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© Reprodução/Facebook Bolsonaro e apoiadores durante ato no último
domingo (3), em Brasília
Um dia após o
presidente Jair Bolsonaro comparecer a um novo ato com pautas antidemocráticas,
em que disse contar com apoio das Forças Armadas, o Ministério da Defesa se
manifestou reforçando o compromisso dos militares com a Constituição.
Em nota assinada pelo ministro (e
general da reserva) Fernando Azevedo, a pasta diz que "as
Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da
liberdade". O comunicado de segunda-feira também afirma que "qualquer
agressão a profissionais de imprensa é inaceitável", em repúdio aos
ataques violentos a jornalistas e fotógrafos por manifestantes em frente ao
Palácio do Planalto, durante o ato de apoio a Bolsonaro no domingo.
Para estudiosos das
Forças Armadas ouvidos pela BBC News Brasil, a manifestação do Ministério da
Defesa marca um afastamento da cúpula militar do radicalismo do presidente.
Estes analistas, no entanto, manifestam preocupação com a possibilidade de
oficiais de média e baixa patente aderirem a movimentos autoritários.
Além da agressão a
jornalistas — o fotógrafo Dida Sampaio, do jornal Estado de S.Paulo, chegou a
ser derrubado no chão e recebeu socos e chutes —, o ato de domingo em frente ao
Palácio do Planalto foi marcado por ataques ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal
e ao ex-ministro da Justiça Sergio Moro que se demitiu acusando Bolsonaro de
querer intervir na Polícia Federal.
Em discurso feito
na rampa do Palácio do Planalto, Bolsonaro disse: "Vocês sabem que o povo
está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da
liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado. Quanto aos algozes, peço a
Deus que não tenhamos problema esta semana, porque chegamos no limite. Não tem
mais conversa". Duas semanas antes,
ele fez manifestação de teor semelhante em outro ato de caráter autoritário
realizado por seus apoiadores em frente ao Quartel-General do Exército, em
Brasília.
Para Antonio Jorge
Ramalho da Rocha, professor de relações internacionais da UnB, com pesquisa nas
áreas de segurança internacional e defesa nacional, "hoje, não há dúvida
acerca da unidade de comando e do compromisso das cúpulas militares com as instituições
e valores democráticos vigentes, embora todos estejamos de acordo em que há
muito o que fazer para melhorar nossas instituições e práticas políticas". "Mas, com o
passar do tempo, não é impossível o surgimento de divisões internas em relação
a esse compromisso das Forças com o Estado. E esse risco cresce na proporção da
participação de oficiais da ativa no governo", acredita.
O número de
militares ocupando cargos civis no governo federal se aproxima de 3 mil. Em
março, eram 2.897 os cedidos por Exército, Marinha e Aeronáutica para outras
áreas, segundo dados do Ministério da Defesa repassados à BBC News Brasil em
março. Eles ocupam desde funções no terceiro e segundo escalão da administração
federal a postos na alta cúpula do governo, com destaque para três ministérios
localizados dentro do Palácio do Planalto — Casa Civil (general da reserva
Braga Netto), Secretaria de Governo (general da ativa Luiz Eduardo Ramos) e
Gabinete de Segurança Institucional (general da reserva Augusto Heleno).
Relação ambígua
O cientista
político Octavio Amorim Neto, professor da Ebape/FGV, diz que as Forças Armadas
estão em uma "situação extremamente ambígua" dentro da gestão
Bolsonaro. Por um lado, não tinham tanto poder político desde 1985, ano da
redemocratização do país após duas décadas de ditadura militar. Por outro, a
cúpula das Forças Armadas tenta diferenciar o que é a instituição do que é
governo, salientando que os ocupantes dos cargos mais altos já estão na reserva
ou se licenciaram da carreira militar, caso do ministro Ramos.
"Essa situação
muito turva, ambígua, vai gerando riscos crescentes de, de repente, um ator
individual menor, tomar uma decisão mais ousada e o processo desandar para uma
grande crise política", acredita.
O professor
exemplifica sua tese lembrando da crise de segurança pública gerada pelo motim
de policiais militares no Ceará, em que o senador Cid Gomes (PDT-CE) chegou a
ser baleado quando enfrentou os grevistas. Na época, analistas da área de
segurança pública viram o risco de alastramento da crise para outros Estados,
por causa do fortalecimento político da categoria policial, grupo muito
presente na base eleitoral de Bolsonaro.
"Até o
momento, os comandantes das três Forças (Exército, Aeronáutica e Marinha) que
têm dado o tom das Forças Armadas. E se oficiais intermediários começarem a se
manifestar? Aí a questão da integridade das Forças Armadas vai entrar em risco.
Numa situação tão tensa como essa, alguém pode perder o autocontrole",
acrescenta Amorim Neto.
Manifestação das Forças Armadas não é
normal
Também chama
atenção na manifestação do Ministério da Defesa a importância dada ao combate
da pandemia de covid-19, doença que já matou mais de sete mil brasileiros, mas
foi chamada de "gripezinha" por Bolsonaro.
"Enfrentamos
uma pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que
requer esforço e entendimento de todos", diz a nota, pregando união em um
momento que o presidente tem entrado em conflito com governadores, Congresso e
Judiciário.
No entanto, embora
os dois professores ouvidos pela BBC News Brasil tenham considerado positivo o
teor da nota, ambos destacaram que
não é "normal" as Forças Armadas se manifestarem politicamente em uma
democracia.
"A nota é
clara e inequívoca. Reafirma o compromisso das Forças Armadas com a ordem
constitucional vigente, o que inclui o respeito à liberdade de expressão e de
imprensa, além da preocupação em dar uma resposta às crises que a sociedade enfrenta
hoje. Não há motivo algum para duvidar do compromisso da cúpula das Forças com
esses valores", afirma Ramalho da Rocha, da UnB.
"É lamentável,
apenas, que o Ministro da Defesa tenha considerado necessário emitir uma nota
oficial com esse teor, a qual obviamente seria anacrônica em outras
circunstâncias. Quando os generais precisam vir a público para dizer que não
apoiariam um golpe é porque existe a percepção de que essa possibilidade está
sendo considerada por atores políticos", ressalta ele.
Recado também para Congresso e
Judiciário
Por outro lado, a
manifestação do Ministério da Defesa também traz uma sinalização para o
Congresso e o Judiciário, acredita Amorim Neto. Logo no início, após dizer que
"as Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional", o comunicado
destaca que "Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que
consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a
governabilidade do País".
Para o professor da
FGV, esse trecho está relacionado com a insatisfação dentro das Forças Armadas
com o que é visto como ações de interferência do Judiciário e do Legislativo no
Executivo. No caso do
Congresso, houve uma forte crise no início do ano envolvendo a disputa pelo
controle de parte Orçamento da União, em que o general Heleno foi gravado sem
saber chamando o Parlamento de chantagista e mandando um "f*da-se"
aos congressistas.
Já o STF tem tomado
uma série de decisões limitando a atuação de Bolsonaro, o que alguns juristas
veem como um controle de abusos do presidente, enquanto outros consideram haver
excessos por parte de ministros da Corte. As decisões mais
recentes que irritaram o presidente e seus ministros militares foram a liminar
do ministro Alexandre de Moraes que impediu a nomeação do delegado Alexandre
Ramagem para chefiar a Polícia Federal e o veto do ministro Luís Roberto
Barroso à expulsão de diplomatas venezuelanos do Brasil.
Moraes impediu a
nomeação de Ramagem devido à amizade do delegado federal com filhos do
presidente, enquanto Barroso considerou não ser adequado extraditar
estrangeiros em meio à pandemia de coronavírus.
Para Amorim Neto,
Bolsonaro usa as Forças Armadas justamente como uma forma de se proteger da
reação dos outros Poderes ao seu governo. Ele nota que o presidente mantém uma
agenda frequente de comparecer a cerimônias militares, numa rotina muito
diferente da de seus antecessores.
Assim como não vê
condições hoje para uma ruptura institucional do presidente com apoio dos
militares, o professor da FGV também não observa no momento perspectiva de uma
queda de Bolsonaro por um processo de impeachment. Por isso, acredita, o país
continuará em um cenário de "grande incerteza e instabilidade".
"E o jogo do
Bolsonaro vai continuar sendo o de envolver as Forças Armadas nas suas manobras
políticas, para forçar o Congresso e o STF a não limitá-lo, não
controlá-lo", afirma.
*colaborou Matheus
Magenta, de Londres
EM TEMPO: As investidas autoritárias de Bolsonaro só irão arrefecer quando a maioria dos militares que exercem funções civis no governo, cerca de 2.897 em março, desembarcarem da administração federal. Consequentemente, o Bolsonaro iria ficar mais comedido, as manifestações antidemocráticas seriam canceladas, idem para as aglomerações indevidas e teríamos mais oportunidade de combate a Pandemia provocada pelo COVID 19. Será que os militares vão perder as vagas para a turma do Centrão? Agora durmam com essa bronca
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