Yahoo, Redação Notícias
qua., 24 de março de 2021
Policiais militares
recebem com todas as honras a chegada do caixão que contém os restos mortais do
sargento. Jorge Luis Pereira da Silva, 54, falecido de COVID-19, no cemitério
do Campo da Esperança em Brasília, Brasil, terça-feira, 23 de março de 2021.
(AP Photo / Eraldo Peres)
Um
ano e sete dias após o registro da primeira morte por Covid-19, o
Brasil chegou nesta quarta-feira (24) ao número de 300 mil mortes registradas
pela doenças. A marca foi atingida numa semana em que o governo federal empossou seu quarto ministro da saúde e
o número diário de óbitos ainda não dá sinal de arrefecer.
A marca de óbitos foi alcançada na
tarde desta quarta, apesar de o Ministério da Saúde ter modificado os critérios para
contagem de óbitos.
Desde o início de março, o país
registra uma escalada brutal nas estatísticas de óbitos por coronavírus,
tendo batido o recorde na noite de terça, com mais de 3.000
mortes sendo notificadas em 24 horas. Nesta tarde, o consórcio de
veículos de imprensa que realiza monitoramento independente dos números da
Covid-19, indicou que o país já tem 300.015 pessoas mortas pela doença.
ATUAÇÃO DO GOVERNO
FEDERAL NO COMBATE À PANDEMIA
Ao longo dos últimos meses,
especialistas criticaram o desempenho do governo federal e apontando-o como
fator majoritário para o estabelecimento da situação de calamidade que a
pandemia instalou no país.
Para entender o que poderia ter sido
diferente na condução da resposta do Brasil à Covid-19, a reportagem conversou
com dois especialistas que estavam participando da criação de políticas
públicas no país e se viram boicotados ou ignorados pelo governo em suas
recomendações.
Um deles foi o infectologista Júlio Croda, professor da Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul e da Escola de Saúde Pública de Yale, e ex-diretor do
Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.
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DISTANCIAMENTO
SOCIAL
Croda desenhava a política de
enfretamento da pandemia antes de se demitir, em 25 de março de 2020, quando o
ministro da Saúde ainda era Luiz Henrique Mandetta. Ele afirma que o
primeiro grande erro do presidente Jair Bolsonaro foi
bloquear a adoção de uma política nacional de distanciamento social.
— Nós queríamos dividir o Brasil em
regiões de saúde e ter desenvolvido indicadores epidemiológicos claros, que
estariam associados com medidas restritivas a serem adotadas, de acordo com
gravidade da incidência, ocupação de leitos, capacidade de testagem, capacidade
de rastreamento de contatos e isolamento — conta o médico. — Isso não foi
feito, e foi o grande motivo de eu ter saído do ministério.
Até hoje, o Planalto resiste a tomar
para si a coordenação de medidas de distanciamento e até busca impedir governadores de fazê-lo.
Segundo Croda, no atual momento da pandemia, seria essencial que essa
mentalidade mudasse, mas ele diz não acreditar nessa possibilidade.
USO DE MÁSCARAS
A resistência do presidente em usar máscara facial e preconizar seu uso, e a insistência em promover
aglomerações, contra a recomendação de sanitaristas, ainda tem efeito na taxa
de transmissão do vírus.
O Brasil diagnosticou até agora
12.183.338 pessoas com a Covid-19, e nas últimas 20 horas teve mais de 46.663
caosos registrados (incluindo os não letais).
COMPRA DE VACINAS
Além da resistência a políticas de
contenção da transmissão. Outros problemas se manifestaram na condução da
resposta à pandemia no país. Entre eles estão a gestão descuidada de aquisição de vacinas e de insumos médicos para o tratamento dos doentes graves de
Covid-19.
— Estados e municípios não tem
autonomia para esse tipo de aquisição quando existe falta dos produtos em
escala nacional — diz Croda. — Como essa falta é generalizada, a coordenação
para suprir essas necessidades deveria ser em nível federal.
Outra especialista que participava da
elaboração de políticas públicas para a Covid-19 foi a epidemiologista Ethel Maciel, professora da
Unifersidade Federal do Espírito Santo, que era integrante do painel de
consultores que subsidiavam o plano nacional de vacinação contra a Covid-19.
Quando o plano foi divulgado sem
incluir as recomendações do grupo, Ethel foi uma das especialistas que alertou
sobre o distanciamento do projeto das recomendações dos especialistas.
Uma iniciativa mais precoce de
negociação para compra de vacinas, diz a epidemiologista, poderia ter colocado
um contingente maior da população sob proteção antes da escalada brutal
da segunda onda da Covid-19 no país.
— Nós não chegamos a 300 mil mortos
por acaso, nos chegamos a essa marca por uma incopetencia da condução da crise
sanitária no Brasil — diz Maciel, que desistiu de colaborar com o Ministério da
Saúde.
— Se o governo tivesse ouvido a ciência,
teria feito aquele acordo com a Pfizer para 70 milhões de doses,
teria feito o contrato com o Butantan mais cedo, teria ido atrás da Janssen que
desde cedo diziamos ter uma vacina importante e estratégica, por ser de dose
unica — afirma a pesquisadora.
Segundo os números desta tarde,
porém, apenas 2% da população brasileira já está plenamente imunizada, com duas
doses, o que é pouco ainda para um efeito perceptível na velocidade da
pandemia.
Croda, hoje trabalhando como
consultor para os governos de São Paulo e Amazonas, afirma que, aparentemente,
a dinâmica da pandemia não tem sido bem explorada pelo Ministério da Saúde para
planejamento.
— É preciso usar cálculos matemáticos
dos números de casos graves para ver como a pandemia vai se comportar nos
próximos dias e semanas. Mas eu não estou mais no ministério e não sei se estão
fazendo isso de forma sistemática — afirma Croda. — Mas a gente sabe que foi
cancelada em outubro passado uma aquisição de kits de intubação, que estão em
falta agora. Se estivessem trabalhando nos modelos matemáticos e acreditassem
nessas projeções, eles poderiam tem efetivado essas compras.
A marca de 300 mil atingida hoje já é
67% maior do que a projeção mais pessimista de Croda à época de sua atuação no
ministério. Em abril do ano passado, ele estimou que o Brasil poderia atingir
180 mil óbitos por Covid-19 até o início de uma campanha robusta de vacinação.
ERROS DO GOVERNO
FEDERAL
Para o professor e infectologista,
foi um erro o governo ter acreditado por tanto tempo que o país poderia ter
atingido um estado de imunidade coletiva por meio de infecções naturais.
— O vírus sofreu mutações importantes, e a gente
viu uma segunda onda terrível no Amazonas na
primeira quinzena de janeiro — conta. — Naquele momento, a gente passou a ter
certeza de que essa teoria da imunidade de rebanho não poderia permanecer.
Uma crença insustentável de que a
disseminação do vírus, em vez da contenção, poderia ser positiva para o país,
diz Croda, pode ter sido responsável por uma parcela importante das 300 mil
mortes ocorridas até agora.
IDEOLOGIA
Para ele, o governo federal herdou
muito da hostilidade que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, tinha em relação à
OMS e à China, o que comprometeu a política local contra
Covid-19.
Bolsonaro tem se mostrando mais amigável agora à ideia da
vacinação em massa, ao menos em discurso, e o Ministério da Saúde
tirou o pé do acelerador da política de promoção de medicamentos ineficazes
contra a Covid-19.
Croda, porém, não crê que a mudança
de mentalidade necessária para frear a pandemia esteja em curso, mesmo com a
entrada do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
— Isso ainda não se traduziu numa
recomendação ampla para as mediads de distanciamento social e numa campanha de
comunicação mais ampla para adoção dessas medidas — diz o infectologista.
COMUNICAÇÃO
Para Croda, a política de comunicação
para Covid-19 foi uma das mais nocivas para o trabalho de combate à doença,
porque sabotou tentativas de educar a população para o comportamento correto
contra o vírus, incluindo o uso de máscara.
— Isso foi feito principalmente por meio de fake
news nas redes sociais, com mensagens de desrecomendação das medidas apoiadas
pela evidência científica e pela OMS. — afirma Croda, que vê nessa estratégia
uma brecha para o governo tentar se eximir do erro. — Isso foi orquestrado por
apoiadores do presidente. Em vez de campanha para informar, existia uma
campanha para desinformar.
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