Imagem: Marcos Corrêa/PR. |
Antes aliados, Sérgio Moro e Jair Bolsonaro agora protagonizam crise política e trocam acusações.
Alex Tajra e Arthur
Sandes Do UOL, em São Paulo 06/05/2020
RESUMO DA NOTÍCIA:
· Advogados consultados pelo UOL analisam depoimento de Sergio
Moro à PF
· Especialistas apontam possíveis crimes, mas ressaltam
necessidade de apuração
· Bolsonaro pode ser enquadrado por tentar interferir da PF em
causa própria. · Moro poderia ser punido por presenciar delitos e não informar as
autoridades
O depoimento dado pelo ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal
(PF) no último sábado (2) contém elementos de obstrução de Justiça,
prevaricação e advocacia administrativa, segundo os especialistas ouvidos pelo
UOL. O documento aponta possíveis atos ilícitos tanto do presidente Jair
Bolsonaro (sem partido) quanto do próprio ex-ministro.
Na íntegra do depoimento, Moro afirmou que Bolsonaro lhe disse
por mensagem querer "apenas uma" das 27 superintendências da Polícia
Federal: a do Rio de Janeiro. Disse também que o presidente gostaria de ter
"pessoas de sua confiança" na chefia da PF, além de "obter
relatórios de inteligência" aos quais não tinha acesso. Por fim, afirmou
ainda que Bolsonaro considerava a investigação de deputados da base de seu
governo como "mais um motivo para a troca" na PF.
Obstrução de Justiça, de um e de outro.
Moro afirmou em seu depoimento que Bolsonaro lhe enviou uma
notícia por WhatsApp sobre a Polícia Federal estar "no encalço de
deputados bolsonaristas", e que este seria "mais um motivo para a
troca da PF". Tal diálogo aponta mais claramente para obstrução de
Justiça, dizem os especialistas.
"Se a intenção for trocar o superintendente porque ele não
quer que investigue deputados bolsonaristas, a tipificação está clara. Seria
uma conduta antidemocrática, mas ainda é preciso que seja investigada",
afirma Ivana David, desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo.
"A interferência na Polícia Federal, em si, não é um
problema criminal: Bolsonaro é o chefe da República e portanto pode interferir.
Mas por que interferir? Fica claro que a intervenção se devia somente por causa
das investigações no Rio de Janeiro, local onde está a principal atuação da
família Bolsonaro", aponta Bruno Salles, advogado criminalista.
Por outro lado, o próprio comportamento de Moro em seu
depoimento é questionado por criminalistas.
O ex-ministro disse que não disponibilizou à PF mais mensagens
[de seu celular] pois elas "têm caráter privado (inclusive as
eventualmente apagadas), ou se tratam de mensagens trocadas com autoridades
públicas, mas sem qualquer relevância para o caso, no seu entendimento”.
“Se alguém diz ter mais informações, mas não achar ser relevante, em qualquer lugar do Brasil levaria a uma busca e apreensão", aponta Salles.
“Se alguém diz ter mais informações, mas não achar ser relevante, em qualquer lugar do Brasil levaria a uma busca e apreensão", aponta Salles.
“Não é ele, Moro, que conduz este inquérito; não é a testemunha
que diz o que é ou não relevante para o inquérito. Talvez seja o cacoete de um
ex-juiz, mas isso não cabe mais a ele, cabe aos delegados, à Procuradoria e ao
STF. Isso é o mais grave neste depoimento”.
Bruno Salles, advogado criminalista
A obstrução de Justiça não está prevista no Código Penal. O que
há, por exemplo, no artigo 348, é a tipificação de "favorecimento
pessoal", com pena de um a seis meses de prisão, além de multa.
Presidente não tem direito de acessar investigações, diz
juristas.
Moro afirmou em depoimento que, "crescendo as pressões para
as substituições, o presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto
que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir,
telefonar e obter relatórios de inteligência". Na visão dos especialistas,
este desejo de Bolsonaro seria ilegal.
“A PF é uma polícia de Estado, nunca de governo. A questão é:
trocar a chefia para interagir sobre o quê? Se estes 'relatórios de
inteligência' forem sobre investigações em andamento, o presidente não tem este
direito na função dele Ivana David, desembargadora do TJ-SP”.
Já Salles reforça a ilegalidade desta suposta ambição do
presidente da República. "Ele ter uma pessoa de confiança na chefia da PF
não é um problema, ter acesso a relatórios não é problema. O que ele não pode é
ter informações relativas a investigações. Se os relatórios de inteligência que
ele quer são relativos a investigações, isso é ilegal, pode ser considerado
advocacia administrativa ou violação de sigilo funcional", explica.
O artigo 321 do Código Penal prevê que "patrocinar, direta
ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se
da qualidade de funcionário" pode dar de um a três meses de detenção, ou
multa.
Demora de Moro pode ser vista como prevaricação
Ao longo do depoimento, Moro afirma que a pressão de Bolsonaro
para interferir na PF durou meses. A mensagem "você tem 27
Superintendências, eu quero apenas uma" teria sido enviada pelo presidente
ainda em março, e o ex-ministro só pediu demissão e a tornou pública mais de um
mês depois. Esta demora poderia ser tipificada como prevaricação, que é crime.
"O próprio tipo penal de prevaricação prevê esta hipótese.
Se o agente público toma conhecimento de um delito ou de conduta que pode ser
considerada delituosa, não pode guardar esta informação para usá-la depois. O
dever de ofício exige avisar imediatamente às autoridades", diz o advogado
Bruno Salles.
Yuri Félix, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM) é mais cauteloso em relação à hipótese de prevaricação, mas
diz que o ex-ministro ao menos "flertou" com a infração.
“Do ponto de vista de Moro ter ciência da possibilidade de um
delito, e retardar a comunicação, ele flertou com uma eventual prevaricação.
[...] O que podemos falar, partindo da premissa de que Moro tenha expressado os
fatos que ocorreram, é que princípios elementares da administração pública,
como a moralidade e pessoalidade, foram feridos gravemente”.
Yuri Félix, advogado criminalista
Estratégia defensiva de Moro
O ex-ministro disse no depoimento que "os fatos narrados
[em sua coletiva de demissão] são verdadeiros", mas que "não afirmou
que o presidente teria cometido algum crime". O ex-ministro teve o cuidado
de afirmar que "a avaliação quanto a prática de crime cabe às instituições
competentes".
Para o advogado criminalista Gustavo Polido, esta é apenas uma
"estratégia defensiva" de Moro. "Ele estaria apenas 'comunicando
fatos', e não 'capitulando fatos e atribuindo responsabilidade'. Assim pode
retirar sua responsabilidade, uma vez que comunicar fatos à autoridade policial
é dever de todos e qualquer cidadão, mas imputar falsamente um crime a alguém
pode ser entendido como falsa comunicação
de crime ou até delito contra a honra", explica Polido.
O advogado criminalista David Metzker concorda.
“Esta fala é exatamente para poder fugir da denunciação
caluniosa. O intuito é precisamente o de fragilizá-la caso os crimes
denunciados não sejam provados. Na minha opinião [esta denunciação caluniosa]
realmente fica um pouco fragilizada em razão do depoimento”.
David Metzker, advogado criminalista
"É simplesmente semântica. Pode-se dizer a mesma coisa de
formas diferentes", completa o advogado Bruno Salles.
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