Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília
qui., 12 de novembro de 2020
Nesta semana,
postura de Bolsonaro foi de radicalização diante de novos desafios
O
presidente Jair Bolsonaro voltou a elevar o tom de suas declarações
nesta semana, o que alguns críticos veem como uma tentativa de desviar o foco
de uma série de notícias recentes negativas para o seu governo, como a denúncia
criminal apresentada contra seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, e a derrota eleitoral de sua principal
referência externa, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Bolsonaro, que
até o momento não congratulou o democrata Joe Biden pela vitória sob Trump, aproveitou
um discurso na terça-feira (10/11), em cerimônia sobre o setor de turismo, para
polemizar com o futuro presidente americano, afirmando que o Brasil precisaria
de "pólvora" para fazer frente à ameaça de retaliação comercial —
durante a campanha, Biden disse que isso poderia ser feito caso o desmatamento
não pare na Amazônia.
No mesmo
evento, Bolsonaro defendeu que o Brasil
"tem que deixar de ser um país de maricas" e "enfrentar de peito
aberto" a pandemia de coronavírus. Mais cedo, ele comemorou a
suspensão (já revertida) dos testes da CoronaVac, vacina contra coronavírus
desenvolvida pelo Instituto Butantan que pode render dividendos políticos a um
de seus principais adversários, o governador de São Paulo, João Doria.
Para completar a
"tempestade perfeita" que ganha forma contra o presidente, candidatos
apoiados por ele nas maiores capitais do país devem ir mal na eleição municipal
de domingo, segundo apontam as pesquisas eleitorais.
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Além disso,
Bolsonaro ainda não conseguiu viabilizar a criação de um novo programa de
transferência de renda mais robusto que o Bolsa Família para ser implementado
após o fim do auxílio emergencial (hoje em R$ 300) em janeiro. Sem isso, corre
o risco de perder a popularidade conquistada esse ano. A lista de problemas
ainda inclui um apagão grave no Amapá e queixas do ministro da Economia, Paulo
Guedes, com o aumento da dívida pública e a falta de privatizações.
"O ambiente
político, tanto internacional quando doméstico, é bastante desafiador para
Bolsonaro. E talvez o que retrate ainda mais essa percepção de insegurança do
presidente é que esse movimento (de nova radicalização do discurso) ocorre a
despeito de um capital político razoavelmente elevado", nota o cientista
político da Consultoria Tendências Rafael Cortez, lembrando que Bolsonaro teve
ganho de popularidade neste ano e conseguiu reduzir as ameaças de impeachment
fazendo uma aliança com partidos do chamado Centrão.
Para Claudio
Couto, cientista político e professor da FGV, são justamente esses fatores que
encorajam o presidente a subir o tom nas polêmicas.
"Jair
Bolsonaro em dias plenos como Jair Bolsonaro. O alívio sentido com o bafejo de
popularidade e o respaldo do Centrão o levaram novamente para sua zona de
conforto, quando não se contém pelo medo da Justiça ou do impeachment",
escreveu, nesta quarta (11/10) em sua conta no Twitter.
Entenda melhor a
seguir as "nuvens" que pairam sobre o governo Bolsonaro e podem
explicar sua postura de ataque.
Denúncia criminal
contra Flávio Bolsonaro
Um das maiores
fontes de dor de cabeça para o presidente são as acusações contra Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ), que mancham seu discurso anticorrupção e podem
levar seu filho à cadeia.
Após dois anos
investigando um possível esquema de desvio de recursos do antigo gabinete de
deputado estadual de Flávio, o Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou
uma denúncia contra o hoje senador no
final de outubro, informação que só se tornou pública em 3 de novembro
e acabou ofuscada pela eleição presidencial dos Estados Unidos.
Na denúncia,
Flávio é acusado de ter cometido os delitos de organização criminosa, peculato,
lavagem de dinheiro e apropriação indébita, ao longo de uma década, durante o
mandato dele na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj).
A Promotoria
também denunciou o então assessor de Flávio e amigo pessoal de Jair Bolsonaro,
Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas sob acusação dos mesmos crimes. Os nomes
não foram divulgados oficialmente porque o caso tramita sob sigilo.
Segundo os
investigadores, Queiroz operou de 2007 a 2018 um esquema criminoso milionário
no qual outros funcionários do gabinete devolviam parte do salário, tendo o
filho do presidente como principal beneficiário. A acusação diz que os recursos
eram usados para pagar em dinheiro vivo contas pessoais do então deputado, como
mensalidade da escola de suas duas filhas, ou era lavado na compra de imóveis e
na loja de chocolates que o senador possui em um shopping no Rio de Janeiro.
Ao menos um dos
denunciados confessou os crimes, segundo reportagem do jornal O Globo: Luiza
Sousa Paes disse aos investigadores que devolveu a Queiroz a maior parte do
salário recebido por cargos que ocupou como funcionária fantasma (sem trabalhar
de fato) no gabinete de Flávio e em outros setores na Alerj.
Agora cabe ao
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) aceitar ou não a denúncia.
Em caso positivo, os acusados se tornam réus e o processo judicial tem início.
O desembargador Milton Fernandes de Souza foi sorteado relator do caso — apenas
quando ele concluir sua análise da denúncia e produzir seu voto o caso poderá
ser pautado para julgamento. Não há previsão para nenhum desses próximos passos
processuais.
Flávio Bolsonaro
afirmou diversas vezes, desde que as suspeitas vieram à tona, que não cometeu
nenhum crime. Segundo ele, há uma perseguição política em curso por meio de uma
investigação ilegal que visa desestabilizar o governo de seu pai. Queiroz
também nega qualquer irregularidade. Ele diz que os recursos coletados dos
funcionários eram usados para subcontratar outros assessores para o gabinete
informalmente.
O caso pode
respingar na primeira-dama, Michele Bolsonaro, já que a investigação também
revelou que Queiroz depositou em sua conta cheques que somam R$ 89 mil — o
presidente e sua mulher até hoje não deram esclarecimentos sobre o fato.
Derrota de Trump
Outro revés
importante sofrido por Bolsonaro nos últimos dias foi a tentativa frustrada de
reeleição do presidente americano, Donald Trump. Ele foi derrotado na semana passada pelo
democrata Joe Biden.
Embora Trump não
tenha ainda reconhecido o resultado, dizendo que houve fraude eleitoral mesmo
sem apresentar provas, a eleição de Biden já foi celebrada por importantes
líderes mundiais, como o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, e a
chanceler da Alemanha, Angela Merkel.
O presidente
brasileiro é um dos poucos líderes que ainda não congratulou o democrata, ao
lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin, e do presidente chinês Xi
Jinping.
Na terça-feira,
Bolsonaro inclusive se referiu a Biden como candidato, ao proferir a polêmica
declaração belicista: "Assistimos há pouco um grande candidato a chefe de
Estado dizer que se eu não apagar o fogo na Amazônia levanta barreiras
comerciais contra o Brasil. Como é que nós podemos fazer frente a tudo isso?
Apenas na diplomacia não dá. Porque quando acaba a saliva, tem que ter pólvora,
se não, não funciona. Precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem. Esse
é o mundo" declarou o presidente durante uma cerimônia no Palácio do
Planalto.
Em seus dois
anos de governo, Bolsonaro adotou como principal pilar da sua política externa
o forte alinhamento com Trump. Para analistas ouvidos pela BBC News
Brasil, a derrota da principal referência internacional do
presidente deve exigir uma "reinvenção" de sua política externa, que
abandonou a tradição de atuação multilateral da diplomacia brasileira.
Além disso,
esses analistas consideram que a vitória de um moderado nos Estados Unidos é um
sinal negativo para o plano de reeleição de Bolsonaro, que, assim como Trump,
tem um discurso político agressivo e fortemente conservador.
No caso do
americano, esse estilo acabou afastando parte do eleitorado que o elegeu em
2016, em especial mulheres. Também pesou para sua derrota a resposta do seu
governo à pandemia do coronavírus. Trump optou por minimizar a gravidade da
crise e promover medidas sem base científica, como o uso da cloroquina para
tratar covid-19 — estratégia replicada por Bolsonaro.
Para Rafael
Cortez, da Consultoria Tendências, a fala de Bolsonaro enfrentando Biden é um
aceno do presidente à base bolsonarista mais fiel.
"Depois da
aliança com os partidos do Centrão, a política externa era um dos poucos
elementos que ainda evitavam a percepção de estelionato eleitoral (quando o
eleito não segue a agenda de campanha). E essa bandeira agora está em xeque com
a mudança política nos Estados Unidos, pois uma parte do discurso que define o
bolsonarismo se perde", analisa.
Pandemia e vacina
contra coronavírus
Outro foco
constante de preocupação é a pandemia de coronavírus, que já matou mais de 160
mil brasileiros e segue impactando também a economia.
Apesar disso,
enquanto boa parte do mundo está ansiosa pelo desenvolvimento de uma vacina, o
presidente Bolsonaro tem feito declarações desqualificando um dos estudos em
andamento, liderado no Brasil pelo Instituto Butatan, órgão do Estado de São
Paulo que é referência em imunização no país, em parceria com a empresa chinesa
Sinovac.
Por trás dessa
postura, parece estar a rivalidade política do presidente com o governador de
São Paulo, João Doria, que pretende enfrentar Bolsonaro na eleição presidencial
de 2022.
Bolsonaro chegou
até a celebrar decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de
interromper por quase dois dias os testes da CoronaVac, após a morte de um dos
voluntários — a suspensão foi revertida após ser esclarecido que o falecimento
não teve relação com a vacina. Diversos veículos de imprensa confirmaram, com
base no laudo do Instituto Médico Legal de São Paulo e no boletim de ocorrência
do caso, que a morte do voluntário ocorreu por
suicídio, em 29 de outubro.
"Morte,
invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os
paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser
obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", escreveu o presidente na
manhã de terça ao responder um usuário do Facebook, que perguntou se o Brasil
compraria a CoronaVac.
Caso a CoronaVac
seja aprovada nos testes e pela Anvisa, o governo paulista espera iniciar a
vacinação no início do próximo ano, o que renderia dividendos políticos para
Doria. O Estado de São Paulo já encomendou 46 milhões de doses e a previsão é
que a primeira leva, de 6 milhões, seja armazenada até o fim do ano.
O governo
federal, por sua vez, firmou parceria com a universidade britânica Oxford, que
desenvolve outra vacina com o grupo farmacêutico AstraZeneca. Governadores de
outros Estados brasileiros, porém, pressionam a gestão Bolsonaro a adquirir
lotes da CoronaVac para distribuição pelo país, caso ela se mostre eficiente
nos testes.
Bolsonaro chegou
até a celebrar decisão da Anvisa de interromper por quase dois dias os testes
da CoronaVac
Fim do auxílio
emergencial e desafios econômicos
Outro desafio
enfrentado pelo presidente é como não perder o ganho de popularidade que
conquistou após o Congresso aprovar a criação do auxílio emergencial de R$ 600,
destinado a proteger brasileiros mais pobres durante a pandemia.
Sem orçamento
para manter o benefício indefinidamente, o governo já reduziu seu valor para R$
300 a partir de setembro. No entanto, ainda não conseguiu viabilizar a criação
de um novo programa social a ser implementado com o fim do auxílio emergencial
em dezembro. A ideia é que esse novo benefício, o Renda Cidadã, ficaria abaixo
de R$ 300, mas acima do valor médio do Bolsa Família (cerca de R$ 189), que
também seria extinto.
Bolsonaro não
aceitou as proposta do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que sugeriu levantar
recursos para o novo programa extinguindo ou reduzindo também outros
benefícios, como o abono salarial (até um salário mínimo pago a trabalhadores
de baixa renda com carteira assinada) e o seguro desemprego.
Por outro lado,
o presidente também foi convencido por Guedes a não "furar" o teto de
gastos, ou seja, tentar excluir o aumento de despesas do novo programa da regra
constitucional que limita o aumento de despesas.
"O auxílio
emergencial foi criado num ambiente de excepcionalidade fiscal em 2020, marcado
pelo decreto de calamidade pública e o Orçamento de Guerra. A transferência
desse ativo para o restante do mandato passa por escolhas políticas que o
presidente reluta em fazer. Ele não defende alguma alteração no teto, mas ao
mesmo tempo não faz a escolha (de cortar outros gastos) para liberar o
Orçamento", ressalta Cortez.
"Essa
paralisia de decisória contribui bastante para um cenário de perda de confiança
dos agentes econômicos que nesse momento só não é mais sentida porque nesse
momento a economia brasileira está abastecida com uma série de estímulos
adotados por causa da pandemia", acrescenta.
No campo
econômico, ainda pesa contra o governo Bolsonaro a dificuldade em entregar
promessas de campanha, como as privatizações e a redução da dívida pública.
Na terça-feira,
em discurso em um evento sobre desestatização, Guedes reclamou da falta de
apoio no Congresso para vender estatais e disse que o Brasil poderia "ir
para uma hiperinflação muito rápido" se não rolar a dívida
satisfatoriamente, ou seja, se não conseguir substituir dívidas antigas
próximas ao vencimento por novos empréstimos.
O presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, reagiu às falas de Bolsonaro e Guedes com um post no
Twitter: "Entre pólvora, maricas e o risco à hiperinflação, temos mais de
160 mil mortos no país, uma economia frágil e um estado às escuras. Em nome da
Câmara dos Deputados, reafirmo o nosso compromisso com a vacina, a
independência dos órgãos reguladores e com a responsabilidade fiscal",
escreveu na terça-feira.
Apagão no Amapá
Bolsonaro tem
sido alvo de cobranças nas redes sociais por causa da lentidão para restaurar a
energia no Estado do Amapá, depois que um incêndio em uma subestação na capital
deixou 13 das 16 cidades do Estado em apagão a partir de terça-feira (03/11).
A falta de luz
atingiu até hospitais, em meio a crise do coronavírus, e levou caos ao
cotidiano da população, com comida estragando na geladeira, falta de água nas
torneiras e filas quilométricas para sacar dinheiro vivo e abastecer o carro.
Após nove dias
do incidente, o Ministério de Minas e Energia informou na quarta (11/11) que
entrou em operação uma unidade geradora na Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes,
elevando o fornecimento de energia para 80% do Amapá. O abastecimento, porém,
está ocorrendo em esquema de rodízio e com falhas, segundo reportagem do portal
G1.
Eleição municipal
Apoiado por
Bolsonaro, o candidato à Prefeitura de São Paulo Celso Russomano teve queda
acentuada na intenção de voto
A eleição
municipal, marcada para este domingo, promete ser um teste para o capital
político de Bolsonaro. Por enquanto, as pesquisas indicam que candidatos
apoiados pelo presidente nas principais cidades do país não estão indo bem nas
pesquisas.
Em São Paulo, o
candidato do Republicanos, Celso Russomano, teve queda acentuada na intenção de
voto desde que Bolsonaro o apoiou e agora corre o risco de não ir para o
segundo turno.
Segundo a
pesquisa Ibope divulgada na terça (10/11), ele tem 12% de intenção de voto e
aparece tecnicamente empatado com Guilherme Boulos (PSOL), que tem 13%. Já o
atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que disputa a reeleição, abriu
vantagem e soma 32%.
No Rio de
Janeiro, reduto político de Bolsonaro, seu candidato, o atual prefeito, Marcelo
Crivella (Republicanos), também não está garantido no segundo turno. Ele tem
15%, na última pesquisa Ibope, em empate técnico com Martha Rocha (PDT), que
aparece com 14%. Na liderança, está o ex-prefeito da cidade Eduardo Paes (DEM),
com 33%.
A disputa também
é liderada por nomes de oposição a Bolsonaro ou distantes do presidente em
outras grandes capitais, segundo o Ibope. É o caso de Porto Alegre (Manuela, do
PCdoB, com 27%), Belo Horizonte (Alexandre Kalil, do PSD, com 62%), Salvador
(Bruno Reis, do DEM, com 61%) e Recife (João Campos, do PSB, com 33%).
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