O GLOBO - Bruno Góes
Plenário da Câmara
dos Deputados nesta quarta, 24 de fevereiro de 2021 (Maryanna Oliveira/Câmara
dos Deputados)
BRASÍLIA — Em uma ação relâmpago que
durou cerca de 24 horas, a Câmara dos Deputados deu na noite desta quarta-feira
o primeiro passo para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
aumenta a imunidade dos parlamentares, dificultando prisões e relaxando regras
da Lei da Ficha Limpa. O teor do texto e a rapidez com que foi elaborado
geraram reações dentro e fora do parlamento.
Por 304 votos, com 154 contrários, o
plenário da Câmara aprovou a constitucionalidade da proposta assinada
majoritariamente por deputados do Centrão e aliados do presidente Jair
Bolsonaro, sob articulação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Nos corredores do Supremo Tribunal
Federal (STF), a PEC da Imunidade, como vem sendo chamada na Câmara, foi
apelidada de PEC da “Impunidade”, sendo apontada como motivo para um possível
estremecimento na relação da Corte com o Congresso.
Na própria Câmara, parlamentares
atacaram a iniciativa, que surgiu na esteira da prisão do deputado bolsonarista
Daniel Silveira (PSL-RJ), detido desde a semana passada por ordem do STF, após
atacar ministros da Corte e incitar a violência contra eles em vídeo publicado
nas redes sociais.
Se a PEC já estivesse em vigor,
Silveira não poderia ter sido preso em flagrante, assim como a deputada
Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido, não teria sido afastada
do mandato por determinação da Justiça do Rio. Outras mudanças na proposta
determinam que buscas e apreensões contra parlamentares em suas residências ou
nas dependências do Congresso só são válidas se referendadas pelo plenário do
Supremo.
Lira defende
O presidente da Casa, deputado Arthur
Lira (PP-AL), que deu aval para o grupo que redigiu a PEC, saiu em defesa do
texto. Ele disse que “não é a PEC da impunidade”. Pouco antes de o plenário
iniciar sessão sobre o assunto, Lira reagiu às críticas de que o texto seria
elaborado para evitar qualquer punição a deputados e senadores.
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Ele também recorreu ao Twitter. “Não
sou a favor nem contra qualquer solução legislativa específica sobre a proteção
do mandato, que não protege o parlamentar, mas a Democracia. Sou a favor, sim,
que o Congresso faça sua autocrítica e defina um roteiro claro e preciso para o
atual vácuo legal para lidar com situações desse tipo”, escreveu.
Durante a sessão, que começou a
analisar a admissibilidade da PEC, ou seja, se ela cumpre os requisitos de
constitucionalidade para poder ser apreciada no mérito, o líder do Cidadania,
Alex Manente (SP), criticou a forma apressada como o texto estava sendo
deliberado:
— Não podemos fazer isso como se
fosse um pastel numa feira, da maneira como estamos fazendo. Podemos
transformar essa limitação numa impunidade. Esse é o risco que pode se correr
se não debatermos uma mudança constitucional.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC)
também criticou a redação do texto:
— Uma PEC às vezes demora anos para
ser votada. Essa PEC serve para a blindagem, turbinar o foro privilegiado,
autobenefício, não tem nem relatório pronto. Coletou em tempo recorde as
assinaturas. E ontem o texto ficou pronto.
Um ministro do Supremo consultado
pelo GLOBO avaliou que o Congresso tinha sido respeitoso com o tribunal ao
confirmar a prisão de Silveira. Mas, ao analisar a PEC, considera que a Câmara
estaria cometendo uma espécie de afronta. Integrantes da Corte veem a proposta
como uma resposta casuística para o caso Daniel Silveira que pode, inclusive,
azedar as relações entre Congresso e Supremo.
O presidente da Associação dos Juízes
Federais do Brasil (Ajufe), juiz Eduardo André Brandão, afirmou que o Congresso
tem competência para discutir esse assunto, mas também manifestou a opinião de
que a forma apressada passa a impressão de ser uma retaliação à prisão de
Silveira:
— Uma PEC dessas, de uma forma tão
rápida, nesse momento acaba parecendo uma retaliação à decisão do STF.
O ex-juiz Márlon Reis, considerado o
idealizador da Lei da Ficha Limpa, apontou preocupação com as modificações
propostas pela PEC. Na prática, a proposta afrouxa a regra para ser considerado
inelegível, ao estabelecer que isso só ocorre após condenação “em duplo grau de
jurisdição”, enquanto a lei atual fala em “colegiado” apenas.
“A PEC proposta traz como uma das
consequências uma grave adulteração da Lei da Ficha Limpa. Titulares de
mandatos ficarão praticamente imunes a essa grande conquista popular”, afirmou
o ex-juiz em nota.
A PEC recebeu a assinatura de 186 deputados. Entre
eles há integrantes do Centrão, como o líder do governo, Ricardo Barros
(PP-PR). Apoiaram também líderes de partidos: Rodrigo de Castro (PSDB-MG),
Efraim Filho (DEM-PB) e Isnaldo Bulhões (MDB-AL). Bolsonaristas como Carla
Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e o próprio Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
também aderiram. Em menor número, parlamentares de PDT e PSB, siglas da
oposição, também assinaram.
EM TEMPO: É imperioso que se melhore a qualidade do voto. Comece por sua cidade. Nos limites da sociedade burguesa não há solução para a humanidade.
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