ESTADÃO - André Borges
© Gabriela Biló/Estadão.
O
vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Ricardo Salles após reunião
do Conselho da Amazônia, nesta quarta (22.07.2020)
A operação
militar Verde Brasil 2,
criada pelo governo para combater o desmatamento na Amazônia, tem visto parte de seus recursos ser utilizada para bancar ações sem
nenhuma relação com a devastação da floresta. Apesar de já haver registros de
batalhões que foram paralisados em suas ações em campo, sob a alegação de falta
de dinheiro, a investida militar tem financiado, por exemplo, a pintura de
unidades da Marinha, inclusive em bases sem relação com a região
amazônica.
O Estadão apurou que, no último dia
3 de julho, o Centro de
Intendência da Marinha, localizado no pequeno município de Ladário, nos extremos do Mato Grosso do Sul, encontrou espaço no orçamento da operação Verde Brasil 2 para gastar
mais de R$ 244 mil na compra de tinta. E muita tinta. Com o dinheiro da Verde
Brasil, a base da Marinha instalada na fronteira com a Bolívia adquiriu 633 latas grandes de tinta, de 18 litros
cada, nas cores branco neve e gelo. Um dos lotes, com 212 latas do tipo
“premium”, teve custo de R$ 566,03 a unidade. O Mato Grosso do Sul sequer
integra a área da Amazônia Legal,
que engloba nove Estados do País.
A maior parte dos
gastos registrados até hoje pela operação, que teve início em 11 de maio, está
atrelada a conserto de helicópteros da Defesa. Os dados mostram que, do total de R$ 4,927 milhões que já foram
empenhados pelos militares dentro da operação Verde Brasil 2 até agora, mais de
R$ 2,741 milhões, o equivalente a 55% desses recursos, foram usados para trocar
peças e contratar serviços de manutenção de aeronaves. Uma dessas contratações,
por exemplo, realizada pela Comissão
do Exército Brasileiro em Washington, fez pagamentos em dólar que
totalizaram mais de R$ 818 mil. O maior gasto realizado até hoje pela Verde
Brasil 2, no valor exato de R$ 1 milhão, teve o propósito de consertar
aeronaves.
A utilização de
helicópteros em ações na Amazônia é importante para acessar determinadas
regiões mais fechadas da floresta, dada a dificuldade de locomoção das tropas,
além de apoiar na identificação de focos de incêndio. Boa parte das ações em campo, no entanto, também acontece em áreas de
tráfego comum para carros e caminhões. As maiores queimadas que todos os anos castigam os Estados do Amazonas e Pará, por exemplo, ocorrem ao longo da BR-230, a rodovia Transamazônica,
e da BR-163, estradas que
concentram a maioria das ocorrências.
As informações
do Sistema Integrado de
Administração Financeira (Siaf)
do governo federal foram compiladas pela empresa Rubrica, agência especializada
em monitoramento de gastos públicos, a pedido do Estadão.
Nesta última
semana, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, fez reiteradas declarações de que a operação militar Verde Brasil 2
não tinha recebido “nenhum centavo” e que o governo quer aprovar um projeto de
lei no Congresso, pedindo crédito extraordinário para a investida fardada na
floresta. Os dados oficiais, porém, mostram que, até a semana passada, a Verde
Brasil 2 já contava com um orçamento aprovado de R$ 8,622 milhões. Desse total,
R$ 4,927 já foram empenhados, ou seja, comprometidos com compras já realizadas.
A liquidação efetiva dessas contas, porém, é de apenas R$ 543 mil, por
enquanto. Trata-se de uma fração de 0,8% dos R$ 60 milhões que o governo
Bolsonaro anunciou que seriam alocados na operação.
A reportagem
questionou o Ministério da Defesa sobre os motivos que levaram a base da
Marinha no Mato Grosso do Sul a gastar R$ 244 mil da operação com tintas e onde
essas 633 latas do material seriam usadas. Não foi dada explicação a respeito.
A respeito da
concentração de gastos com conserto e manutenção de helicópteros, o Ministério
da Defesa justificou que “boa parte das localidades atendidas é de difícil
acesso, de forma que é imprescindível que todos os equipamentos estejam com a
manutenção em dia para garantir a segurança integral de toda a equipe
empregada”.
Sobre os gastos em
dólar, a Pasta justificou que “muitos itens relacionados à manutenção de
aeronaves são adquiridos no exterior”, daí os gastos internacionais. Segundo a
Defesa, a operação envolve, até o momento, a utilização de 12 aeronaves e estas
somam cerca de 1.300 horas de voo realizadas. “Os investimentos destinados à
aviação implicam não só na aeronave em si, mas em toda sua estrutura de apoio”,
declarou.
Duas semanas atrás,
como revelou o Estadão, agentes do Ibama que estavam em campo, no Pará, informaram que o
Exército, por meio do 51º Batalhão de Infantaria de Selva (51º BIS), “suspendeu
o apoio às ações de desmontagem das serrarias do município de Uruará conforme
programação das ações do GLO (Garantia da Lei e da Ordem) nesta região”, devido
à falta de recursos. A paralisação, como confirmava o
próprio Ibama, resultava em mais desperdício de dinheiro público, com dezenas de servidores pagando diárias de
hotel e alimentação, sem terem como executar o trabalho, enquanto as
madeireiras desmontam bases para escapar da fiscalização.
Os números da Verde
Brasil 2 dão conta de que há um efetivo de cerca de 3 mil pessoas em campo por
dia, entre militares e representantes de outros órgãos. A ação envolve outros
180 veículos e 25 embarcações.
O Ministério da
Defesa informou que, “até o presente momento, os recursos (R$ 60 milhões
anunciados em maio para a Verde Brasil 2) ainda não foram repassados às Forças”
e que, por isso, para não prejudicar a atuação das tropas, a Pasta estaria
“utilizando seus próprios recursos orçamentários, enquanto não há o repasse dos
recursos específicos.” Acontece que os próprios dados oficiais demonstram que a
maior parte dos R$ 8,622 milhões autorizados até agora para a Verde Brasil tem
origem, na realidade, na emissão de títulos da dívida pública.
Nas últimas
semanas, reportagens do Estadão revelaram que os resultados divulgados pelo
governo sobre a operação militar foram inflados com dados de outras ações sem
nenhuma participação da Defesa e realizadas, inclusive, anteriormente à criação
da Verde Brasil 2. Em algumas localidades, o apoio nas operações de órgãos como
Ibama e Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade (ICMBio)
foi paralisado, sob justificativa de falta de recursos.
EM TEMPO: O primeiro passo no combate ao desmatamento seria demitir o ministro Ricardo Salles, braço forte de Bolsonaro no ataque ambiental. Agora durmam com essa bronca.
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