sábado, 25 de julho de 2020

Militares criticam falta de recursos contra desmatamento, mas usam dinheiro para pintar unidades



ESTADÃO - André Borges

© Gabriela Biló/Estadão.

O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Ricardo Salles após reunião do Conselho da Amazônia, nesta quarta (22.07.2020)





A operação militar Verde Brasil 2, criada pelo governo para combater o desmatamento na Amazônia, tem visto parte de seus recursos ser utilizada para bancar ações sem nenhuma relação com a devastação da floresta. Apesar de já haver registros de batalhões que foram paralisados em suas ações em campo, sob a alegação de falta de dinheiro, a investida militar tem financiado, por exemplo, a pintura de unidades da Marinha, inclusive em bases sem relação com a região amazônica.

Estadão apurou que, no último dia 3 de julho, o Centro de Intendência da Marinha, localizado no pequeno município de Ladário, nos extremos do Mato Grosso do Sul, encontrou espaço no orçamento da operação Verde Brasil 2 para gastar mais de R$ 244 mil na compra de tinta. E muita tinta. Com o dinheiro da Verde Brasil, a base da Marinha instalada na fronteira com a Bolívia adquiriu 633 latas grandes de tinta, de 18 litros cada, nas cores branco neve e gelo. Um dos lotes, com 212 latas do tipo “premium”, teve custo de R$ 566,03 a unidade. O Mato Grosso do Sul sequer integra a área da Amazônia Legal, que engloba nove Estados do País.
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A maior parte dos gastos registrados até hoje pela operação, que teve início em 11 de maio, está atrelada a conserto de helicópteros da Defesa. Os dados mostram que, do total de R$ 4,927 milhões que já foram empenhados pelos militares dentro da operação Verde Brasil 2 até agora, mais de R$ 2,741 milhões, o equivalente a 55% desses recursos, foram usados para trocar peças e contratar serviços de manutenção de aeronaves. Uma dessas contratações, por exemplo, realizada pela Comissão do Exército Brasileiro em Washington, fez pagamentos em dólar que totalizaram mais de R$ 818 mil. O maior gasto realizado até hoje pela Verde Brasil 2, no valor exato de R$ 1 milhão, teve o propósito de consertar aeronaves.

A utilização de helicópteros em ações na Amazônia é importante para acessar determinadas regiões mais fechadas da floresta, dada a dificuldade de locomoção das tropas, além de apoiar na identificação de focos de incêndio. Boa parte das ações em campo, no entanto, também acontece em áreas de tráfego comum para carros e caminhões. As maiores queimadas que todos os anos castigam os Estados do Amazonas Pará, por exemplo, ocorrem ao longo da BR-230, a rodovia Transamazônica, e da BR-163, estradas que concentram a maioria das ocorrências.

As informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) do governo federal foram compiladas pela empresa Rubrica, agência especializada em monitoramento de gastos públicos, a pedido do Estadão.

Nesta última semana, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, fez reiteradas declarações de que a operação militar Verde Brasil 2 não tinha recebido “nenhum centavo” e que o governo quer aprovar um projeto de lei no Congresso, pedindo crédito extraordinário para a investida fardada na floresta. Os dados oficiais, porém, mostram que, até a semana passada, a Verde Brasil 2 já contava com um orçamento aprovado de R$ 8,622 milhões. Desse total, R$ 4,927 já foram empenhados, ou seja, comprometidos com compras já realizadas. A liquidação efetiva dessas contas, porém, é de apenas R$ 543 mil, por enquanto. Trata-se de uma fração de 0,8% dos R$ 60 milhões que o governo Bolsonaro anunciou que seriam alocados na operação.

A reportagem questionou o Ministério da Defesa sobre os motivos que levaram a base da Marinha no Mato Grosso do Sul a gastar R$ 244 mil da operação com tintas e onde essas 633 latas do material seriam usadas. Não foi dada explicação a respeito.

A respeito da concentração de gastos com conserto e manutenção de helicópteros, o Ministério da Defesa justificou que “boa parte das localidades atendidas é de difícil acesso, de forma que é imprescindível que todos os equipamentos estejam com a manutenção em dia para garantir a segurança integral de toda a equipe empregada”.

Sobre os gastos em dólar, a Pasta justificou que “muitos itens relacionados à manutenção de aeronaves são adquiridos no exterior”, daí os gastos internacionais. Segundo a Defesa, a operação envolve, até o momento, a utilização de 12 aeronaves e estas somam cerca de 1.300 horas de voo realizadas. “Os investimentos destinados à aviação implicam não só na aeronave em si, mas em toda sua estrutura de apoio”, declarou.

Duas semanas atrás, como revelou o Estadão, agentes do Ibama que estavam em campo, no Pará, informaram que o Exército, por meio do 51º Batalhão de Infantaria de Selva (51º BIS), “suspendeu o apoio às ações de desmontagem das serrarias do município de Uruará conforme programação das ações do GLO (Garantia da Lei e da Ordem) nesta região”, devido à falta de recursos. A paralisação, como confirmava o próprio Ibama, resultava em mais desperdício de dinheiro público, com dezenas de servidores pagando diárias de hotel e alimentação, sem terem como executar o trabalho, enquanto as madeireiras desmontam bases para escapar da fiscalização.

Os números da Verde Brasil 2 dão conta de que há um efetivo de cerca de 3 mil pessoas em campo por dia, entre militares e representantes de outros órgãos. A ação envolve outros 180 veículos e 25 embarcações.

O Ministério da Defesa informou que, “até o presente momento, os recursos (R$ 60 milhões anunciados em maio para a Verde Brasil 2) ainda não foram repassados às Forças” e que, por isso, para não prejudicar a atuação das tropas, a Pasta estaria “utilizando seus próprios recursos orçamentários, enquanto não há o repasse dos recursos específicos.” Acontece que os próprios dados oficiais demonstram que a maior parte dos R$ 8,622 milhões autorizados até agora para a Verde Brasil tem origem, na realidade, na emissão de títulos da dívida pública.

Nas últimas semanas, reportagens do Estadão revelaram que os resultados divulgados pelo governo sobre a operação militar foram inflados com dados de outras ações sem nenhuma participação da Defesa e realizadas, inclusive, anteriormente à criação da Verde Brasil 2. Em algumas localidades, o apoio nas operações de órgãos como Ibama e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) foi paralisado, sob justificativa de falta de recursos.


EM TEMPO: O primeiro passo no combate ao desmatamento seria demitir o ministro Ricardo Salles, braço forte de Bolsonaro no ataque ambiental. Agora durmam com essa bronca. 

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