EL PAÍS - Felipe Betim
© Fornecido por EL PAÍS. Queiroz faz churrasco em Atibaia, em foto que faz parte da ordem de prisão contra ele.
No inquérito que investiga o esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro aparece como “líder” de uma suposta organização criminosa que tem Fabrício José Carlos de Queiroz como operador financeiro e personagem central.
As 46 páginas da
decisão do juiz Flávio Itabaiana Nicolau,
que determinou a prisão preventiva de Queiroz na
última quinta-feira, narra uma novela em que acontece de tudo.
O ex-policial e ex-assessor do filho zero um do presidente
Jair Bolsonaro movimentou quase três milhões de reais em sua conta bancária
entre abril de 2007 e 17 de dezembro de 2018 e pagou dezenas de boletos pelo
chefe, segundo o inquérito do MP citado pelo magistrado. Para além de seu papel
como homem forte do gabinete na Alerj, o inquérito também reforça ainda mais o
elo de Queiroz e da família Bolsonaro com Adriano Magalhães da Nóbrega, o
ex-capitão do Bope que liderava o grupo miliciano Escritório do Crime, suspeito
de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista
Anderson Gomes e que estava foragido até ser morto em operação policial em
fevereiro deste ano.
Os elos entre a
família Bolsonaro e Adriano já eram conhecidos. Além de ter sido homenageado
com uma medalha Tiradentes pelo então deputado Flávio Bolsonaro, entre os
assessores de seu gabinete estavam Danielle Mendonça da Costa e Raimunda Veras
Magalhães, ex-esposa e mãe, respectivamente, de Adriano. O inquérito do MP
mostra que tanto Raimunda como o miliciano participaram do suposto esquema
criminoso e fizeram vários depósitos nas contas de Queiroz. Estima-se que
somente Adriano possa ter transferido mais de 400.000 reais para o ex-assessor
de Flávio Bolsonaro.
Mas o envolvimento
de Queiroz com milicianos não se limitava a esses vínculos empregatícios. O
inquérito mostra que até o final do ano passado, às vésperas de o STF destravar
as investigações sobre o esquema, Queiroz orientava Raimunda a permanecer
escondida fora do Rio. Através dela, também seguia mantendo contato com o
foragido Adriano. Em dezembro, Márcia Oliveira de Aguiar, esposa de Queiroz, e
o advogado Gustavo Botto Maia, que representava Flávio Bolsonaro, foram até
Minas Gerais e se reuniram pessoalmente com Raimunda. O encontro foi inclusive
registrado em fotografia e consta no inquérito.
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O ex-capitão do
Bope, expulso da PM em 2014, estava foragido desde janeiro de 2019, após ter
sido um dos alvos da Operação Intocáveis, realizada uma força-tarefa da Polícia
Civil e do Ministério Público. Na ocasião foram presos cinco suspeitos de
integrar a milícia, que agia nos bairros cariocas de Rio
das Pedras e Muzema e era acusada de extorsão de moradores e comerciantes,
agiotagem, pagamento de propina e grilagem de terras. O chefe Adriano tornou-se
então um dos homens mais procurados do Brasil, até que em fevereiro deste ano
foi morto pela Polícia Militar da Bahia em
seu esconderijo ―o que levantou as suspeitas de queima de arquivo.
Em abril deste ano,
o portal de notícias The Intercept divulgou documentos e dados sigilosos
do MP fluminense que apontavam que Flávio
Bolsonaro financiou com dinheiro público a construção de prédios da milícia no
Rio. De acordo com os investigadores, que falaram com The
Intercept em condição de anonimato, o atual senador estaria hoje
recebendo o lucro do investimento dos prédios por meio de repasses feitos por
Adriano da Nóbrega e Queiroz. O senador nega qualquer irregularidade e diz que
as investigações são um ataque a seu pai.
O envolvimento com
milicianos é tido como algo certo pelo magistrado em sua decisão. Outra prova
de que Queiroz mantinha não só laços como também influência sobre esses grupos
é a troca de mensagens entre sua esposa e um interlocutor não identificado que
pede para que ele interceda a seu favor após ter sido ameaçado por “meninos”
que dominam a região do Itanhangá. “Não teve briga, nada não. Só discussão
mesmo. Eles foram lá na Tijuquinha, né, os ‘caras que comanda aqui’ e foi falar
que eu bati nele, isso e aquilo. Uma coisa que não aconteceu. Os ‘meninos’ me
chamaram. Entendeu? Só que eu conheço eles, né. Conheço os ‘meninos’ tudo. Aí,
poxa. Aí eu queria que se desse para ele ligar, se conhecer alguém daqui,
Tijuquinha, Rio das Pedras, os ‘meninos’ que cuida daqui”, pede o interlocutor.
Márcia repassa o
contato para Queiroz, que promete ajudar a pessoa pessoalmente. “O Márcia,
avisa a ele que é impossível ligar pra alguém, entendeu? Isso aí vai, uma
ligação dessa acontece de eu estar grampeado, vai querer me envolver em algum
coisa aí porque o pessoal daí vai estar tudo grampeado. Isso aí a gente, eu
posso ir quando estiver aí pessoalmente”, disse.
O faz-tudo de Flávio
Bolsonaro
Dos quase três milhões de reais que Queiroz movimentou em sua conta, pouco mais de dois milhões vieram de centenas de transferências bancárias e depósitos em espécie feitos por ao menos outros 11 assessores fantasmas com quem o ex-policial tinha relação de parentesco, vizinhança ou amizade. O dinheiro era então repassado para Flávio Bolsonaro através de outros depósitos ou pagamento de despesas pessoais. O Ministério Público do Rio identificou mais de 100 boletos de escola e plano de saúde pagos com dinheiro em espécie, além do depósito de 25.000 reais na conta bancária da esposa de Flávio Bolsonaro.
Toda essa
movimentação financeira, descoberta pelo Coaf e investigada pelo MP, gerou
reportagens na imprensa que levaram Queiroz para o centro dos holofotes no
final de 2018. Após ser submetido a uma cirurgia para a retirada de um câncer
no hospital Albert Einstein, em janeiro de 2019, o faz-tudo do
clã Bolsonaro sumiu dos radares das autoridades. No período em que ficou
escondido, o ex-policial seguia dando ordens através de mensagens de celular e
“atuava de forma sistemática para embaraçar as investigações”, segundo o MP.
Por exemplo, ele orientava os envolvidos a não comparecer em depoimentos ou a
assinar folhas de ponto em branco na Alerj.
Ao longo de todo
esse tempo em que agia nos bastidores, o magistrado aponta para uma “rotina de
ocultação do paradeiro de Queiroz que envolvia restrições em sua movimentação e
em suas comunicações”. Ele era monitorado por “uma terceira pessoa” que, por
sua vez, se reportava a um superior hierárquico referido como “anjo”. Trata-se
de Frederick Wasseff, advogado da família Bolsonaro que é
o dono do imóvel em Atibaia onde Queiroz foi encontrado. Chamou a
atenção dos investigadores o fato de que o ex-policial recebia dinheiro de
terceiros para se manter. Por exemplo, a quantia de 174.000 reais em espécie,
de origem desconhecida, fornecida para pagar as despesas no hospital Albert
Einstein.
Apesar do esquema
estampar as páginas de jornais, Queiroz seguia tentando manter sua influência
política e continuava a falar sobre cargos comissionados a serem ocupados em
Brasília. Essas trocas de mensagem acabaram vazando para a imprensa, no que foi
considerado uma traição de um de seus interlocutores. Sobre o episódio, os
investigadores encontraram uma conversa em tom de desabafo entre a filha de
Queiroz e sua esposa: “Márcia, eu vou te falar. De coração. Eu não consigo mais
ter pena do meu pai, porque ele não aprende. Meu pai é burro! Meu pai é burro!
Ele não ouve. Ele não faz as coisas que tem que fazer. Ele continua falando de
política. Ele continua se achando o cara da política”.
De acordo com o
inquérito, o ex-policial e sua esposa eram sempre orientados a desligar o
celular quando estavam na casa. Mas os cuidados não foram suficientes para que
os investigadores descobrissem o paradeiro de Queiroz através “do rastreamento
de fotografias encaminhadas para Márcia, tanto por seu filho como pelo próprio
Queiroz”.
O mais recente
capítulo de toda essa trama aconteceu em Atibaia, cidade do interior de São
Paulo que também foi cenário da Operação Lava Jato, que acusou o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva por ter reformado um sítio nesse mesmo lugar com
dinheiro de propina, o que levaria a sua condenação por corrupção. Além dessa
coincidência, reivindicou protagonismo na trama Heloísa de Carvalho,
filha do ideólogo e guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho, com quem não mantém
uma relação boa.
No dia da prisão de
Queiroz, Heloísa publicou uma fotografia em seu Instagram comemorando ao lado
amigo Bruno Todd em frente a casa de Atibaia onde havia sido detido. Os dois se
gabavam de que muito antes já haviam dado o alerta por meio das redes sociais
sobre o paradeiro de Queiroz. A informação que todos queriam estava no
Instagram de Todd pelo menos desde o dia 20 de maio.
“Desde abril, maio de 2019 que eu sabia que ele estava aqui. Eu recebi a
informação através de um jornalista e descobri que ele vivia neste bairro e
nesta casa em Atibaia. Desde o ano passado que eu falava que ele estava
aqui”, contou Heloísa.
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