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Gilberto Câmara diz enxergar risco real de
interrupção da divulgação pública dos índices de desmatamento e queimada na
Amazônia Legal
Responsável há 30
anos pelo sistema de monitoramento via satélite da Amazônia, o Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) voltou a ser atacado pelo
governo do presidente Jair Bolsonaro.
Após a alta recorde na 1ª quinzena de setembro das queimadas na maior floresta tropical e na maior área inundável do mundo, o Pantanal, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que os dados não seriam reais e que “alguém no Inpe é contra o governo”. Para Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e candidato ao cargo novamente, os ataques demonstram o desespero do governo frente à repercussão internacional e sua incapacidade de resolver o problema.
Em entrevista à DW
Brasil, Câmara diz enxergar 1 risco real de interrupção da divulgação
pública dos índices de desmatamento e queimada.
Deutsche Welle: Diante da
alta das queimadas na Amazônia e em outros biomas, o vice-presidente Hamilton
Mourão voltou a atacar os dados produzidos via observação de satélites pelo
Inpe e afirmou que “alguém no Inpe é contra o governo”. Como você,
ex-diretor da instituição e candidato que concorre ao posto neste momento, olha
para essas críticas? Elas têm algum fundamento?
Gilberto
Câmara: É uma continuação do que já vem acontecendo desde que Jair
Bolsonaro atacou Ricardo Galvão (ex-diretor do Inpe, exonerado em agosto de
2019 por rebater os ataques de Bolsonaro sobre taxas de desmatamento na
Amazônia).
O Inpe está
reproduzindo uma realidade, o Inpe não está fazendo política. E o Inpe mostrou
que as queimadas aumentaram muito na Amazônia, apesar da promessa de que o
governo agiria. Mas o governo não está agindo, de jeito nenhum. Está
acontecendo uma situação em que o governo, na falta de qualquer alternativa,
vai atrás de inimigos.
A lógica é: se você
não está fazendo nada, tem que arrumar alguma coisa para fazer para justificar
a sua falta de ação. Foi exatamente o que aconteceu no ano passado, a repetição
dessa ideia de que tem um monte de inimigos no Inpe e que estão trabalhando
contra o governo e que, portanto, os dados são ruins porque é o Inpe que
produz. Eles não aceitam a realidade de que tudo esteja queimando.
É uma mentira total
e deslavada. É uma tentativa meio desesperada, uma tentativa de desviar o foco
sobre a própria incompetência do governo de agir. De certa forma é simples de
entender, embora seja duro de aguentar.
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Deutsche Welle: Você vê riscos reais ao trabalho
feito pelo Inpe e ao futuro das pesquisas desenvolvidas no instituto e a
divulgação ampla e pública dos dados?
Vejo, claro.
Se você admite que o Inpe é uma instituição científica séria, você não pode
questionar os dados. O desespero é tal que seria preciso fechar o Inpe, fechar
os dados, censurá-los, parar de produzi-los para que não tivéssemos mais os
dados da Amazônia. Assim, eles (o governo Bolsonaro) poderiam produzir os
próprios dados dizendo mentiras.
É um cenário real.
Ele depende, evidentemente, da reação da população. Pelo Mourão, ele já teria
feito isso. Mas não fez ainda porque as pessoas, a imprensa, estão preocupadas.
Mas, se deixarem, Mourão faz isso.
Eu vejo riscos
concretos. Porque ele está desesperado. Quem está desesperado toma decisões
desesperadas.
Deutsche Welle: Recentemente, o Ministério da Defesa
manifestou o interesse na compra de 1 novo satélite para produzir dados sobre
desmatamento da Amazônia, o que o Inpe faz há 30 anos. Essa decisão teria a ver
com esse cenário que citou?
São coisas
diferentes. Isso seria 1 gasto de dinheiro que não vai para lugar algum. É
preciso distinguir entre o satélite e a interpretação do satélite. O ministério
queria contratar 1 satélite que não vai servir para nada, porque não
tem condição de medir o desmatamento da Amazônia. É 1 satélite feito para monitorar
gelo, no Ártico. Um satélite finlandês, muito bom para gelo, muito ruim para
floresta.
Mas isso, de novo,
é aquela manobra de fake news. Eu forço uma mentira, ou uma não verdade, para
desviar a atenção da realidade. Eles dizem que o que falta é satélite, o que
falta é dado, mas o que falta é a fiscalização. Os dados estão aí. O Brasil já
reduziu desmatamento em 80% com os mesmos dados do Inpe.
Deutsche Welle: Quais seriam as consequências para o
Brasil se, de fato, o governo deixasse de publicar os dados sobre desmatamento
e queimada de forma aberta?
Seriam terríveis.
Acaba de sair uma carta assinada por embaixadores criticando o Brasil
pelo desmatamento.
Acho que o objetivo
do governo é criar condições para fechar o Inpe, no sentido de que o instituto
deixe de produzir dados, tirar essa função dele. O desespero está muito grande.
Nós iremos viver momentos difíceis. Dependemos muito da reação da sociedade.
Ano passado foi o Galvão, agora vemos isso de novo.
Consequências
óbvias são que o Brasil vai aumentar sua posição de pária. E isso não vai
facilitar em nada qualquer acordo comercial. Vários setores exportadores da
economia dependem do fato de o governo conseguir baixar o desmatamento.
Ações no sentido de
prejudicar o Inpe atingem, de fato, muito o instituto, mas prejudicam muito
mais o Brasil. Só que esse governo está achando que consegue que a sociedade
engula isso. Então haverá muita briga na sociedade.
Deutsche Welle: Como está o processo para a escolha
do novo diretor do Inpe, cargo que você já ocupou e ao qual concorre novamente?
Eu não sei o que
vai acontecer. Vamos ter que esperar.
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