Mauro Luís Iasi
Contrapoder
Imaginemos um jogo
muito disputado, um jogador entra maldosamente por trás e com intenção de
derrubar o adversário. O juiz apita a falta e é cercado pelos colegas do atleta
no chão, gritando de dor. O árbitro está com a mão no bolso superior e olhar
severo… mas, começa a divagar para si mesmo.
O cara já tem um
cartão amarelo, o segundo o expulsará. O jogo já está indo para sua parte
final, o clima no estádio não está nada bom. Aquele beque grandão está me
olhando feio – pensa o juiz – acho que eu conheço ele, lá da padaria perto de
casa. A mão sai do cartão ainda no bolso e gesticula severamente para o
agressor, dando a entender que agora chega, acabou. O cara faz uma expressão de
arrependido, levando as duas mãos ao peito – não fiz nada – e em seguida formando
uma bola – fui na bola.
Pergunta. A aplicação
do cartão e suas consequências punitivas devem levar em conta o clima do
estádio, o momento do jogo, as possíveis implicações no placar final, ou se foi
ou não uma falta violenta, maldosa, por trás, quando o atacante ia em direção
ao gol?
Pois bem, caros
companheiros, fico impressionado com a cara de pau daqueles que posam de
protagonistas das combalidas instituições da República. De repente não
interessa se o desqualificado cometeu ou não um crime, mas se é ou não o
momento de julgá-lo e aplicar as medidas cabíveis. Será este o procedimento da
PM nas periferias e favelas de nosso país, ou dos juízes diante de réus
assustados argumentando as circunstâncias e implicações de seus atos?
O Presidente da
República foi flagrado cometendo, não um, mas vários crimes. Nas eleições usou
fartamente de redes de robôs disparando fake news e a justiça eleitoral nada
fez. Ameaçou estuprar, elogiou um conhecido torturador, mentiu descaradamente
em rede nacional (sobre as eleições terem sido fraudadas e ter provas, ter
assinado decretos sem ler, amenizando uma pandemia, ocultando os resultados de
seus exames, etc.). Convocou e participou de atos exigindo o fechamento do
Congresso, do STF e pela volta da Ditadura. Interferiu em investigações em
curso para proteger seus filhos e a si mesmo, como no caso do cheque de sua
esposa, a rachadinha no gabinete de seu filho, o sumiço do Queiroz, o caso do
porteiro, seu vizinho assassino e suas possíveis ligações com a milícia e o
escritório do crime. Sem contar com as descaradas atitudes de descumprimento
das orientações sanitárias colocando em risco a população numa pandemia.
Diante de tudo isso o
que faz o Presidente da Câmara dos Deputados que é quem pode acolher e
investigar as denúncias? Pensa no momento do país e no clima, na
responsabilidade das instituições e no diálogo, na prioridade do enfrentamento
da pandemia. Não, não é o que parece. Vamos aos fatos.
O senhor Rodrigo Maia
é do DEM. O presidente do DEM e prefeito de Salvador esteve reunido com
Bolsonaro, negociando cargos e apoios em troca da promessa de não acolher os mais de 24
pedidos de impeachment já apresentados. É escandaloso, é como se o juiz
interrompesse o jogo e fosse conversar com o presidente do time do faltoso e
voltasse argumentando que, apesar de ser uma falta violenta e até merecer o
vermelho direto, o mais importante neste momento é tratar da perna fraturada do
centroavante.
A ideologia, como
sabemos, opera na corrente das palavras. Os jornais anunciam que está em
andamento uma operação de garantia da base no Congresso que evite o impedimento
da besta fera na presidência buscando o apoio do “centrão”. O termo foi criado
para identificar um segmento no parlamento que se sentia deslocado no
funcionamento do chamado “presidencialismo de coalizão”. Neste, os líderes de
bancadas negociam cargos, emendas e outras coisinhas mais em troca de apoio
político e formação de maiorias nas casas.
Como não tem jabá para todo mundo, o
poder das lideranças, participação nas comissões, visibilidade, impunha os
acordos. A revolta dos bagrinhos, o segundo escalão da escória, que encontrou
em Cunha a expressão adequada, mostrou ser uma força política ao mesmo tempo
útil, como foi na deposição de Dilma, e incômoda.
Merval Pereira, esta
manifestação destilada de ignorância política e capachismo à ditadura da pauta
editorial da Globo, chegou a elogiar em alto tom que o presidente eleito em
2018 estava inovando ao governar sem acordos com partidos e bancadas, ecoando a
duvidosa pretensão do representante da extrema direita em ser o protagonista de
uma “nova política”. O acordo da velhíssima política já havia sido feito, com
Supremo e com tudo sob a tutela militar. Mas, como sempre, é necessário
esconder o velho sob a capa enganosa da novidade.
O termo “centrão” é,
no entanto, ideologicamente enganoso. Vamos a um exemplo simples. O DEM, do
senhor Maia e ACM Neto, é do centrão? Eles e o MDB são a expressão do que é
mais fisiológico neste país, sempre envolvidos em intrigas palacianas e
acordos. Não é o centrão, é a direitona mesmo. O DEM participa do governo, o
apoia e sustenta. É a direita que agora está salvando a extrema direita e o
criminoso da ameaça de impedimento.
O que fazer? Sei lá,
mas em jogos em que a roubalheira fica muito clara… a torcida costuma invadir o
gramado.
Mauro Iasi é educador
popular do NEP 13 de Maio, professor Associado da Escola de Serviço Social da
UFRJ e pesquisador do NEPEM. Membro do Comitê Central do PCB.
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