quarta-feira, 17 de junho de 2020

O que se sabe sobre o inquérito que levou às buscas da PF contra apoiadores de Bolsonaro

© INSTAGRAM | SARA WINTER 


BBC NEWS

 

Winter foi uma das fundadoras da variante brasileira do grupo Femen e chegou a 'castrar' um boneco que representava o então deputado federal Jair Bolsonaro; hoje, dedica-se a defender pautas conservadoras

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou, na tarde desta terça-feira (16), a quebra dos sigilos bancários de dez deputados federais e um senador aliados ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

Pela manhã, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a 21 pessoas — entre elas, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, mais conhecido como Allan Terça Livre.

Tanto as buscas quanto a quebra dos sigilos dos parlamentares ocorreram no âmbito do Inquérito 4.828, que apura manifestações contra a democracia e violações à Lei de Segurança Nacional — uma norma criada durante a ditadura militar (1964-1985), regime defendido por parte da militância bolsonarista.

Informalmente, esta investigação é conhecida como o "inquérito das manifestações antidemocráticas".

Tiveram seus sigilos quebrados os deputados Daniel Silveira (PSL-RJ), que também foi alvo das buscas na manhã desta terça; e também Cabo Junio Amaral (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP), Carol de Toni (PSL-SC), Alê Silva (PSL-MG), Bia Kicis (PSL-DF), General Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Otoni de Paula (PSC-RJ). O senador Arolde de Oliveira (PSL-RJ) também teve o sigilo quebrado.

Além das quebras de sigilo, o inquérito também resultou em buscas na manhã desta terça-feira. As operações ocorreram em Brasília e também nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão e Santa Catarina, segundo informações da Polícia Federal.

Um dos alvos é o empresário e advogado Luís Felipe Belmonte — atual vice-presidente do Aliança pelo Brasil. Ele é casado com a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF). Ele reagiu com indignação à ação da PF. O episódio seria "totalmente abusivo", na opinião dele.

Continue lendo

"Estão fazendo isso por quê? Porque eu sou um dos organizadores do partido do presidente da República? Eu acho meio estranho isso", disse. Entre os youtubers, foram alvo da ação Camila Abdo, do canal Direto aos Fatos; o Ravox Brasil; um terceiro chamado Émerson Teixeira, o "professor opressor"; e também um quarto chamado Fernando Lisboa.

A ação da manhã desta terça tem por objetivo buscar "provas do financiamento e da organização de atos antidemocráticos realizados nos últimos meses no país", segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ainda segundo o órgão, há indícios de que estas 21 pessoas estavam envolvidas nas manifestações que pediam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo a PGR, uma das linhas de investigação é a de que os investigados estariam contando com o apoio de pessoas que possuem o chamado "foro privilegiado" — o que justificaria que fossem investigadas no inquérito do STF.

Os mandados foram emitidos por decisão ministro do Supremo Alexandre de Moraes — que é o relator do inquérito das manifestações antidemocráticas. Na Corte, Moraes é também o relator do inquérito das Fake News, embora sejam procedimentos distintos. Eventualmente, provas obtidas na operação de hoje também poderão ser usados na investigação das fake news.

Nesta terça-feira, alguns dos parlamentares que tiveram seus sigilos quebrados disseram que ainda não foram notificados do fato. Carla Zambelli (PSL-SP) encaminhou nota à reportagem dizendo que ela "não foi intimada a respeito de suposta quebra de sigilo bancário", "não sabendo sequer em qual procedimento a referida decisão pode ter sido ultimada".

Prisão de Sara Winter foi no mesmo inquérito

Na manhã desta segunda-feira (15), o mesmo inquérito deu origem a seis mandados de prisão contra líderes do movimento conhecido como "300 do Brasil", entre eles a militante de direita Sara Winter.

Ao pedir as prisões, a Procuradoria-Geral da República argumentou que Sara Winter e os demais militantes continuavam "organizando e captando recursos financeiros" para ações que se enquadram na Lei de Segurança Nacional, como atentar contra a integridade física dos chefes dos Poderes da República.

Após a prisão, Sara Geromini (nome verdadeiro de Sara Winter) foi levada para a Superintendência Regional da PF em Brasília, onde deu depoimento por cerca de uma hora. Ela e os outros cinco líderes do movimento deverão permanecer presos até o fim desta semana.

Segundo a PGR, o objetivo das prisões temporárias era "ouvir os investigados e reunir informações de como funciona o esquema criminoso".

Já de acordo com os advogados de Sara Winter, a prisão se deu por causa do lançamento de fogos de artifício contra a STF — evento ocorrido na noite de sábado (13). A alegação, no entanto, não bate com as datas do processo: as prisões foram pedidas pela PGR ainda no sexta-feira (12), embora tenham sido autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes no domingo (14).

Desde o fim de maio, Sara Winter vinha fazendo provocações a Alexandre de Moraes. Em redes sociais, ela disse que levantaria informações sobre o ministro; que procuraria pessoas próximas a ele, e que descobriria detalhes sobre a vida pessoal do integrante do STF. "Nunca mais vai ter paz na sua vida", disse ela a respeito do ministro.

Principal organizadora do acampamento na Esplanada dos Ministérios, Winter admite que muitos dos integrantes do grupo andam armados.

No fim de maio, Winter foi alvo de busca e apreensão em outra operação da Polícia Federal, determinada pelo Supremo — naquela ocasião, o procedimento fazia parte do inquérito das "fake news".

Poucos dias depois, em 31 de maio, o grupo dos "300 do Brasil" realizou um protesto com tochas e máscaras em frente ao prédio do Supremo.

Inquérito sigiloso no STF

As prisões de Winter e dos outros cinco militantes aconteceram no âmbito do chamado "inquérito das manifestações antidemocráticas": uma investigação pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em 20 de abril, para investigar pessoas que passaram a organizar manifestações contra o regime de democracia representativa, em vigor no país.

Entre os alvos do inquérito estariam inclusive deputados federais que apoiam o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) — e é por isso que o caso tramita no STF. O procedimento é sigiloso.

O inquérito foi aberto pelo STF no dia seguinte ao pedido da PGR, 21 de abril.

A decisão de Augusto Aras de pedir a abertura do inquérito aconteceu após os protestos de 19 de abril em Brasília: na ocasião, Jair Bolsonaro rompeu o isolamento social em vigor no Distrito Federal para cumprimentar manifestantes em frente ao Quartel General do Exército. Muitos deles levavam faixas pedindo o fechamento do Congresso e pregavam uma "intervenção militar", além de pedir o retorno do AI-5 — medida que endureceu o regime militar.

À época da abertura do inquérito, Alexandre de Moraes disse que eram "gravíssimos" os fatos apresentados pela Procuradoria-Geral da República.

"É imprescindível a verificação da existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações contra a Democracia e a divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano, bem como as suas formas de gerenciamento, liderança, organização e propagação que visam lesar ou expor a perigo de lesão os Direitos Fundamentais, a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito, trazendo como consequência o nefasto manto do arbítrio e da ditadura", disse Alexandre de Moraes em nota, à época.

Dias agitados na Esplanada dos Ministérios

Os últimos dias foram de tumulto na região central de Brasília.

Nesta terça-feira (16), o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), fechou o acesso de veículos e pedestres à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes. A vedação continuará em vigor nesta quarta (17).

No decreto que determinou o fechamento, Ibaneis cita "ameaças de manifestações com conteúdos anticonstitucionais"e "contra os Poderes" da República.

O fechamento também foi determinado por causa de ameaças recebidas pelo bispo auxiliar de Brasília, dom Marcony Ferreira. Na manhã desta terça, algumas pessoas teriam começado a montar barracas em frente à Catedral Metropolitana de Brasília, que fica na Esplanada — e diante da negativa do bispo para o acampamento, teriam reagido com ameaças.

"Um deles disse: 'você não sabe com quem está falando. Nós vamos voltar'", narrou o bispo.

Na manhã de sábado (13), uma operação do Governo do Distrito Federal tinha desmantelado o acampamento dos "300 do Brasil", coordenado por Sara Winter, no estacionamento do Ministério da Justiça, na Esplanada.

Participaram da ação integrantes da Polícia Militar do DF, do Corpo de Bombeiros e da Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal). Spray de pimenta foi usado para dispersar alguns dos manifestantes, que se recusavam a deixar o local.

Faixas, lona e estruturas metálicas foram retirados. Também foi removida a tenda do "QG Rural" de Brasília, um estande mantido por produtores rurais pró-Bolsonaro, e instalado próximo do Ministério da Agricultura.

Ainda no sábado, militantes bolsonaristas dos "300 do Brasil" e de outros grupos tentaram invadir o Congresso Nacional e chegaram a subir no parte de cima do edifício principal do prédio que abriga o Legislativo — a área é de acesso restrito.

No sábado à noite, mais uma manifestação: desta vez, usando fogos de artifício, disparados em direção ao prédio do STF. A defesa de Sara Winter nega envolvimento dela neste episódio.


Nenhum comentário:

Postar um comentário