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© ABR Parte dos procuradores considera que o atual
PGR excessivamente próximo ao presidente da República
Procuradores da
República aproveitaram uma eleição interna concluída na terça-feira (23/6) para
mandar um recado ao procurador-geral da República, Augusto Aras.
Dois candidatos que
fazem "oposição" a Aras na política interna do MPF foram eleitos como
titulares do Conselho Superior do Ministério Público (CSMPF), derrotando
procuradores considerados próximos ao atual PGR.
Mario Luiz
Bonsaglia foi eleito para o Conselho com 645 votos, e Nicolao Dino conquistou a
segunda vaga com 608 sufrágios. Nos bastidores, ambos são vistos como críticos
da gestão de Aras.
Na semana que vem,
serão eleitos mais dois integrantes do Conselho Superior. Nesta segunda
disputa, o voto é restrito aos subprocuradores-gerais, que estão no último
degrau da carreira do MPF. Dependendo dos resultados, Aras pode até mesmo
perder a maioria no órgão.
Em junho passado,
Bonsaglia foi o mais votado pelos procuradores na lista tríplice organizada
pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
O presidente, Jair
Bolsonaro, no entanto, resolveu ignorar a lista — a primeira vez que um
presidente faz isso desde 2003 — e escolheu Augusto Aras, que não participou
daquela eleição. Nicolao Dino, por sua vez, é irmão do governador maranhense
Flávio Dino (PC do B).
Enquanto isso,
profissionais percebidos como próximos ao atual PGR tiveram desempenho bem mais
modesto na eleição para o Conselho.
Carlos Frederico
Santos teve 190 votos; e Maria Iraneide foi apoiada por 121 membros do
Ministério Público Federal. Não foram eleitos, portanto.
Recentemente, ambos
foram escolhidos por Aras como coordenadores de Câmaras temáticas da PGR.
Santos coordena a 2ª Câmara (Criminal) e Iraneide, a 5ª (Combate à Corrupção).
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Completa a lista a
procuradora Julieta Elizabeth de Albuquerque, com apenas 61 votos. Ela foi
indicada por Aras para a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do MP, que
trata de temas ligados ao meio ambiente.
O Conselho Superior
possui muitas atribuições: ele formula desde as regras para a distribuição de
inquéritos entre os procuradores até as diretrizes para os concursos públicos
da instituição, e pode barrar algumas iniciativas do PGR, embora não atue ou
interfira em investigações.
O motivo por trás do 'recado'
Segundo mais de um
procurador consultado pela BBC News Brasil, o resultado da disputa de
terça-feira é também uma reação a uma recomendação editada pelo Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP) e assinada por Augusto Aras na última
sexta-feira (19).
O texto pede aos
procuradores que não busquem a Justiça para modificar decisões de governantes
em temas nos quais não exista "consenso científico". Foi visto por
muitos membros do Ministério Público como uma forma de tentar cercear o
trabalho dos membros da instituição em meio à pandemia.
"Diante da
falta de consenso científico em questão fundamental à efetivação de política
pública, é atribuição legítima do gestor a escolha de uma dentre as posições
díspares e/ou antagônicas, não cabendo ao Ministério Público a adoção de medida
judicial ou extrajudicial destinadas a modificar o mérito dessas
escolhas", diz a recomendação de Aras.
O texto pede ainda
aos procuradores que respeitem "a autonomia administrativa" de
gestores como prefeitos e governadores. Além de Aras, a recomendação é assinada
também por Rinaldo Reis, corregedor nacional do MP.
O texto gerou
reações: na segunda-feira (22), as principais associações de procuradores
enviaram ofício a Reis defendendo a suspensão da recomendação. Pedem ainda que
o assunto seja discutido em reuniões e audiências públicas, antes que uma nova
decisão seja tomada.
Assinam o ofício
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp); a Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), além da ANPR.
A rebelião no MPF
A insatisfação dos
procuradores com Augusto Aras, no entanto, é mais antiga — para muitos deles, o
atual PGR é visto como excessivamente próximo ao presidente da República, Jair
Bolsonaro.
No começo de junho,
um manifesto de procuradores atingiu a marca de 655 assinaturas ao pedir que o
Congresso inclua na Constituição o mecanismo da lista tríplice na escolha do
PGR. O número representa mais da metade dos cerca de 1.150 membros do MP em
atividade no país. E inclui profissionais de diferentes "alas": desde
procuradores ligados ao combate à corrupção e à Lava Jato até membros que atuam
em questões de direitos humanos.
Embora não faça
críticas diretas a Aras, o texto foi mal recebido por ele — o procurador baiano
foi o primeiro a ser indicado para o cargo fora da lista tríplice desde 2003.
Na época, o atual
PGR minimizou a importância do ocorrido e disse que o manifesto, de apenas dois
parágrafos, era genérico. "Nesses termos, até eu assinaria esse
abaixo-assinado", disse.
"É um tema que
nunca foi debatido no Congresso. Todavia, eventual propositura de uma PEC (uma
proposta de emenda à Constituição) poderia ensejar reformas de toda sorte na
estrutura do Ministério Público, atingindo direitos e prerrogativas
constitucionais", disse ele, em tom de alerta.
Os organizadores do
manifesto negam que o objetivo seja atingir o procurador-geral — mas admitem
que o movimento pode ter gerado incômodo.
"Ninguém
questiona a legitimidade de Aras como PGR. Foi escolhido dentro do trâmite
legal. Mas, para ele, tratar da lista tríplice é como falar de corda em casa de
enforcado", diz um profissional à BBC News Brasil, sob anonimato.
"Resumir a questão à pessoa de Aras seria apequenar a pauta. A lista
tríplice é algo que existe desde 2003."
Já no entorno de
Augusto Aras, o manifesto foi percebido como algo motivado por oportunismo e
por ressentimento de pessoas que foram derrotadas na disputa pela PGR.
"É típico da
disputa política, mas preferia que não fizessem. Porque, bem ou mal, é o chefe
da nossa Casa, num momento difícil (...). Estamos no meio de uma pandemia,
temos mais de 30 mil mortos no país, e os colegas preocupados com lista
tríplice?", questiona um procurador próximo a Aras, sob anonimato.
"Da última vez
que essa máquina foi ligada, foi contra a (ex-PGR) Raquel Dodge, alegando que
(um projeto encampado por ela) violava o princípio do promotor natural. O que
não era verdade, mas colheu 600 assinaturas. Então, o mesmo grupo que fez
aquilo contra a Raquel no ano da eleição dela (2019, quando ela tentou mais
dois anos no cargo), agora está movendo o mesmo mecanismo. É a segunda vez que
tentam enfraquecer o PGR, o que é um tiro no pé", disse o procurador à BBC
News Brasil, sob anonimato.
Proximidade com Bolsonaro?
Nos últimos meses,
Augusto Aras se tornou alvo de críticas de procuradores por supostamente ter se
aproximado do presidente Jair Bolsonaro, o que ele nega.
Desde o início do
mandato, Aras se encontrou com Bolsonaro ao
menos seis vezes — muito mais que a antecessora, Raquel Dodge.
Ela só esteve com o ex-presidente Michel Temer duas vezes durante o período
correspondente.
A última
demonstração pública de alinhamento partiu do próprio Bolsonaro: no fim de
maio, o presidente acompanhava por videoconferência uma solenidade presidida
por Aras na sede da PGR, quando o presidente então "se convidou" para
encontrar o procurador-geral. Bolsonaro atravessou a Esplanada e passou cerca
de 15 minutos com Aras.
No mesmo dia,
Bolsonaro lançou nota dizendo "acreditar" no arquivamento de um
inquérito aberto para investigar as suspeitas de interferência dele na Polícia
Federal. A decisão sobre arquivar ou não cabe a Aras.
"No âmbito
macro, a gente tem começado a passar vergonha, né? Por que ele vai nas posses,
ele senta como se fosse da equipe, vai fazer reunião (com integrantes do
governo). E isso não é normal, do jeito que ele faz. Ele é vendido pelo
Bolsonaro como alguém da equipe", disse um procurador à BBC News Brasil,
sob anonimato.
Aras, por sua vez,
nega ser próximo do presidente da República. "Na verdade, não sou amigo do
presidente. Não temos relações de amizade. Temos relações de respeito",
disse ele numa entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, no começo
de junho.
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