sexta-feira, 17 de julho de 2020

Povos indígenas assolados pelo Covid-19



O “novo normal” e a política de Estado genocida
União da Juventude Comunista (UJC) do Pará
O primeiro caso confirmado de contaminação por Covid-19 entre indígenas no Brasil foi de uma jovem de 20 anos do povo Kokama, em 25 de março, no município amazonense Santo Antônio do Içá. O contágio foi possível através de um médico vindo de São Paulo a serviço da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que estava infectado com o vírus. Atualmente o povo Kokama são os mais afetados em casos de morte e contaminação.
Lideranças e organizações indígenas denunciam que a SESAI tem omitido dados de indígenas infectados e mortos, e que o órgão tem servido como transmissor da doença para as aldeias. A principal organização que tem feito essa denúncia é a Articulação dos povos indígenas, (APIB), a organização tem feito sua própria aferição de casos de COVID-19 entre povos indígenas com uma metodologia diferente da SESAI: inclui os indígenas que vivem em contexto urbano, enquanto a SESAI faz q contagem somente dos indígenas em territórios tradicionais. 
O Comitê Nacional pela Vida e Memória dos Povos Indígenas, órgão que realiza a contagem com a APIB, mantém atualizado até o dia 9 de julho deste ano a informação de que 268 indígenas haviam morrido pela Covid-19, enquanto a SESAI comunica 193 óbitos indígenas, uma diferença de 75 óbitos, isso somado a não transparência de dados pela SESAI, segundo APIB. 
Continue lendo
Os cinco principais povos afetados com óbitos pela Covid-19 são: 
-SI (Sem Informação, os óbitos que não puderam ser identificados pela falta de transparência da SESAI são incluídos nessa categoria pela APIB), Kokama, Xavante, Tikuna, Guajajara, com 107, 60, 33, 17 e 16 casos respectivamente; 
-com duas comunidades, Kokama e Tikuna, no Estado do Amazonas que apresenta 170 casos, o maior índice de casos com óbitos de indígenas, seguido pelos estados do Pará e Roraima, cada com 79 e 45 casos respectivamente, coincidindo com o elevado e representativos casos noticiados de invasões a terras indígenas, garimpo ilegal e desmatamento.
Dados resultantes da política em curso direcionada contra a vida e reprodução dos territórios de comunidades tradicionais, dos povos indígenas; expressa no aumento na taxa de desmatamento, intensificada no atual governo – que delimita explicitamente seu caráter genocida quando sanciona e aprova o projeto de lei 1142/20 com 16 vetos; projeto que estruturava ações de enfrentamento à pandemia e apoio entre as comunidades tradicionais, tirando qualquer menor seguridade alimentar e contra violência.
Dentre os trechos vetados estão a obrigatoriedade do governo federal fornecer água potável, materiais de higiene e leitos hospitalares às regiões, maior facilidade para o pagamento do auxílio emergencial sem que os moradores tenham que sair de suas comunidades, linha de crédito e o acesso à internet – sugerido para evitar que os indígenas tenham que se deslocar aos centros urbanos.
É nítido que o governo Bolsonaro-Mourão-Guedes tem projetos de exploração da Amazônia e se posiciona conjuntamente com o capital agroindustrial de forma a reafirmar a expansão de áreas de pastagem e monoculturas, porém, os povos indígenas milenarmente tem uma posição de proteção da floresta e por isso combatem historicamente tanto aos megaprojetos na região quanto a exploração desenfreada da natureza como recurso, por isso para o projeto de exploração da floresta vigorar sem resistência, a ideia passa por extinguir esses povos, e o momento se mostrou perfeito com a pandemia. 
Nesse sentido, a fundação Nacional do Índio (FUNAI) destinou R$ 6,6 milhões em medidas de proteção para a população indígena durante a pandemia de Covid-19, esse investimento per capita, dividido entre os 800 mil indígenas do território brasileiro, torna-se um valor de R$ 8,35 por indígena. O valor corresponde a 1,18% do orçamento anual da entidade que é de R$ 507 milhões. Nesse sentido pode-se afirmar que a política do governo de Bolsonaro-Mourão-Guedes é uma política genocida, pois ao mesmo tempo que incita o capital agro a invadir a floresta e os territórios indígenas, auxilia com recursos financeiros insuficientes para as comunidades indígenas. 
Para além disso, esse recurso disponibilizado pela FUNAI em boa parte é gasto com cestas básicas, porém insuficientes; deixando medidas realmente mais eficazes negligenciadas, como bloqueios de proteção à comunidades indígenas isoladas, o combate ao garimpo e desmatamento ilegal, assim como a perfuração de poços nas áreas sem acesso à água potável.
O que está em questão são os territórios, a reprodução da vida dessas comunidades indígenas e dos que a constroem. São medidas que por genocidas não se desdobram unicamente pelo ataque direto e explícito, mas também pelo descaso que resulta, por exemplo, na cruel perda de seus anciãos, responsáveis por repassar os conhecimentos milenares aprendidos ao longo de gerações – são considerados pelos povos indígenas como autoridades morais, conselheiros espirituais e acervo vivo da história e identidade de todo um povo/comunidade, desempenhando o papel de lideranças e sábios, como verdadeiras bibliotecas acerca da construção e vida de seus respectivos povos.
Invasões de madeireiros/garimpeiros e o resultante confronto com comunidades indígenas, se agravam no contexto da pandemia do novo coronavírus, que viabiliza e facilita a invasão dos territórios e comunidades tradicionalmente ocupados, onde a ausência ou atendimento que não atende às demandas desses povos – a partir de suas identidades – propicia a rápida contaminação e, consequentemente, casos de óbitos (por vezes subnotificados, representando a tentativa constante de apagamento e supressão dessas identidades); frente a constante e histórica resistência a partir dessas comunidades e territórios.
Por isso a violência e destruição desses territórios se dá por diferentes formas, e o descaso, num contexto pandêmico e de política de preservação da economia, desempenha o papel de superação de obstáculos que representam essas lideranças, que carregam na memória seus territórios e comunidades.
Não se sabe ao certo quantos anciãos foram perdidos até o momento, porém, algumas das vítimas são:
PAULO PAIAKAN
FAUSTO SILVA MANDULÃO
OTAVIO DOS SANTOS
LUSIA DOS SANTOS LOBATO
HIGINO PIMENTEL TENÓRIO
AM NCIO IKÕ MUNDURUKU
DOMINGOS MAHORO

A ressignificação da luta, como resistência da vida e seus territórios, é o que mobiliza e mantém esses mesmos territórios vivos. Expressos em mobilização entre povos e aliados à luta e resistência indígena, repercute em construções como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, onde APIB juntamente com a Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mais seis partidos fazem frente a omissão do governo federal no combate à pandemia, assim como para reivindicar providências quanto ao risco de genocídio de diversas etnias.
Assim como, para além da disputa e história constitucional, a resistência cotidiana em existir segue em cada povo, em cada comunidade, ao defender as florestas, rios e territórios tradicionalmente ocupados. Seja por bloqueio de estradas de acesso a comunidades expulsando garimpeiros, ou como ocorrido na divisa de Amazonas com Roraima, indígenas da etnia Waimiri-Atroaris suspenderam a vigilância da BR-174 (Manaus-Boa Vista), também com em julho de 2019 quando indígenas da etnia Mundurucus entraram em confronto com madeireiros e palmiteiros da Terra Indígena Sawré Muybu, no sudoeste do Pará.

Atualmente segundo dados apurados pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, existem 13.241 casos de indígenas com Covid-19, 461 óbitos de indígenas, e 127 povos afetados (atualizado em 10 de julho), prestamos toda a nossa solidariedade a esses 122 povos, aos parentes e amigos dessas 426 pessoas de origem indígena e esperamos a pronta recuperação desses 11.385 indígenas.

Não é novidade que Jair Bolsonaro despreza demandas de povos tradicionais durante toda a sua trajetória política, ignorando o direito de demarcação de terras indígenas, favorecendo a invasão de empresas de mineração e agropecuária nesses territórios e por vezes se referindo de forma preconceituosa e racista a essas populações. Desde o início de seu mandato como presidente do Brasil, é notória a continuidade dessa perspectiva colonial pelo aumento absurdo de ataques, invasões, assassinatos e outros crimes motivados pelo discurso de ódio promovido por Bolsonaro direcionados às populações indígenas. 
Ao mesmo tempo, essa lógica burguesa é amplamente institucionalizada pela regulamentação de atividades mineradoras em territórios de povos tradicionais, ferindo a autoridade dessas sociedades sobre suas terras e promovendo a violência contra essas populações.
O descaso do Governo Federal em relação ao impacto do novo Coronavírus sobre os povos indígenas não é uma situação excepcional, já que opera na mesma lógica de exploração em países da periferia do capitalismo, defendida pela burguesia nacional que Bolsonaro representa. Atualmente, A UJC denuncia a condição em que os indígenas estão sendo colocados pelo governo de Bolsonaro-Mourão-Guedes, que reflete a desumanização historicamente em curso contra a vida e territórios dos povos originários.
A todas/os indígenas aqui lembrados e muitos outros que perderam a vida pela Covid-19, a União da Juventude Comunista (UJC) do Pará presta toda a solidariedade a seus povos seus familiares.
REFERÊNCIAS:
COMITÊ NACIONAL DA VIDA E MEMÓRIA INDÍGENA. Emergência Indígena, 2020. Plano de Enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Disponível em: 
<http://emergenciaindigena.apib.info/dados_covid19/>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
ADPF 709: A VOZ INDÍGENA CONTRA O GENOCÍDIO. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, 2020. Disponível em: <http://apib.info/2020/07/08/adpf-709-a-voz-indigena-contra-o-genocidio/?fbclid=IwAR0jtOxli7ixfK28nq2DcGYEbADnNljp4gQ8DtA8Rq6W-cvUuHA1v0pGy2U>. Acesso em: 10 de julho de 2020.


CONTRA AS DECISÕES ANTI-INDÍGENAS DO GOVERNO BOLSONARO. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, 2020. Disponível em: 

<http://apib.info/2020/07/08/contra-as-decisoes-anti-indigenas-do-governo-bolsonaro/?fbclid=IwAR1bSpM7IJZu5-weFqUa9gKoGgrGi8MhlN1m2sPXtLa9QlAs0Q0t3umfgTw>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
EXCLUSIVO: FUNAI GASTOU R$ 8 COM CADA INDÍGENA EM AÇÕES DE COMBATE A PANDEMIA. Brasil de Fato, 2020. Disponível em: 
<https://www.brasildefato.com.br/2020/06/20/exclusivo-funai-gastou-r-8-com-cada-indigena-em-acoes-de-combate-a-pandemia>. Acesso em: 08 de Julho de 2020.
SEM ESPERAR GOVERNO, INDÍGENAS FECHAM ESTRADAS E EXPULSAM GARIMPEIROS CONTRA CORONAVIRUS. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: 
< https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/sem-esperar-governo-indigenas-fecham-estradas-e-expulsam-garimpeiros-contra-coronavirus.shtml>. Acesso em: 05 de Julho de 2020.
SEM APOIO FEDERAL, ÍNDIOS MUNDURUCUS EXPULSAM MADEREIROS ILEGAIS NO PARÁ. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em: 
< https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/sem-apoio-federal-indios-mundurucus-expulsam-madeireiros-ilegais-no-para.shtml>. Acesso em: 05 de Julho de 2020.
COMO A MORTE DE IDOSOS POR COVID -19 ABALA COMUNIDADES INDÍGENAS. Nexo Jornal, 2020. Disponível em:
< https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/06/21/Como-a-morte-de-idosos-por-covid-19-abala-comunidades-ind%C3%ADgenas>. Acesso em: 05 de Julho de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário