ESTADÃO - Vera Magalhães
© Helvio
Romero/Estadão (13/11/2018) Para Marina,
agronegócio deve se dissociar da agenda do governo para a Amazônia
A ex-ministra do
Meio Ambiente e ex-presidenciável Marina Silva (Rede) afirma que não adiantará nada o
vice-presidente Hamilton Mourão apresentar belos powerpoints para
convencer investidores do compromisso do Brasil com a preservação da Amazônia
se Jair Bolsonaro mantiver
sua agenda de “insanidades” na área ambiental.
Como exemplos de
absurdos cometidos pelo presidente, ela citou a insistência do presidente em
culpar indígenas e pequenos agricultores por queimadas na Amazônia e em minimizar
a gravidade do desmatamento. “Bolsonaro é o Jim Jones da destruição ambiental”, disse Marina,
comparando o presidente ao líder de uma seita que levou ao suicídio e
assassinato em massa de centenas de seus membros na Guiana, no
final dos anos 1970.
Leia a seguir a
entrevista concedida por ela na sexta-feira, 17, ao Estadão.
Os mapeamentos da Amazônia apontam
para um aumento em 2020 do desmatamento e das queimadas, sendo que no ano
passado ambos já estavam em alta. Qual é a sua avaliação sobre a situação na
região hoje?
A situação é gravíssima,
porque o que aconteceu no ano passado está se repetindo, e de uma forma bem
pior. Diferentemente de outras partes do mundo, em que a floresta entra em
combustão pelas próprias condições climáticas, no Brasil a floresta entra em
combustão pela perda de umidade graças às derrubadas criminosas. Neste ano essa
realidade é pior que em 2019. Uma coisa é o que é mostrado pelo vice-presidente
em powerpoints para investidores, e outra é o que ocorre na Amazônia. Este
governo não tem estatura política nem competência técnica para resolver o que
está acontecendo na ponta, no território.
- O
presidente, na semana passada, voltou a negar os dados e a minimizar o
desmatamento.
O presidente Jair
Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles estão cumprindo o que anunciaram desde a
campanha: o desmonte de um processo de gestão ambiental que funcionou bem e foi
sendo aprimorado ao longo de sucessivos governos, com acúmulos importantes.
Esse governo não tem compromisso com a gestão ambiental e nem capacidade
técnica. É por isso que não há discurso, não há powerpoint do vice-presidente
que resista a insanidades como essas que Bolsonaro repete.
- Ele
inclusive comparou a Europa a uma seita ambiental.
O movimento mundial
pelo fim dos desmatamentos e das queimadas criminosas e pelo respeito aos povos
indígenas não vai cessar. Essa é uma agenda que veio para ficar. Mas não
podemos nos iludir: este governo não vai fazer o dever de casa. Se quisesse
fazer, teria de montar um novo plano de preservação e controle do desmatamento,
remontar o ICMBio, montar um plano de inteligência com a Polícia Federal e
articular uma coordenação política com os governadores.
- Vê
alguma chance de isso ser feito, no âmbito do novo Conselho Nacional da
Amazônia?
Não é simples. Na nossa
época, a montagem do plano de preservação e controle envolveu treze ministérios
trabalhando juntos, inibimos 35 mil propriedades ilegais, tomamos ações
efetivas para criminalizar toda a cadeia produtiva que começa na extração
ilegal de madeira, única forma de frear a expansão predatória sobre a floresta,
fizemos a interdição de qualquer acesso a crédito por parte de quem desmatasse,
aplicamos mais de 4 bilhões de reais em multas, foram presas mais de 700
pessoas em operações conjuntas da Polícia Federal e do Ibama. Adotamos uma ação
firme contra a grilagem, ao não criar nenhuma expectativa de que áreas griladas
fossem regularizadas mais à frente.
- Agora
a maior preocupação do governo em relação à Amazônia é promover a
regularização fundiária na região, se preciso driblando o Congresso.
No meu
entendimento, a única saída para essa situação dramática é o setor do
agronegócio assumir uma agenda própria e enfrentar o problema. Deixar a gestão
ambiental na mão do governo Bolsonaro, única e exclusivamente, é algo muito
temerário. É preciso que parta do setor uma pressão para que o Congresso retire
da pauta imediatamente todos os projetos antiindígenas e antiambientais, a
começar pelo PL da Grilagem, mas também o projeto que permite a expansão da
cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal e outros.
O agronegócio brasileiro
precisa entrar em um processo de certificação, ter um cronograma de trabalho,
uma agenda transparente, que possa ser acompanhada pela comunidade científica,
pela sociedade civil e pelo poder público.
- O
agronegócio brasileiro reconhece a agenda ambiental como sua, ou ainda
predominam setores que veem o meio ambiente como entrave?
Grande parte do
agronegócio brasileiro é moderna, e não pode ficar refém desses setores
atrasados. Essa ala retrógrada não pode ser vista como o setor. É preciso haver
um processo de afastamento dessa visão, que passa por uma agenda e precisa
incluir também os pequenos agricultores e a agricultura familiar. Não há
interesse nenhum para o agronegócio de ter sua imagem ligada a uma exploração
da floresta que, na verdade, é feita por uma indústria do crime ambiental. Isso
começa com grupos invadindo e grilando terras na expectativa de regularização
futura, associada a uma venda da madeira que dá liquidez imediata e a uma expectativa
de venda futura da terra por um preço alto.
Isso é uma cacimba de areia: quanto
mais se incentiva esse processo, mais se pressiona a floresta. A agricultura de
baixo carbono tem de ser o centro do Plano Safra, é preciso que se tenha um
suporte técnico e financeiro para a bioeconomia. Não se pode mais compactuar
com um processo em que um grupo criminoso se apropria privadamente do Orçamento
natural de um povo e, depois, Congresso e governo promovem um processo de
lavagem e regularização desse crime. Isso não tem diferença, em termos de
apropriação de patrimônio público, com o que aconteceu no petrolão.
- Mas
o presidente insiste que são os pequenos que queimam a floresta e que o
solo da Amazônia é tão fértil que a floresta se reconstitui sozinha quando
a terra deixa de ser explorada.
Isso é mais uma
insanidade, uma coisa incompreensível. Bolsonaro é o Jim Jones da destruição
ambiental. A Amazônia não tem um solo fértil a princípio. Por ser uma floresta
densa, a fauna e a vegetação, graças à umidade, criam uma camada de nutrientes
para esse solo. Mas é uma camada fina. Aquilo tudo vai embora com as chuvas
torrenciais da Amazônia e também com as queimadas. O que vai nascer ali de
novo, depois de anos, é uma floresta secundária, de riqueza muito inferior à floresta
primária. As capoeiras levam décadas para se regenerar.
E vai ter uma
conformação muito inferior em relação à própria madeira, às espécies. Um
cumaru-ferro leva 800 anos para crescer. É um ato de covardia política e
covardia verbal colocar na conta dos indígenas, dos ribeirinhos e das
comunidades tradicionais a responsabilidade por esses incêndios.
- Diante
de tudo isso, quais os riscos para o Brasil em termos de exportações,
acordos internacionais e investimentos?
Não é que o Brasil
esteja à margem do que se discute hoje no mundo em relação à bioeconomia. O
Brasil está trancado do lado de fora. Há vários estudos e documentos mostrando
o potencial de se gerar milhões de empregos preservando a natureza e fazendo
uma gestão eficiente dos recursos naturais. O governo não está a par, não está
nem lendo esses estudos. Os custos já estão aí. A Holanda não ratificou o
acordo Mercosul-União Europeia. Existe uma pressão enorme para que o Parlamento
Europeu também não ratifique. O fundo soberano norueguês dispensou a Vale,
dispensou a Eletrobras.
O Fundo Amazônia está parado. Esse dinheiro era
responsável por fortalecer a pesquisa e a governança ambiental. Por tudo isso
eu repito que o setor do agronegócio responsável tem de se dissociar da agenda
do Bolsonaro e do Salles. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, quando o
Trump quis reativar a indústria do carvão e os próprios empresários deixaram
claro que não comprariam essa energia.
- A
seu ver o Congresso está sendo omisso em brecar os retrocessos dessa
agenda?
Para ser justa, o
projeto da grilagem não está avançando graças ao Congresso. O Congresso também
aprovou o projeto da deputada Joenia Wapichana para garantir o fornecimento de
insumos para comunidades indígenas. Aí o presidente vetou o projeto de uma
forma tão absurda que praticamente só sobraram a ementa e a assinatura da
autora. Se o Congresso quiser ter maior protagonismo e se dissociar da imagem
do Brasil, de pária global na agenda ambiental, precisa derrubar esse veto e
retirar da pauta os demais projetos antiambientais.
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