RICARDO DELLA COLETTA E GUSTAVO URIBE
*ARQUIVO* BRASÍLIA,
DF, 17.06.2014 - O então vice-presidente americano Joe Biden durante evento na
Embaixada Americana em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
BRASÍLIA, DF
(FOLHAPRESS) - Uma eventual vitória de Joe Biden nas eleições americanas de
novembro se tornou o novo foco de preocupação do Palácio do Planalto, que vê
numa possível vitória do candidato democrata à Casa Branca o fim do principal
alicerce da atual política externa do Brasil e uma ameaça de isolamento
internacional.
Na avaliação de
auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, que falaram à reportagem sob condição
de anonimato, uma eleição de Biden submeteria o governo brasileiro a uma tensão
inédita nas áreas de meio ambiente e de direitos humanos e tornaria
insustentável a permanência de Ernesto Araújo no Itamaraty.
A apreensão com
o desfecho do pleito nos EUA é tão grande que assessores militares de Bolsonaro
defendem que o mandatário reduza os elogios públicos ao presidente Donald Trump
conselho que o brasileiro tem ignorado até o momento.
A avaliação de
que uma eventual derrota de Trump seria definidora para a política
internacional de Bolsonaro é partilhada por especialistas consultados pela
reportagem, que ressalvam, por outro lado, ao menos duas áreas da relação dos
EUA com o Brasil em que pouco ou nada mudaria se Biden vencer a disputa: as
pressões para conter a influência da China no país e a resistência à abertura
do mercado americano para produtos agrícolas brasileiros.
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As eleições
americanas estão marcadas para 3 de novembro. Embora Biden apareça na liderança
em pesquisas de opinião, analistas destacam que o jogo ainda está indefinido e que
Trump tem tempo e condições para reverter o cenário.
O consenso entre
os interlocutores do governo ouvidos, porém, é que Ernesto comanda uma
estratégia de afinidade ideológica com Trump que não contempla um plano B. Ou
seja, a continuidade da linha implementada pelo chanceler desde janeiro de 2019
depende da reeleição do atual líder americano.
"Eles não
consideram nenhuma possibilidade de vitória do Biden, segundo suas próprias
declarações", diz Rubens Barbosa, embaixador do Brasil nos EUA entre 1999
e 2004. "[A eventual eleição do democrata] vai acarretar um maior
isolamento do Brasil, porque não haverá mais o guarda-chuva americano."
Para Roberto
Abdenur, também ex-embaixador do Brasil em Washington (2004-2007), Bolsonaro
tomou, "dentro do erro estratégico de alinhamento quase automático com os
EUA", uma segunda decisão que torna o panorama mais grave: uma irmanação
com o republicano, chegando a dizer "Trump é meu irmão.
A situação das
relações do Brasil com os EUA governados por Biden se complicaria ainda mais se
o governo Bolsonaro continuar com uma vinculação ativa com a extrema direita
americana, porque ela é inimiga do ideário dos democratas, acrescenta Abdenur.
Barbosa prevê
como primeira consequência de uma possível vitória do ex-vice-presidente
durante as gestões de Barack Obama o fim do que o Planalto alega ser uma
relação pessoal e de amizade com o atual líder americano, o principal esteio da
política externa do Itamaraty sob Ernesto.
No entanto, ele
pontua que as burocracias tanto do Departamento de Estado quanto do Itamaraty
tendem a trabalhar internamente para fazer avançar suas respectivas agendas,
qualquer que seja o resultado do pleito nos EUA.
Também destaca
que Biden deve voltar a valorizar a ONU (Organização das Nações Unidas) e que, caso
eleitos, os democratas sinalizam a adoção de uma linha parecida à da Europa no
campo ambiental: pressão para que empresas considerem padrões de preservação ao
decidir onde alocar investimentos.
Os dois flancos
têm potencial para trazer problemas para o Brasil de Bolsonaro. Ernesto é um
crítico do sistema multilateral, e o país já enfrenta mesmo sem a oposição do
governo Trump fortes pressões internacionais devido ao avanço dos índices de
desmatamento na Amazônia.
Abdenur avalia
que o Planalto só teria condições de estabelecer um diálogo menos traumático
com um governo americano controlado pelos democratas caso ocorra uma guinada na
atual política externa.
E isso não será
possível enquanto Ernesto e Ricardo Salles [no Meio Ambiente] forem ministros,
porque eles se comprometeram com posturas radicais, afirma. Mesmo assim acho
que o dano é irreversível. É improvável, praticamente impossível, que Bolsonaro
proceda mudanças nas políticas ambiental e exterior suficientes para viabilizar
uma relação construtiva e tranquila com um governo Biden.
O presidente tem
sido pressionado por militares e integrantes da ala pragmática do governo a
demitir Salles e Ernesto. O núcleo fardado gostaria de vê-los fora da Esplanada
o quanto antes, mas interlocutores no Planalto ouvidos pontuam que a saída do
chanceler antes das eleições americanas é algo delicado.
A identificação
com o trumpismo foi tão forte, dizem, que uma mudança por um perfil mais
moderado pode ser interpretada pela Casa Branca de Trump como reavaliação da
estratégia de alinhamento automático.
Se uma gestão
Biden teria condições de colocar o Brasil sob forte estresse nas áreas de meio
ambiente e de direitos humanos ao ponto de alguns compararem o cenário à eleição
do democrata Jimmy Carter em 1976 e a pressão exercida à época sobre o regime
militar no Brasil, há campos em que analistas esperam poucas mudanças. A
disputa geopolítica entre EUA e China é o principal deles.
Hussein Kalout,
ex-secretário de Assuntos Estratégicos no governo Michel Temer, opina que Biden
dará seguimento aos esforços para conter o aumento da influência da China.
Trata-se de um
objetivo de longo prazo do establishment americano e que não depende de
colorações partidárias, afirma o ex-secretário. No Brasil, o principal objetivo
americano no momento é impedir que a empresa chinesa Huawei venda equipamentos
para as redes de 5G.
Na visão de
Kalout, caso Biden chegue à Casa Branca, o novo presidente terá menos paciência
com as posturas radicais de Bolsonaro, o que pode deixar o Brasil em situação
de desvantagem em negociações estratégicas, entre elas as que envolvem o
próprio 5G.
O custo para não
ser tratado como um pária pela maior potência mundial vai ser considerável,
porque Biden poderá exigir diversas concessões do Brasil.
O outro ponto
que teria poucas mudanças são as barreiras para a abertura do mercado agrícola
americano a produtos brasileiros, algo que transcende administrações
republicanas ou democratas.
Os americanos são
muito pragmáticos. A tendência é Biden ser ainda mais protecionista, avalia a
consultora Vera Galante, que trabalhou por 19 anos como assessora cultural na
embaixada dos EUA em Brasília.
EM TEMPO: A política externa brasileira é um desastre. Além do mais a submissão de Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo, a Trump, é o caminho da perdição. Agora durmam com essa bronca.
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