Por Ricardo Brito
BRASÍLIA
(Reuters) - O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal
(STF), afirmou nesta terça-feira considerar como "inconcebível e
surpreendente" que haja no Estado quem diga que vai desrespeitar ordens
judiciais, destacando que esse discurso jamais será de um estadista, um dia
após o presidente Jair Bolsonaro ter dito em entrevista que as Forças Armadas
não aceitarão “um julgamento político para destituir um presidente
democraticamente eleito”.
"É
inconcebível e surpreendente, senhora presidente, que ainda subsista, na
intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que
insiste, de modo atrevido, em dizer que poderá desrespeitar o cumprimento de
ordens judiciais, independentemente de valer-se, como cabe a qualquer cidadão,
do sistema recursal previsto pela legislação processual!", disse Celso de
Mello, se dirigindo à presidente da 2ª Turma do STF, Cármen Lúcia.
"Esse
discurso jamais será de um estadista, pois estadistas respeitam a ordem
democrática e submetem-se, incondicionalmente, ao império da Constituição e das
leis da República!!!", completou ele.
Na véspera,
Bolsonaro praticamente repetiu o teor de uma nota divulgada na noite de
sexta-feira.
“Nós, militares
das Forças Armadas, e eu também sou militar, somos os verdadeiros responsáveis
pela democracia em nosso país”, disse Bolsonaro em entrevista à rádio e TV
BandNews, segunda-feira.
“Nós jamais
cumpriríamos ordens absurdas, mas também jamais aceitaríamos um julgamento
político para destituir um presidente democraticamente eleito”, acrescentou o
presidente.
Essa declaração,
assim como a nota de sexta —que foi assinada também pelo vice-presidente
Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo—, vem em meio ao
julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das primeiras duas ações
contra a chapa Bolsonaro-Mourão, vitoriosa em 2018 .
Sem citar
nominalmente Bolsonaro, Celso de Mello disse ser preciso "resistir com as
armas legítimas da Constituição e das leis da República".
"Sem juízes
independentes, senhora presidente e senhores ministros, jamais haverá cidadãos
livres", destacou.
Celso de Mello é
o relator do inquérito que investiga se o presidente cometeu crime ao tentar
mudar o comando da Polícia Federal, conforme acusação feita pelo ex-ministro da
Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Ele é um dos principais alvos das
críticas de Bolsonaro e apoiadores.
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ATENTADO
Em fala antes do
decano, Cármen Lúcia expressou preocupação sobre o atual cenário político.
Criticou quem não se preocupa com a convivência democrática e fez,
indiretamente, um desagravo após o prédio do STF ter sido alvo de um ataque com
fogos de artifício na noite do sábado.
"Atentados
contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferentes
voltam-se contra todos, contra o país. A nós cabe manter a tranquilidade, mas
principalmente a coragem e a dignidade de continuar a honrar a Constituição,
cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la para
garantir a sua aplicação a todos e por todos", disse.
Para Cármen
Lúcia, a Constituição não é um artifício e direitos não são de menor
importância, mas sim conquistas.
"Que não se
cogite que uma ação de uns poucos conduzirá resultado diferente do que é a
convivência democrática. Que não se cogite que se instalará algum temor ou
fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira. Tribunal é presente, está
presente", reforçou.
O ministro Edson
Fachin disse subscrever "por inteiro" as palavras de Cármen Lúcia e
disse que há a "necessidade imprescindível de sair da crise sem sair da
democracia".
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