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© Marcos
Corrêa/Presidência da República Bolsonaro em
reunião com integrantes do governo — entre eles Sergio Moro, de braços cruzados
à direita, cujas acusações contra o presidente ao deixar ministério motivaram
inquérito
O ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello planeja decidir até essa
sexta-feira (21/05) se o vídeo de uma reunião do presidente Jair Bolsonaro com
seus ministros no dia 22 de abril deve ser tornado público, seja integralmente
ou em parte.
Há grande
expectativa sobre o conteúdo da reunião porque, segundo o ex-ministro da
Justiça Sergio Moro, o presidente teria manifestado abertamente naquele
encontro a intenção de interferir na Polícia Federal, o que Bolsonaro nega. Além disso, o
vídeo, caso divulgado na íntegra, teria potencial de causar desgaste político
ao governo também devido a declarações polêmicas de alguns ministros, incluindo
ataques agressivos ao STF, a governadores de Estados e a outros países.
A gravação foi
incluída como possível prova no inquérito que investiga se houve ingerência por
Bolsonaro na PF, aberto após Moro se demitir do ministério em 24 de abril. Ele saiu por não
concordar com a decisão do presidente de demitir o então diretor-geral do
órgão, Maurício Valeixo, e nomear em seu lugar o delegado Alexandre Ramagem,
que acabou barrado pelo ministro do Supremo Alexandre
de Moraes devido a sua proximidade com a família presidencial.
Juristas ouvidos
pela BBC News Brasil se dividem sobre se já há elementos suficientes para
embasar uma denúncia criminal contra o presidente no STF independentemente do
teor do vídeo. A decisão caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras,
único que pode processar Bolsonaro criminalmente.
Por enquanto, já se
sabe que o presidente falou sobre a Polícia Federal na reunião ao menos uma
vez, referindo-se ao órgão por suas iniciais (PF). Isso foi revelado em
manifestação da Advocacia Geral da União (AGU) solicitando a Celso de Mello que
divulgue apenas parcialmente o teor do vídeo. Nesse pedido, o órgão transcreveu
duas breves declarações de Bolsonaro na reunião de cerca de duas horas.
Na primeira,
Bolsonaro reclama da falta de informações recebidas de três órgãos — Polícia
Federal, Forças Armadas e Agência Brasileira de Inteligência (Abin) — e diz que
por isso iria "interferir", sem especificar em qual. No segundo
trecho, o presidente reclama de não estar conseguindo trocar "segurança
nossa no Rio de Janeiro".
No primeiro trecho,
o presidente afirma: "Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu
tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças
Armadas que não têm informações: a Abin tem os seus problemas, tem algumas
informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas...
aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação".
E complementa:
"E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso — todos
— é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para
trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é
ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade".
Cinquenta minutos
depois, segundo a AGU, Bolsonaro fez uma segunda declaração.
"Já tentei
trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui.
Isso acabou. Eu não vou esperar f... minha família toda de sacanagem, ou amigo
meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que
pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não
pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para
brincadeira", afirmou o presidente.
A AGU ressalta que
o órgão responsável pela segurança do presidente e sua família é a Abin,
vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional. Já Moro diz que o presidente,
ao falar em "segurança" estava na verdade se referindo à superintendência
da PF no Rio de Janeiro — Estado que é reduto eleitoral de Bolsonaro e onde há
investigações sensíveis ao interesse de sua família sendo tocadas pela Polícia
Federal ou órgãos estaduais.
O comando da PF do
Rio já foi trocado duas vezes no governo Bolsonaro por solicitação do
presidente. Primeiro, em agosto de 2019, Ricardo Saadi foi substituído por
Carlos Henrique Oliveira Sousa, mas nesse caso Moro conseguiu impor um nome de
sua confiança. No ínicio desse mês, Oliveira deu lugar a Tácio Muzzi.
O presidente, por
sua vez, diz que se preocupa com sua segurança e de sua família desde que levou
uma facada na campanha presidencial, em setembro de 2018. Bolsonaro também
disse que reclamava na reunião da falta de relatórios de inteligência, não de
informações sobre investigações.
Vídeo pode ter impacto político e
jurídico
Para Davi
Tangerino, professor da direito penal da FGV e da UERJ, o que já foi revelado a
partir dos depoimentos de testemunhas no inquérito, da divulgação feita pela
AGU e a forma como Bolsonaro realizou a troca de comando da Polícia Federal em
Brasília e da superintendência do órgão no Rio de Janeiro já seriam elementos
suficientes para que ele seja denunciado pelo crime de prevaricação, que
consiste em "praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra
disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal", segundo o Código Penal. Na sua avaliação, o
vídeo, se de fato mostrar uma séria de falas agressivas do presidente e de
ministros do governo, pode contribuir para enfraquecer Bolsonaro politicamente
e reforçar os elementos que já existem para denúncia criminal.
A gravação da
reunião foi exibida na semana passada para investigadores da PF e da PGR e para
a defesa de Moro. Depois disso, foi vazado para a imprensa brasileira que o
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chamou o coronavírus de
"comunavírus" e disse que a doença covid-19 é uma "coisa da
China", com propósito de dominar outras nações.
Já o ministro da
Educação, Abraham Weintraub, teria xingado ministros do STF, enquanto a
ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, teria defendido
a prisão de governadores. O próprio Bolsonaro teria xingado o governador de São
Paulo, João Doria, e integrantes do governo do Rio de Janeiro.
"A
integralidade do vídeo talvez mostre um grande grupo de autoridades muito
descomprometido com as instituições, usando um linguajar de conversa de
botequim em uma reunião ministerial. Isso daria um contexto ruim para o
presidente, reforçando a denúncia por prevaricação", acredita Tamarindo.
Já Alamiro Velludo,
professor de direito penal da USP, ainda não vê indícios criminais que
sustentem uma denúncia contra o presidente. Na sua avaliação, apenas se vierem
à tona provas de que Bolsonaro tenha atuado concretamente para interferir em
investigações específicas, por exemplo, com uma fala explícita do presidente na
reunião ministerial, ele poderia ser denunciado. "Acho muito
difícil tomar alguma posição do ponto de vista jurídico sem o aspecto daquilo
que ocorreu na fatídica reunião ministerial", afirma.
Velludo ressalta
que o Presidente da República tem a prerrogativa (o poder) de definir o comando
da Polícia Federal e que essa escolha tem dimensão "técnica e
política". "Quando se
outorga ao presidente essa escolha, inegavelmente representa uma escolha
política. Então, é normal que o presidente escolha aquelas pessoas que ele já
conheça o trabalho ou tenha tido algum nível de relação. Isso é comum, assim
como na escolha dos ministros e de qualquer autoridade administrativa que se
faça dentro do modelo de discricionariedade do governante", disse.
"Para que essa
escolha ultrapasse a dimensão da arena política e vire um problema jurídico de
irregularidade, tem que ser demonstrado muito cabalmente, a meu ver, que aquele
delegado X foi nomeado para interferir numa investigação Y, ajudando C. Se não
houver isso, é temerário tornar uma discordância política que existiu entre o
presidente e o ex-ministro Moro num problema jurídico", reforça.
'Conjunto da obra'
Tamarindo, por sua
vez, considera que a identificação de uma investigação específica que teria
sofrido interferência indevida pelo presidente seria necessária para uma
denúncia pelo crime de obstrução de Justiça, mas não para uma denúncia por
prevaricação (crime que consiste em "praticar indevidamente ato de ofício,
ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal"). Ele ressalta que a
"temporalidade" dos acontecimentos reforça a versão de Moro, já que o
comando da PF foi trocado dois dias após o presidente manifestar na reunião
ministerial sua intenção de interferir no órgão e na "segurança" do
Rio de Janeiro.
O professor da FGV
destaca, ainda, o depoimento do delegado Carlos Henrique Oliveira de Souza,
recém-removido da superintendência da PF no Rio de Janeiro para ser
diretor-executivo da Polícia Federal, em Brasília, segundo cargo mais
importante na hierarquia do órgão. Segundo reportagem
do jornal Folha de S.Paulo, Oliveira de Souza corrigiu, na terça-feira (19), o
depoimento que havia dado na semana passada para informar que foi convidado
para deixar a superintendência do Rio já no dia 27 de abril, por Alexandre
Ramagem, quando este ainda era cotado para ser o diretor-geral.
Assim, sua nova
declaração entrou em contradição com o depoimento de Ramagem no inquérito, já
que ele havia dito que não houve interferência na remoção de Souza pelo novo
diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza. Alexandre de Souza foi
escolhido para comandar a PF após Ramagem ser barrado pelo STF. "O conjunto da
obra mostra o interesse particular indevido do presidente nesse assunto (de
nomeações da PF)", afirma Tamarindo.
Vídeo deve ser divulgado?
De acordo com o
jornal Estado de S. Paulo, o ministro Celso de Mello ficou "incrédulo"
ao assistir o vídeo da reunião ministerial na segunda-feira (18). Ainda segundo
o veículo, "a tendência do ministro é atender ao pedido do ex-ministro
Sergio Moro e levantar o sigilo da íntegra do vídeo do presidente Jair
Bolsonaro com seus auxiliares, em nome do interesse público".
A reportagem lembra
que Celso de Mello já destacou em uma decisão do início deste mês "não
haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível
reservado ao mistério". Os professores
ouvidos pela BBC News Brasil, porém, consideram que o mais adequado seria o
ministro liberar o conteúdo apenas dos trechos da reunião relacionados ao
objeto do inquérito, ou seja, a possível interferência na PF pelo presidente. É
essa a posição da PGR, enquanto a AGU sugeriu que Celso de Mello retire o
sigilo de todas as falas do presidente, preservando declarações de ministros.
Para Tamarindo, a
liberação integral do vídeo poderia criar um precedente para futuras
interferências indevidas do STF no Poder Executivo. "Essa decisão
abriria uma brecha institucional que amanhã pode ser alargada ou mal
interpretada. Eu sou muito cuidadoso na abertura de exceções, porque, uma vez
aberta a primeira, você não sabe como será a segunda", afirma.
"Amanhã mudam
os ministros do Supremo, muda o Presidente da República, e não sabemos como
esse precedente pode ser usado em outras decisões", argumenta ainda.
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