Por que os comunistas não comemoram falsas vitórias?
Gabriel Lazzari –
militante do PCB em São Paulo
Na semana passada, o mundo todo assistiu à prisão do articulador internacional de mídia da extrema-direita, Steve Bannon. Bannon foi preso nos EUA, acusado de fraudar dinheiro de uma campanha de arrecadação de fundos para o muro prometido por Trump na fronteira com o México.
Essa operação, que terminou com Bannon
respondendo o processo em liberdade depois de ter pago 5 milhões de dólares de
fiança, ainda colocou restrições a sua mobilidade. Bannon, que já sofreu várias
denúncias de uso espúrio de ferramentas digitais para beneficiar a
extrema-direita em nível internacional, é um dos impulsionadores da Cambridge
Analytica, responsável por dar consultoria eleitoral para Trump, Bolsonaro e
outros representantes burgueses.
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O espaço conquistado
por Bannon não veio à toa. A crise sistêmica do capitalismo, que estoura com a
crise imobiliária nos EUA em 2008/2009, teve como principal consequência
econômica uma queda vertiginosa das taxas de lucro. A mobilização da burguesia,
em nível internacional, buscou criar a ofensiva neoliberal que hoje já é
consenso entre a maior parte dos países capitalistas – uma ofensiva que busca
no ataque aos direitos sociais e trabalhistas e na privatização irrestrita de
todo tipo de empresa estatal uma capacidade de retomada dessa taxa de lucro por
meio do aumento da exploração dos trabalhadores e da captação de empresas
públicas imensas para a iniciativa privada, expandindo o mercado para setores
em que ainda não havia posto as mãos.
Para operacionalizar isso nos diversos países, contudo, era necessária uma solução de força. Assim, abandonando rapidamente as figuras de destaque da direita clássica neoliberal, que cresceram em popularidade nos anos 1990 e 2000, a burguesia em nível global começa a apostar suas fichas nas expressões da extrema-direita – e é exatamente aí que Bannon e seu aparato midiático entram em cena. As operações comunicativas – a agitação e a propaganda da extrema-direita – começaram a elevar seu tom, abandonando os “consensos civilizados” neoliberais em torno do tripé macroeconômico, por exemplo, para um avanço sobre os direitos políticos e democráticos.
Assim, a eleição de Bolsonaro, de Trump, as declarações da União Europeia de equiparação do nazismo e do comunismo, a proibição da disputa eleitoral dos comunistas na Sérvia, o golpe na Bolívia – todos esses acontecimentos têm origens e ligações comuns. Então o que explica essa prisão de Banon? O que explica um apoio grande de diversas figuras públicas, de artistas a intelectuais, ao candidato Democrata Joe Biden? O que explica o afastamento parcial de Rodrigo Maia do governo Bolsonaro e as críticas da Rede Globo ao presidente da república?
É preciso frieza para
compreender esses fenômenos. E uma compreensão científica deles precisa levar
em conta o caráter dos Estados capitalistas e os interesses objetivos da
burguesia em primeiro plano, deixando para segundo plano as manobras palacianas
e os interesses subjetivos de setores da burguesia.
Uma das principais
problemáticas do “giro” da burguesia imperialista de seus confortáveis
escritórios neoliberais para os delicados palanques fascistoides é a
instabilidade política. O caráter abertamente anticientífico e
anticivilizatório das diversas expressões da extrema-direita, suas palhaçadas
caricaturescas e sua incapacidade de gestão eficiente impede a criação de novos
consensos sociais de ampla maioria – em suma, impedem a necessária bonança que
sucede à tempestade. A solução de força foi posta em prática, teve seus
resultados – agora é hora de colocar de novo a casa em ordem, na ordem
capitalista neoliberal que colherá os frutos dos desmandos autoritários dos
representantes da extrema-direita.
É apenas isso que
explica a movimentação da prisão de Steve Bannon e os outros fenômenos
mencionados. Se um tribunal popular, organizado a partir dos movimentos sociais
e de trabalhadores, em uma experiência como a recente “Comuna” de Seattle nos
EUA, fossem os responsáveis pela prisão e justiçamento de Bannon, poderíamos
dizer o contrário, poderíamos dizer que de fato a extrema-direita está sendo
derrotada pela força dos trabalhadores e um processo de ascenso da luta de
classes está em curso. Mas a Justiça norte-americana não é um instrumento de
luta dos trabalhadores. É um aparato do Estado burguês norte-americano e,
assim, trabalha em prol dos interesses objetivos da burguesia norte-americana –
que já se cansou do pouco grau de consenso que o governo Trump está gerando e
portanto começa sua “queima de arquivo” para preparar a entrada do Democrata e
imperialista Joe Biden.
A vitória aqui não é
nossa – é deles. Conseguiram impor uma dinâmica global de ofensiva neoliberal,
com ramificações em todos os continentes, e depois conseguiram retomar os
governos de consenso neoliberal sem uma mácula sobre as figuras clássicas da
direita.
A mesma coisa está em
curso no Brasil. Movimentações do STF contra as chamadas “fake news” (e me
pergunto quais “news” da burguesia não seriam “fake”…) revelam uma necessidade
de recomposição do bloco burguês, e não uma vitória dos trabalhadores.
Considerando ainda a proeminência que teve o Poder Judiciário na América Latina
nas manobras dessa mesma extrema-direita, ter qualquer ilusão nesse poder
(aliás, o único que não é eleito por voto popular) é comemorar uma vitória do
lado de lá, dos mesmos representantes dos monopólios que elegeram Bolsonaro e
agora querem retornar à solução de consenso, e não dos trabalhadores.
É por isso que os
comunistas nunca devem comemorar falsas vitórias. Como foi no caso de Abraham
Weintraub e seu desligamento do Ministério da Educação, as manobras palacianas
que ocorrem (e continuam ocorrendo, e continuarão ocorrendo enquanto a
burguesia detiver o poder) não interessam aos trabalhadores senão para
desmascarar o quanto estão unidos e desunidos ao mesmo tempo, como se articulam
para atacar os trabalhadores, mas logo se atacam – bem na lógica da
concorrência empresarial da qual são fruto.
Do nosso lado, o trabalho é diverso. Devemos seguir denunciando todas as manobras da burguesia, venham de quem vierem, assim como suas movimentações pretensamente “neutras” por meio do Estado burguês. Aos trabalhadores não interessa saber que Carminha ou que Nina estão por cima na disputa da burguesia – nos interessa a organização independente para as lutas contra os diversos representantes da burguesia, que vão sofrendo metamorfoses conforme as exigências de suas táticas e estratégias.
Esse caminho independente não é fácil, mas caminha em sua
construção: ele se apresenta em cada brigada de solidariedade contra a
pandemia, em cada sindicato que se une ao Fórum Sindical, Popular e de
Juventude pelos Direitos Sociais e Liberdades Democráticas, em cada plenária de
estudantes que estão organizando sua luta contra o Ensino Remoto. São essas
diversas experiências os embriões do Poder Popular.
Precisamos acumular
forças e colher vitórias nessa luta defensiva para, o mais cedo possível,
passar à ofensiva contra a burguesia, com a realização de um Encontro Nacional
da Classe Trabalhadora. Comemorar o rearranjo das forças capitalistas e as
manobras bem sucedidas deles não contribui para isso.
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