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DW - Philipp Lichterbeck
Nem a infecção pelo novo coronavírus muda Bolsonaro. Ele a usa para fazer um pequeno show. Só lhe interessa mostrar que sempre teve razão sobre a covid-19.
Era o Jair
Bolsonaro que todos conhecem: nada de humildade. Em vez disso, ostensivamente
bem-disposto, ele anunciou para representantes da mídia previamente escolhidos
que havia testado positivo para covid-19.
A pergunta central
não foi feita por eles: como assim ele próprio anuncia isso, distante apenas
alguns palmos dos jornalistas, com os microfones embaixo do seu nariz?
Bolsonaro, como
"atleta", pode até não se sentir doente, mas ele, contaminado, é um
risco para a saúde de outras pessoas. Mas nem os jornalistas nem Bolsonaro
deram importância para isso, o que diz muito sobre o estágio de normalidade da
doença no Brasil. E assim Bolsonaro transformou o anúncio de que está com covid-19
num show.
Ainda mais
assustador: o presidente disse acreditar que já esteve contaminado bem antes,
sem tê-lo percebido. Aqui a pergunta salta aos olhos: se é assim, por que desde
o início da pandemia ele se encontra com pessoas nas ruas e em manifestações?
Por que ele se reuniu com membros do governo e ministros? Por que foi festejar
na embaixada dos EUA? E sempre sem máscara?
A resposta a essas
perguntas só pode ser que o Brasil é governado por um homem cuja
irresponsabilidade tem traços criminosos. A vida dos outros não lhe interessa,
pois Bolsonaro só pensa em Bolsonaro. E não vai ser a contaminação pelo novo
coronavírus que vai mudar isso – o que, em outras pessoas, teria despertado
algo como empatia pelo sofrimento de outros doentes. Mas, para Bolsonaro,
enquanto ele estiver se sentindo bem, isso é a prova de que a covid-19 não é
perigosa e de que tudo está bem.
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É verdade que a
covid-19 não é o fim do mundo. Mas a doença teve e têm graves consequências
para muitas pessoas e suas famílias. É fatal que o presidente esteja de novo
passando a impressão de que se trata apenas de uma gripezinha, que pode ser
curada rapidamente e sem efeitos colaterais, simplesmente tomando
hidroxicloroquina (o que é desaconselhado por agências de saúde no mundo inteiro).
Pois o
comportamento de Bolsonaro é imitado. Assim como, a partir dele, uma
agressividade monstruosa penetrou no debate público brasileiro – palavrões e
ameaças viraram algo normal –, é possível acompanhar como os apoiadores de
Bolsonaro imitam seu "mito" no cotidiano e ignoram as recomendações
das autoridades de saúde ou até mesmo as descumprem com um orgulho idiota. Se
apenas a saúde deles estivesse em jogo, tanto faz. Mas se trata também da vida
dos outros.
Há regras sociais
que todos respeitam. Por exemplo parar no sinal vermelho. Quem não faz isso
corre o risco de ser multado. O mesmo deveria valer para as regras durante uma
pandemia, por exemplo, que todos acatem o comprovadamente sensato uso de
máscaras. Mas não é assim que funciona no Brasil, pois cada cidadão cria suas
próprias regras e faz o que acha que é certo. E assim age também o presidente,
que nem infectado consegue entender a gravidade da situação.
Bolsonaro é um
cidadão, mas é também o chefe de Estado, então é necessário avaliá-lo por outras
medidas. Portanto, é errado apenas compadecer-se dele e lhe desejar boa
recuperação. A extrema direita brasileira está explodindo de raiva e indignação
por causa de um texto de Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo, no
qual ele deseja a morte de Bolsonaro para salvar a vida de mais brasileiros.
Mas foi o
bolsonarismo que tornou essa retórica normal no Brasil. Na Alemanha há um
ditado muito apropriado: So wie man in den Wald hineinruft, so schallt
es wieder hinaus ("O grito que se lança na floresta ecoa de novo
para fora", com o sentido de "O que se deseja aos outros retorna para
nós mesmos").
Por isso, é hora de
relembrar algumas frases de Bolsonaro. Em 2015, por exemplo, sobre Dilma
Rousseff: "Espero que o mandato dela acabe hoje, infartada ou com câncer,
ou de qualquer maneira."
Ou desejando uma
guerra civil com as palavras "matando uns 30 mil, começando com o FHC, não
deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo
quanto é guerra morre inocente."
Na campanha de
2018, Bolsonaro gritou histericamente: "Vamos fuzilar a petralhada."
Salta aos olhos a
quantas pessoas ele desejou a morte ao longo da sua carreira política. Foi ele
quem tornou normal esse linguajar no Brasil. O famigerado "e daí?!"
quando lhe perguntaram sobre os milhares de brasileiros mortos por covid-19 é
uma consequência disso.
Ao mesmo tempo,
Bolsonaro é hipersensível. Quando fala do atentado a faca, lágrimas lhe vêm aos
olhos. Elas são a expressão de um egocentrismo implacável.
Agora ele faz
propaganda descarada da hidroxicloroquina, que supostamente teria lhe ajudado,
apesar de não haver nenhuma prova de que ela realmente funciona. Sabe-se,
porém, que esse medicamento pode provocar arritmia cardíaca. Se os brasileiros
começarem a imitá-lo, poderia se chamar isso de um atentado à população.
A doença de
Bolsonaro e a sua reação frívola, quase alegre, mostram como a morte se tornou
normal no Brasil – nas estradas, por violência, por doenças.
O presidente não
levou a covid-19 a sério desde o início. Agora ele tenta usar o próprio exemplo
para mostrar que sempre teve razão. O egocentrismo desse homem violento tomou
uma nação inteira como refém.
Philipp Lichterbeck
queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio,
em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais
países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja
frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano.
Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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