O “novo normal” e a política de Estado genocida
União da Juventude
Comunista (UJC) do Pará
O primeiro caso
confirmado de contaminação por Covid-19 entre indígenas no Brasil foi de uma
jovem de 20 anos do povo Kokama, em 25 de março, no município amazonense Santo
Antônio do Içá. O contágio foi possível através de um médico vindo de São Paulo
a serviço da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que estava
infectado com o vírus. Atualmente o povo Kokama são os mais afetados em casos
de morte e contaminação.
Lideranças e
organizações indígenas denunciam que a SESAI tem omitido dados de indígenas
infectados e mortos, e que o órgão tem servido como transmissor da doença para
as aldeias. A principal organização que tem feito essa denúncia é a Articulação
dos povos indígenas, (APIB), a organização tem feito sua própria aferição de
casos de COVID-19 entre povos indígenas com uma metodologia diferente da SESAI:
inclui os indígenas que vivem em contexto urbano, enquanto a SESAI faz q contagem
somente dos indígenas em territórios tradicionais.
O Comitê Nacional pela Vida
e Memória dos Povos Indígenas, órgão que realiza a contagem com a APIB, mantém
atualizado até o dia 9 de julho deste ano a informação de que 268 indígenas
haviam morrido pela Covid-19, enquanto a SESAI comunica 193 óbitos indígenas,
uma diferença de 75 óbitos, isso somado a não transparência de dados pela
SESAI, segundo APIB.
Os cinco principais povos afetados com óbitos pela
Covid-19 são:
-SI (Sem Informação, os óbitos que não puderam ser identificados
pela falta de transparência da SESAI são incluídos nessa categoria pela APIB),
Kokama, Xavante, Tikuna, Guajajara, com 107, 60, 33, 17 e 16 casos
respectivamente;
-com duas comunidades, Kokama e Tikuna, no Estado do Amazonas que
apresenta 170 casos, o maior índice de casos com óbitos de indígenas, seguido
pelos estados do Pará e Roraima, cada com 79 e 45 casos respectivamente,
coincidindo com o elevado e representativos casos noticiados de invasões a
terras indígenas, garimpo ilegal e desmatamento.
Dados resultantes da
política em curso direcionada contra a vida e reprodução dos territórios de
comunidades tradicionais, dos povos indígenas; expressa no aumento na taxa de
desmatamento, intensificada no atual governo – que delimita explicitamente seu
caráter genocida quando sanciona e aprova o projeto de lei 1142/20 com 16
vetos; projeto que estruturava ações de enfrentamento à pandemia e apoio entre
as comunidades tradicionais, tirando qualquer menor seguridade alimentar e
contra violência.
Dentre os trechos
vetados estão a obrigatoriedade do governo federal fornecer água potável,
materiais de higiene e leitos hospitalares às regiões, maior facilidade para o
pagamento do auxílio emergencial sem que os moradores tenham que sair de suas
comunidades, linha de crédito e o acesso à internet – sugerido para evitar que
os indígenas tenham que se deslocar aos centros urbanos.
É nítido que o
governo Bolsonaro-Mourão-Guedes tem projetos de exploração da Amazônia e se
posiciona conjuntamente com o capital agroindustrial de forma a reafirmar a
expansão de áreas de pastagem e monoculturas, porém, os povos indígenas
milenarmente tem uma posição de proteção da floresta e por isso combatem
historicamente tanto aos megaprojetos na região quanto a exploração desenfreada
da natureza como recurso, por isso para o projeto de exploração da floresta
vigorar sem resistência, a ideia passa por extinguir esses povos, e o momento
se mostrou perfeito com a pandemia.
Nesse sentido, a fundação Nacional do Índio
(FUNAI) destinou R$ 6,6 milhões em medidas de proteção para a população
indígena durante a pandemia de Covid-19, esse investimento per capita, dividido
entre os 800 mil indígenas do território brasileiro, torna-se um valor de R$
8,35 por indígena. O valor corresponde a 1,18% do orçamento anual da entidade
que é de R$ 507 milhões. Nesse sentido pode-se afirmar que a política do
governo de Bolsonaro-Mourão-Guedes é uma política genocida, pois ao mesmo tempo
que incita o capital agro a invadir a floresta e os territórios indígenas,
auxilia com recursos financeiros insuficientes para as comunidades indígenas.
Para além disso, esse recurso disponibilizado pela FUNAI em boa parte é gasto
com cestas básicas, porém insuficientes; deixando medidas realmente mais eficazes
negligenciadas, como bloqueios de proteção à comunidades indígenas isoladas, o
combate ao garimpo e desmatamento ilegal, assim como a perfuração de poços nas
áreas sem acesso à água potável.
O que está em questão
são os territórios, a reprodução da vida dessas comunidades indígenas e dos que
a constroem. São medidas que por genocidas não se desdobram unicamente pelo
ataque direto e explícito, mas também pelo descaso que resulta, por exemplo, na
cruel perda de seus anciãos, responsáveis por repassar os conhecimentos
milenares aprendidos ao longo de gerações – são considerados pelos povos
indígenas como autoridades morais, conselheiros espirituais e acervo vivo da
história e identidade de todo um povo/comunidade, desempenhando o papel de
lideranças e sábios, como verdadeiras bibliotecas acerca da construção e vida
de seus respectivos povos.
Invasões de
madeireiros/garimpeiros e o resultante confronto com comunidades indígenas, se
agravam no contexto da pandemia do novo coronavírus, que viabiliza e facilita a
invasão dos territórios e comunidades tradicionalmente ocupados, onde a
ausência ou atendimento que não atende às demandas desses povos – a partir de
suas identidades – propicia a rápida contaminação e, consequentemente, casos de
óbitos (por vezes subnotificados, representando a tentativa constante de
apagamento e supressão dessas identidades); frente a constante e histórica
resistência a partir dessas comunidades e territórios.
Por isso a violência
e destruição desses territórios se dá por diferentes formas, e o descaso, num
contexto pandêmico e de política de preservação da economia, desempenha o papel
de superação de obstáculos que representam essas lideranças, que carregam na
memória seus territórios e comunidades.
Não se sabe ao certo
quantos anciãos foram perdidos até o momento, porém, algumas das vítimas são:
PAULO PAIAKAN
FAUSTO SILVA MANDULÃO
OTAVIO DOS SANTOS
LUSIA DOS SANTOS LOBATO
HIGINO PIMENTEL TENÓRIO
AM NCIO IKÕ MUNDURUKU
DOMINGOS MAHORO
A ressignificação da
luta, como resistência da vida e seus territórios, é o que mobiliza e mantém
esses mesmos territórios vivos. Expressos em mobilização entre povos e aliados
à luta e resistência indígena, repercute em construções como Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, onde APIB juntamente com a
Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e mais seis partidos fazem frente a omissão do governo federal no
combate à pandemia, assim como para reivindicar providências quanto ao risco de
genocídio de diversas etnias.
Assim como, para além
da disputa e história constitucional, a resistência cotidiana em existir segue
em cada povo, em cada comunidade, ao defender as florestas, rios e territórios
tradicionalmente ocupados. Seja por bloqueio de estradas de acesso a
comunidades expulsando garimpeiros, ou como ocorrido na divisa de Amazonas com
Roraima, indígenas da etnia Waimiri-Atroaris suspenderam a vigilância da BR-174
(Manaus-Boa Vista), também com em julho de 2019 quando indígenas da etnia
Mundurucus entraram em confronto com madeireiros e palmiteiros da Terra
Indígena Sawré Muybu, no sudoeste do Pará.
Atualmente segundo dados apurados pelo Comitê Nacional de Vida e Memória
Indígena, existem 13.241 casos de indígenas com Covid-19, 461 óbitos de indígenas,
e 127 povos afetados (atualizado em 10 de julho), prestamos toda a nossa
solidariedade a esses 122 povos, aos parentes e amigos dessas 426 pessoas de
origem indígena e esperamos a pronta recuperação desses 11.385 indígenas.
Não é novidade que
Jair Bolsonaro despreza demandas de povos tradicionais durante toda a sua
trajetória política, ignorando o direito de demarcação de terras indígenas,
favorecendo a invasão de empresas de mineração e agropecuária nesses
territórios e por vezes se referindo de forma preconceituosa e racista a essas
populações. Desde o início de seu mandato como presidente do Brasil, é notória
a continuidade dessa perspectiva colonial pelo aumento absurdo de ataques,
invasões, assassinatos e outros crimes motivados pelo discurso de ódio
promovido por Bolsonaro direcionados às populações indígenas.
Ao mesmo tempo,
essa lógica burguesa é amplamente institucionalizada pela regulamentação de
atividades mineradoras em territórios de povos tradicionais, ferindo a
autoridade dessas sociedades sobre suas terras e promovendo a violência contra
essas populações.
O descaso do Governo
Federal em relação ao impacto do novo Coronavírus sobre os povos indígenas não
é uma situação excepcional, já que opera na mesma lógica de exploração em
países da periferia do capitalismo, defendida pela burguesia nacional que
Bolsonaro representa. Atualmente, A UJC denuncia a condição em que os indígenas
estão sendo colocados pelo governo de Bolsonaro-Mourão-Guedes, que reflete a
desumanização historicamente em curso contra a vida e territórios dos povos
originários.
A todas/os indígenas
aqui lembrados e muitos outros que perderam a vida pela Covid-19, a União da
Juventude Comunista (UJC) do Pará presta toda a solidariedade a seus povos seus
familiares.
REFERÊNCIAS:
COMITÊ NACIONAL DA
VIDA E MEMÓRIA INDÍGENA. Emergência Indígena, 2020. Plano de Enfrentamento da
Covid-19 no Brasil. Disponível em:
<http://emergenciaindigena.apib.info/dados_covid19/>. Acesso em: 10 de
julho de 2020.
ADPF 709: A VOZ INDÍGENA CONTRA O GENOCÍDIO. Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil-APIB, 2020. Disponível em:
<http://apib.info/2020/07/08/adpf-709-a-voz-indigena-contra-o-genocidio/?fbclid=IwAR0jtOxli7ixfK28nq2DcGYEbADnNljp4gQ8DtA8Rq6W-cvUuHA1v0pGy2U>.
Acesso em: 10 de julho de 2020.
CONTRA AS DECISÕES ANTI-INDÍGENAS DO GOVERNO BOLSONARO. Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil-APIB, 2020. Disponível em:
<http://apib.info/2020/07/08/contra-as-decisoes-anti-indigenas-do-governo-bolsonaro/?fbclid=IwAR1bSpM7IJZu5-weFqUa9gKoGgrGi8MhlN1m2sPXtLa9QlAs0Q0t3umfgTw>.
Acesso em: 10 de julho de 2020.
EXCLUSIVO: FUNAI GASTOU R$ 8 COM CADA INDÍGENA EM AÇÕES DE COMBATE A PANDEMIA.
Brasil de Fato, 2020. Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2020/06/20/exclusivo-funai-gastou-r-8-com-cada-indigena-em-acoes-de-combate-a-pandemia>.
Acesso em: 08 de Julho de 2020.
SEM ESPERAR GOVERNO, INDÍGENAS FECHAM ESTRADAS E EXPULSAM GARIMPEIROS CONTRA
CORONAVIRUS. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em:
<
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/sem-esperar-governo-indigenas-fecham-estradas-e-expulsam-garimpeiros-contra-coronavirus.shtml>.
Acesso em: 05 de Julho de 2020.
SEM APOIO FEDERAL, ÍNDIOS MUNDURUCUS EXPULSAM MADEREIROS ILEGAIS NO PARÁ. Folha
de São Paulo, 2019. Disponível em:
< https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/sem-apoio-federal-indios-mundurucus-expulsam-madeireiros-ilegais-no-para.shtml>.
Acesso em: 05 de Julho de 2020.
COMO A MORTE DE IDOSOS POR COVID -19 ABALA COMUNIDADES INDÍGENAS. Nexo Jornal,
2020. Disponível em:
< https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/06/21/Como-a-morte-de-idosos-por-covid-19-abala-comunidades-ind%C3%ADgenas>.
Acesso em: 05 de Julho de 2020.
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