bolsonarista se aproveitou das balizas antidemocráticas da cultura política
reacionária que se desenvolveu no Brasil de 2013 a 2016 e cavalgou na trilha do
golpe de 2016,alimentando, como espetáculo, o ódio aos pobres, aos serviços
públicos, ao conhecimento científico, aos negros/as, às mulheres, ao mínimo
civilizatório. Venceu o rancor das redes de contágio com toda a sua riqueza
imbecil.
As diversas frações
da burguesia que buscam uma melhor posição no bloco do poder querem mais, não
importa qual será o preço a se pagar. PECs e decretos confirmam o golpe por
dentro das instituições, avançam através de centenas de outras alterações
internas ao sistema das instituições da sempre sonolenta democracia formal,
essa que é dirigida pela sempre ativa autocracia burguesa. Um básico Estado
capitalista está sendo adaptado aos procedimentos da crise econômica e da crise
política, portanto, também passando pelo processo de crise ideológica. Está em
evidência a via brasileira para o fascismo com a sua agenda remodelada.
Destruiriam as
balizas civilizatórias, colocaram a imbecilidade e o obscurantismo no templo
sagrado da verdade com requintes de fundamentalismo religioso; instituíram a
mentira como elemento central do debate para questionar a razão. Não existe
mais verdade, esse pressuposto transformou-se na visão de cada um sobre
qualquer questão: ciência, conhecimento, direitos humanos, moral e ética,
cultura e arte, etc.
Na ordem das questões
de Estado, estão suprimindo o valor universal dos serviços públicos para
possibilitar que a saúde, educação, assistência social, relação
Estado/Indivíduo sejam transformadas em carteiras de negócios privados. As
salvaguardas que poderiam direcionar o desenvolvimento produtivo estão sendo
entregues ao mercado e à lógica das bolsas de valores. Estão destruindo a
Petrobras, a Eletrobras; já destruíram a Embraer; avançam sobre o Banco do
Brasil, a Caixa Econômica Federal, Correios, etc. O capital no Brasil, na
órbita do consórcio internacional, não está deixando pedra sobre pedra…
Os poderes da
república, ou seria como afirma o poeta: “esses podres poderes”, a exemplo do
judiciário, mostram-se ativos no juizado moral das pequenas causas e
completamente leniente diante do atacado golpista. O parlamento, deixou de lado
a parceria conflitiva para exercício do palco midiático, entrando, a partir de
mais uma vitória do Centrão, como operador político do executivo obscurantista.
Estão sendo aprovadas contrarreformas para destruir a mínima presença do Estado
na vida social. E, mais, com a contrarreforma administrativa eles querem
fisiologizar o agente da relação Estado/Cidadão, o trabalhador público
concursado, este sujeito social atacado desde sempre.
O palco da
ópera-bufa, ou drama-burlesco, está deliberadamente em confusão, é a realidade política
brasileira agindo para dar a janela de oportunidades ao capital interno e seu
consórcio internacional; o poder executivo brasileiro, na sua procura
incansável pela melhor formatação do golpe que não seja pela via tradicional,
deixou bem nítido que o caos controlado e a subjugação das instituições são o
caminho. Se essa lógica paulatina não se efetivar será aberta a picada para
outra situação; quando farão o último teste, se por acaso chegarmos ao impasse
político, tivermos poderes em desacordo institucional e o povo bradando em
virtude da mais completa situação de penúria social: aí sim teremos forças
policiais e milicianas armadas nas ruas, quartéis em alerta para a defesa do
projeto do agitador fascista, hordas reacionárias alimentando diversos cercadinhos
da política pelo Brasil e manifestações golpistas em profusão nas redes de
contágio.
Todos os poderes da
república sabem dessa possibilidade; as instituições convivem com esse cenário;
o ajuste ultra neoliberal vibra; há uma corrida pela fatia dos mais diversos
tipos de ganhos…
Do outro lado, em
posição secundarizada relação de força, já que a principal disputa ainda é
entre as frações da burguesia por uma melhor posição no bloco do poder, a
esquerda paralisada pela pandemia, tergiversa sobre a centralidade da luta. Uma
parte importante tem calafrios quando se coloca a questão da reorganização da
classe (está satisfeita com seus pequenos aparelhos); outra, imagina que a
questão central é se preparar para reordenar o pacto neodesenvolvimentista da conciliação
de classes para 2022.
Contudo, essas duas
variantes de um mesmo processo que paralisa a capacidade de enfrentamento e de
ação para mudar a relação de força na conjuntura política brasileira, pode ser
impactada se encontramos uma saída que não precisa inventar a roda, temos uma
importante trilha: avançarmos no trabalho de base, firmarmos uma ampla
articulação que possibilite a reorganização da classe trabalhadora brasileira,
construirmos uma frente social e política que seja constitutiva da formação do
bloco proletário e popular, numa frente única das organizações proletárias,
populares, de juventude e mulheres, do povo pobre das mais diversas periferias
e dos partidos de esquerda.
A consciência cínica
sabe que deve se acomodar e permitir o caos controlado e o golpe de Bolsonaro
por dentro das instituições. Portanto, fará tudo para não enfrentar o último
teste do roteiro de ações bolsonaristas. Aos trabalhadores/as organizados e à
esquerda cabem o papel de colocar em xeque a consciência cínica e se preparar
para enfrentar a possibilidade do último teste, ou seja, o cenário da via
brasileira para o neofascismo.
*Milton Pinheiro é
cientista político e professor titular de história política da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB). É membro do Comitê Central do PCB
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