(Foto: Giuliano Gomes/Folhapress) |
FLÁVIO FERREIRA
CURITIBA, PR -
02.05.2020 - SERGIO-MORO - Manifestação em frente à Polícia Federal, em
Curitiba (PR). Ex-ministro Sergio Moro será ouvido na condição de testemunha
sobre as acusações de que o presidente Bolsonaro tentou interferir na Polícia
Federal, neste sábado (02)
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sergio
Moro está diante de um dilema jurídico. Se realmente apresentar provas duras
contra o presidente Jair Bolsonaro, como tem prometido desde que deixou o
governo, o ex-ministro da Justiça corre o risco de autoincriminação em
inquérito aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Essa situação ocorre porque um dos
delitos sob investigação diz respeito à suposta omissão do ex-juiz da Lava Jato
em relação a possíveis ilegalidades praticadas pelo presidente.
Quando pediu demissão do cargo, Moro
falou em tentativas de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.
Diante dessas acusações, o
procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito
para apurar o caso, o que foi aceito pelo Supremo.
Moro deve prestar depoimento à PF
neste sábado (2), em Curitiba -ele foi marcado após o ministro do STF Celso de
Mello dar o prazo de cinco dias para a corporação ouvir o ex-ministro.
Pela manhã, Bolsonaro chamou Moro de
"Judas" e afirmou a apoiadores na porta do Palácio do Alvorada, que
criticavam o STF, que ninguém dará um golpe em seu governo.
O dilema atual de Moro na
investigação é levantado por especialistas ouvidos pela Folha. Segundo parte
deles, porém, há aspectos técnicos penais favoráveis ao ex-ministro no
inquérito.
No pedido de abertura de inquérito, o
procurador-geral da República afirmou que, em tese, oito crimes podem ter sido
cometidos. São eles: falsidade ideológica, coação no curso do processo,
advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada,
prevaricação, denunciação caluniosa e crimes contra a honra.
Segundo interlocutores da PGR, os
três últimos crimes podem ter sido cometidos, em tese, por Moro. Já o chefe do
Executivo pode ser enquadrado nos outros cinco delitos e também no de
prevaricação.
O delito de prevaricação, por
exemplo, ocorre quando um funcionário público deixa de praticar um ato que está
nas atribuições de seu cargo para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
A pena é de detenção, que pode variar
de três meses a um ano, e de multa. Esse tipo de delito é considerado de menor
potencial ofensivo e não leva os condenados à prisão. Em regra, a pena é
convertida em multa ou prestação de serviços à comunidade.
Já o crime de denunciação caluniosa,
outro apontado nos bastidores em relação a Moro, é o que tem a pena mais alta,
que é de dois a oitos anos de reclusão, e multa. Esse delito ocorre quando uma
pessoa pratica um ato que leva à abertura de uma investigação oficial ou a um
processo judicial, contra alguém que ela sabe ser inocente.
A apuração no STF também trata de
crime contra a honra, e o mais grave nessa categoria é o de calúnia. O delito
ocorre quando alguém afirma falsamente que outra cometeu um crime. A pena é de
detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
O caso no STF tem como relator o
ministro Celso de Mello. Tecnicamente, tanto o ex-juiz quanto Bolsonaro são
considerados investigados. O requerimento de Aras foi apresentado ao tribunal
em 24 de abril, horas depois de Moro ter feito um pronunciamento para anunciar
seu pedido de demissão e apresentar acusações graves contra Bolsonaro.
Na oportunidade, o ex-juiz afirmou
que Bolsonaro pretendia tirar Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia
Federal para aumentar suas relações com a corporação e ter acesso a informações
sobre investigações em andamento.
De acordo com o ex-ministro, "o
presidente queria alguém que ele pudesse ligar, colher informações, relatório
de inteligência. Seja o diretor, seja o superintendente".
Em entrevista à revista Veja na qual
reafirmou que vai apresentar provas de suas alegações contra Bolsonaro ao STF,
Moro afirmou ainda que o pedido de abertura das inquérito de Aras foi
"intimidatório" por incluir a apuração sobre denunciação caluniosa e
crime contra a honra.
"Entendi que a requisição de
abertura desse inquérito que me aponta como possível responsável por calúnia e
denunciação caluniosa foi intimidatória. Dito isso, quero afirmar que estou à
disposição das autoridades", disse.
Aras respondeu por meio de nota. Ele
refutou a afirmação de Moro e disse que "não aceita ser pautado ou
manipulado ou intimidado por pessoas ou organizações de nenhuma espécie".
Mas é em referência à prevaricação
que Moro corre o risco de autoincriminação. Suas eventuais provas terão
influência direta na apuração do delito.
Em relação a esse tema, o advogado
criminalista e presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB,
Leandro Sarcedo, diz que Moro pode estar em um dilema porque "a regra é a
de que qualquer pessoa do povo pode comunicar um crime de que tenha tomado
ciência, já as autoridades devem comunicar".
"Esse tema das provas antigas é
um tanto embaraçoso porque ele estava na posição de garantidor da lei e da
ordem, como ministro da Justiça, e de repente deixa passar coisas que deveriam
ter algum tipo de investigação", afirma Sarcedo.
Já Marco Aurélio Florêncio, professor
de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem um entendimento
diferente sobre a situação jurídica de Moro no governo. Para ele, o ministro da
Justiça tem como função auxiliar o presidente, que é quem realmente pratica os
atos administrativos.
Para exemplificar, Florêncio comparou
o caso com o de uma empresa que possui um departamento de prevenção de ilícitos
(compliance, na língua inglesa).
"Se o diretor desse setor alerta
o presidente da companhia sobre provável ilegalidade de um ato, mas mesmo assim
o chefe pratica o ato, o subordinado não deverá ser responsabilizado, pois
orientou quem tinha o poder de decisão a agir conforme a lei", diz o
professor do Mackenzie. "O ministro é isso, é apenas um funcionário, o
tomador de decisão é o presidente da República", completa.
Há divergência entre os especialistas
também quanto à configuração jurídica da possível conduta de Moro.
Segundo o advogado e professor de
direito penal da USP Pierpaolo Bottini, o eventual surgimento de evidências de
que Moro teve acesso a provas sobre crimes cometidos por Bolsonaro poderia
levar ao enquadramento do caso no artigo 66 da Lei de Contravenções Penais.
Esse dispositivo legal estabelece que
comete delito o funcionário público que deixar de comunicar à autoridade
competente crime de que teve conhecimento no exercício de função pública. De
acordo com Bottini, para se chegar à prevaricação, seria necessário comprovar
cabalmente que Moro teria sido omisso para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal.
Outro aspecto da discussão jurídica
apontado pelos especialistas diz respeito ao período de tempo e intensidade das
supostas pressões de Bolsonaro.
O advogado criminalista e conselheiro
da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) Rodrigo Nabuco diz que, se Moro
teve uma conversa com o presidente meses atrás e não agiu desde então, pode ter
prevaricado.
"Caso seja uma situação mais
antiga, ele [Moro] sabe que o presidente está cometendo um crime, ele como
ministro da Justiça não pode permitir. Ele tinha que tomar as providências:
oficiar ao procurador-geral da República e pedir demissão", completa
Nabuco.
O advogado criminalista Fernando José
da Costa diz que é preciso ter um contexto mais grave do que se conhece hoje
para se falar em crime de prevaricação de Moro.
"O ex-ministro não se
autoincrimina mesmo com provas passadas, porque o deixar de agir não é num
primeiro ato, mas numa somatória de atos. Seria preciso ter um ano inteiro de
pressão descarada", afirma.
Moro informou por meio de sua
assessoria que não vai se manifestar sobre os temas do inquérito.
OS CRIMES QUE PODEM SER ATRIBUÍDOS A
MORO NO STF
PREVARICAÇÃO
O delito está na parte do Código
Penal dedicada aos crimes cometidos por funcionário públicos
O artigo 319 do texto legal
estabelece que comete o crime aquele que retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei,
para satisfazer interesse ou sentimento pessoal
A pena é de detenção, de três meses a
um ano, e multa
DENÚNCIA CALUNIOSA
O crime está definido pelo Código
Penal como um delito contra a administração da Justiça
Segundo o artigo 339 do código,
pratica a ilegalidade quem dá causa à instauração de investigação policial, de
processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil
ou ação de improbidade administrativa contra alguém que sabe ser inocente
A punição é de reclusão, de dois a
oito anos, e multa
CRIME CONTRA A HONRA
O mais grave dos crimes contra a
honra previsto no Código Penal é o de calúnia
De acordo com o artigo 138 da lei, o
delito ocorre quando alguém afirma falsamente que outra cometeu um crime
A pena é de detenção, de seis meses a dois anos, e
multa
Nenhum comentário:
Postar um comentário