Yahoo Notícias, 19 de junho de 2020
José Cláudio Alves em visita à Fundação Perseu Abramo em São Paulo, em julho de 2019 | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo
Por Arthur Stabile
A prisão de Fabrício Queiroz,
ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos), na manhã desta quinta-feira
(18/6), pouco impacta o negócio das milícias no Rio de janeiro, que seguem em
franca expansão, mas pode comprometer família Bolsonaro. Essa é a avaliação do sociólogo José
Cláudio Souza Alves, especialista na atuação de grupos milicianos e professor
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Queiroz estava no sítio de Frederick
Wassef, advogado de Flávio e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quando
foi preso em ação da Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo. Ele é
investigado por participar do esquema das “rachadinhas”, apelido da prática
ilegal de recolhimento e devolução de parte dos salários de funcionários em
cargos públicos, quando o senador Flávio Bolsonaro era deputado estadual no Rio
de Janeiro.
Embora a ação que culminou na prisão
de Queiroz nada tenha a ver com o assassinato da vereadora Marielle Franco,
José Cláudio acredita que ele pode ter informações sobre o crime, que completou
dois anos em março deste ano. Isso porque Queiroz é ex-PM e trabalhou no mesmo
batalhão do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, miliciano que foi
morto em fevereiro e pertencia ao Escritório do Crime, grupo onde atuavam os
dois acusados de executar a vereadora.
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Quando o ex-capitão foi assassinado
em uma operação policial, José Claudio chegou a dizer que ele era “o arquivo vivo do caso Marielle“.
Além de terem trabalho juntos, Queiroz e Adriano eram amigos. E os dois, por
sua vez, mantinham relações profissionais e laços de amizade com a família
Bolsonaro.
“Afetar a milícia, não. Ela continua
crescendo, não afeta em nada. Fabrício era apenas uma peça no tabuleiro [das
milícias], que tem muitas delas sendo jogadas e são substituíveis”, avalia
Alves. As consequências para o presidente e seus filhos, porém, dependem de
como as investigações vão caminhar daqui para frente. “A questão é: que
informação vão obter com ele, que informação decisiva para o comprometimento
dos Bolsonaros vai ser trazido à baila para a sociedade”, afirma.
Confira a entrevista:
Ponte – O que
representa a prisão de Fabrício Queiroz?
José Cláudio Souza Alves – O Queiroz, a meu ver, é uma peça-chave já há algum tempo. Ele se
transformou nessa figura com a morte do Adriano Magalhães da
Nóbrega, em fevereiro. A meu ver, esse [a morte de Adriano]
foi um procedimento agendado, calculado em função do ano eleitoral que estamos
atravessando. Era decisiva a eliminação dele enquanto principal testemunha
tanto no caso que está levando à prisão o Fabrício Queiroz, que é o esquema de
envolvimento de verbas parlamentares do Rio de Janeiro com a construção e venda de imóveis
clandestinos e ilegais pela milícia na zona oeste,
principalmente a milícia de Rio das Pedras, como no outro crime que se aproxima
muito dessa investigação, que é o assassinato da Marielle Franco.
Ponte – Como as
duas coisas estão interligadas?
José Cláudio Souza Alves – Tanto o Fabrício quanto o Adriano, bem como o Ronnie Lessa [ex-PM acusado de
ter executado Marielle Franco e Anderson Gomes em fevereiro de 2018],
comungavam de uma intimidade e aproximação de relacionamentos e de ações que
efetivamente praticavam. Essa comunhão e constituição desse grupo é chave,
essencial para esses dois grandes crimes que afetam o Rio de Janeiro e o Brasil
como um todo. E que vai, de certa forma, trazer a baila o comprometimento da
própria família Bolsonaro por conta do envolvimento do Flávio Bolsonaro. A
prisão se deu em um sítio de um advogado que é comum do Flávio e do Jair
Bolsonaro. Isso tudo tem uma aproximação muito grande.
Ponte – Qual
impacto da prisão para a ação das milícias?
José Cláudio Souza Alves – Afetar a milicia, não. Ela continua crescendo, não afeta em nada.
Fabrício era apenas uma peça no tabuleiro, que tem muitas delas sendo jogadas e
são substituíveis. Ele é uma tranquilamente [substituível]. As milícias no Rio de Janeiro estão
se expandido, não têm sofrido tanto impacto, mesmo com operações policiais, com
a morte do Adriano, com a própria prisão do Fabrício acredito que elas
permaneçam na sua grande fase de expansão nesse momento. O efeito maior pode
ser sentido na própria estrutura do poder do país que hoje está na família
Bolsonaro. Mas isso depende de como essas investigações serão conduzidas.
Ponte – É possível
avaliar este impacto?
José Cláudio Souza Alves – A questão é: que informação vão obter com ele, que informação
decisiva para o comprometimento dos Bolsonaros vai ser trazido à baila para a
sociedade. Que exposição essas informações vão ter? Isso que é decisivo daqui
para frente. Se as informações trouxerem comprometimento real, há possibilidade
de impedimento de Bolsonaro por um outro viés que não seja o congressual (por
meio do Congresso Nacional), um meio jurídico direto. Mas não tenho certeza
disso, desse cenário.
Ponte – Por que?
José Cláudio Souza Alves – Para mim não é um cenário tão simples. Tudo indica e essa é a
conjuntura mais complexa: os confrontos dos apoiadores e do Bolsonaro com STF
(Supremo Tribunal Federal), os confrontos com Congresso, o embate com a mídia e
ataques feitos por essa estrutura de poder, os grupos que sustentam essa
estrutura envolvendo as Forças Armadas, o aparato policial de vários estados em
uma grande rede, os apoiadores financeiros. Tudo isso leva a crer que esse
momento agora, por mais que possa trazer informações pesadas e o comprometimento
da estrutura da família Bolsonaro e dos apoiadores envolvendo esse crime das
milícias, ainda não é algo decisivo para se pensar que possa colocar fim a esse
projeto.
Ponte – Há um
explicação para isso, para esse cenário de apoio inconteste ao presidente?
José Cláudio Souza Alves – Está muito enraizado, tem muito apoio ainda. A estrutura é
alimentada por grupos, como as Forças Armadas, os evangélicos que têm seus
interesses no campos moral e que se fortalecem cada vez mais no momento da
crise. Eles estão nos espaços populares onde a política se dá e a própria
milícia está. A meu ver, a rede de apoio e a base política, cada vez que você
bate, que faz confrontos, que traz elementos que atacam essa estrutura, eles
reagem com mais agressividade. Essa dimensão golpista, de terceiros contra
eles, sempre será trazida como se fosse a motivação para o golpe que eles podem
dar.
Ponte – É possível
imaginar os próximos passos da investigação?
José Cláudio Souza Alves – Depende de como a Justiça se
comportará diante da prisão e das informações obtidas junto ao Fabrício
Queiroz, de como o STF também se comporta nesse cenário. O Congresso está
claramente prisioneiro de um jogo fisiológico de clientelismo, principalmente
agora com o centrão, que vai prolongar seu poder no Congresso. A prisão do
Queiroz, se trouxer de fato elementos que impliquem Jair Bolsonaro e a Flávio,
aí podemos ter um cenário mais contundente. Era uma prisão desejada, há muito
tempo estava se prolongando. Talvez nessa conjuntura de maior confronto com o
Judiciário, os órgão ligados à Justiça e as investigação se aproximam da
família Bolsonaro. Vamos ver o que esse depoimento vai trazer.
Ponte – Há um motivo para se duvidar de uma lentidão proposital?
José Cláudio Souza Alves – Você tem os 13 celulares do Adriano Magalhães da Nobrega desde
fevereiro nas mãos da Justiça do Rio de Janeiro, com Wilson Witzel (PSC), que
até agora não foi mostrado, nada, nenhuma informação. É um absurdo, você tem
informações muito rapidamente hoje. Isso, a meu ver, é um jogo, uma negociação
que está rolando em um ano eleitoral que é decisivo para o futuro políticos de
vários grupos. É nesse ano que você tem a municipalização, que se constrói base
para daqui dois anos, a perpetuação de projetos de governo do estado e do
presidente. O jogo hoje feito com o centrão em função da pandemia é de doações
financeiras, de emendas, de verbas para a saúde que vão ser utilizadas e
obtidas pelos apoiadores da estrutura do governo federal para ser usada com
suas bases para perpetuação em 2022. Pode ter 10 mil pedidos de impeachment no
Congresso que não vão acontecer nesse momento. É o momento de obter grana do
governo federal para proteger as bases eleitorais e reforçar os laços políticos
eleitorais dos congressistas. Esse ano não rola, de forma alguma, seria
suicídio político para o grupo que assim funciona e atua.
Ponte – E
futuramente?
José Cláudio Souza
Alves – Pode estar
sendo projetado para o ano que vem, vai depender de como andarão esses
elementos. Se entrar um fator jurídico, legal, de comprometimento real do
poder, de vínculo tanto com crime das rachadinhas e estrutura da milícia no Rio
de Janeiro como a questão do assassinato da
Marielle Franco, se tiver essas informações presentes, aí sim pode
ter impacto. Depende de como a Justiça faz. Ela pode protelar, como tem feito
muito. São táticas da própria Justiça que não quer fazer o confronto. Se o
cenário hoje é de maior confronto, isso pode acontecer. Depende desse jogo
político. O cenário que está posto não é de fácil análise, mas, aparentemente,
não traz tantos benefícios para se combater Bolsonaro. Não vislumbro uma
mudança real no poder que está no governo central.
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