Foto: AP Photo/Eraldo Peres |
IGOR GIELOW
O presidente
Jair Bolsonaro fez seu novo ataque ao Legislativo e ao Judiciário exaltando o
papel das Forças Armadas, que segundo ele estão "ao lado do povo".
Não seria
novidade, exceto por um detalhe: na véspera, o presidente havia se reunido com
os três comandantes de Forças, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo,
e o chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.
No cardápio
posto, segundo a assessoria de Azevedo, "uma avaliação do emprego das
Forças Armadas na Operação de Combate ao Coronavírus, além de avaliação de
determinados aspectos da conjuntura atual". O demônio mora
nos detalhes, no caso os tais determinados aspectos. Segundo a Folha ouviu de
interlocutores de pessoas presentes ao encontro, o Supremo Tribunal Federal foi
duramente criticado pelos presentes.
O motivo, a
decisão provisória de Alexandre de Moraes que inviabilizou a indicação de um
amigo da investigada família Bolsonaro, Alexandre Ramagem, para a direção da
Polícia Federal. Isso significa
que os generais deram amparo à nova intentona retórica do presidente? Aqui há
divergências nos relatos disponíveis.
A versão
majoritária apontou a crítica fardada, que de resto já tinha sido feita ao
considerar Judiciário e Congresso como forças a cercear o Executivo, mas nega
que o presidente tenha sido encorajado a novamente desafiar os Poderes. Uma leitura
alternativa diz que o presidente se sentiu autorizado a ultrapassar o sinal
novamente. No ato de 19 de
abril, Dia do Exército, o simbolismo era óbvio, mas velado.
Neste domingo
(3), Bolsonaro encheu a boca para colocar as Forças Armadas no mesmo bloco que
pedia a cabeça do presidente a Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ataques ao
Supremo e, de quebra, espancava jornalistas no Dia Mundial da Liberdade de
Imprensa. Isso abraçando
na rampa do Planalto as bandeiras de Israel e dos EUA, além da brasileira, numa
cacofonia caótica emulada pelas carreatas da morte vistas em algumas cidades do
país.
A terceira
leitura, aí feita por políticos, é a especulação acerca do entusiasmo dos
militares com aventuras totalitárias. Isso hoje é
improvável. Não se imagina a atual cúpula militar brasileira apoiando
fechamento de Poderes, para ficar na caracterização de golpe.
Além disso, não
há apoio maciço ao governo na elite econômica, na imprensa e mesmo entre todos
os ramos das Forças: Força Aérea e Marinha não têm o mesmo senso de comprometimento
com a figura de Bolsonaro que o Exército, fiador de um capitão reformado e
renegado.
Pior, os
aviadores podem perder o único quinhão a que têm direito no governo, o
Ministério da Ciência e Tecnologia, para o PSD, dentro da barganha comandada
por Bolsonaro para afastar o fantasma do impeachment. Ainda assim, a
contemporização feita por alguns oficiais ouvidos pela reportagem, de que
Bolsonaro se excede sem consequências, fica cada dia mais difícil de ser
aceita.
Um general
afirmou confiar que a população em geral não vê os militares como radicais do
bolsonarismo. Talvez, mas a fronteira está cada vez mais turva: ele mesmo
admite que a associação é provável. Para complicar o
enredo, um item altamente explosivo no cenário voltou a circular entre os observadores
do panorama militar: a substituição do comandante do Exército, general Edson
Leal Pujol.
Nem tanto por
uma troca em si, de resto estranha com o comandante tendo pouco mais de um ano
no posto, mas por quem seria o indicado por Bolsonaro: Luiz Eduardo Ramos. O general, que
segue na ativa enquanto exerce a função no Palácio do Planalto, era talvez o
mais bolsonarista dos integrantes do Alto Comando do Exército, a elite da elite
militar. Amigo de
Bolsonaro quando ambos eram cadetes, dividindo dormitórios, ele sempre foi o
número 2 de Azevedo, hoje ministro da Defesa e pivô da ala militar do governo.
Mas sua
vinculação sempre foi especial com Bolsonaro. Sua eventual ida para o comando
criaria exatamente o oposto do que o general otimista relatou: a ideia de um
Exército liderado por uma aliado ideológico do presidente. A Folha de
S.Paulo procurou Ramos para inquiri-lo sobre isso, mas ele não respondeu.
A retórica
inflamada do presidente também tem a ver com o momento específico de seu
governo, acumulando 7.000 mortos pelo novo coronavírus e sentindo a brisa do
impeachment no ar. Espectro esse
que ronda o Planalto, para ficar na figura de linguagem marxista tão ao gosto
do bolsonarismo raiz.
Como disse um
almirante, há incertezas demais para garantir que o presidente não será alvo de
um processo de impedimento, apesar de seu um terço de apoio no eleitorado.
O nome da
equação se chama Sergio Moro. O depoimento de quase nove horas do ex-ministro
da Justiça a ouvintes bastante familiarizados com os métodos do ex-juiz da Lava
Jato apavora os bolsonaristas. Qualquer pessoa
que já tenha trocado uma mensagem de WhatsApp com Bolsonaro sabe que
vulgaridades e sem-cerimônia são o padrão. Provas que o
incriminem talvez estejam no rol também, a depender de como forem interpretadas
as conversas.
Isso, somado aos
sortilégios que apurações sobre milícias e fake news insinuam sobre o clã
presidencial, além do comportamento na condução da crise do coronavírus,
alimentam o discurso de Bolsonaro. O uso feito por
Bolsonaro dos militares, ainda mais depois de estar cercado deles, explicita o
real drama para a os fardados: a intrínseca conexão com a política, algo que
conseguiram evitar durante boa parte do período pós-redemocratização.
O preço de
imagem ainda é insondável, mas apenas o fato de serem questionados acerca de
seus desígnios evidencia o tamanho do gênio que permitiram sair da garrafa ao
se alinhar a Bolsonaro. Os militares terão de responder sobre o discurso
golpista do presidente.
EM TEMPO: Bolsonaro está se aproveitando da pandemia do COVID 19, para dar um auto-golpe se manter no poder e fazer o que bem quer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário