(Foto: Pedro Ladeira/Folhapress) |
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Por volta das 7h do dia 4 de
maio, uma segunda-feira, Davi Alcolumbre (DEM-AP) deixou o Palácio da Alvorada
convencido de que o pior passara por ora.
O presidente do Senado havia chegado cerca de duas horas
antes para encontrar-se com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que
estava disposto a, como disse um ministro depois, "tocar fogo na
República".
O ato carbonário seria renomear Alexandre Ramagem para a
direção da Polícia Federal, desafiando ordem contrária do Supremo Tribunal
Federal.
Naquela que foi apelidada da "mais longa das
noites", talvez o ponto mais tenso do governo, Bolsonaro estava incendiado
pela participação em mais um ato antidemocrático no domingo, e convencido de
que apenas a radicalização romperia seu isolamento político.
Na última hora, desistiu, após uma romaria presencial e
telefônica de políticos, da qual o senador foi o último integrante. Dias
Toffoli, o presidente do Supremo que tem buscado acomodação entre Poderes, só
dormiu quando Alcolumbre disse ter visto a nomeação de Rolando Souza para a PF
pronta.
A noite cessara, e mais um dos 500 turbulentos dias do
governo Bolsonaro começava.
A marca, atingida nesta sexta-feira (15), deve ser
lembrada por uma campanha publicitária, mas que nada terá do tom triunfalista
daquelas dos 100 ou dos 300 dias.
Como um general sem recursos para liderar um recuo
tático, o capitão reformado está numa ofensiva com características extremas.
A crise do coronavírus veio catalisar um processo que
muitos observadores do meio político veem como de busca por ruptura.
Em seu primeiro ano no poder, o estranhamento do
Congresso e do Judiciário com as práticas de Bolsonaro, de negação do diálogo,
eram vistas com certa tolerância.
O Parlamento, notadamente a Câmara sob Rodrigo Maia
(DEM-RJ), lograra aprovar a reforma da Previdência e encaminhar pautas
econômicas que, para consumo externo, Paulo Guedes (Economia) chamava de suas.
Os mercados, que já haviam se empolgado com Bolsonaro e
suas promessas liberais apesar de seu passado, fizeram a festa.
A Bolsa de São Paulo fechou o ano com o maior retorno
desde 2016, 27,6% deflacionados. Seu índice parecia rumar aos 120 mil pontos.
Na vida real, contudo, os problemas econômicos se
acumulavam. O desemprego manteve-se em nível alto.
Mas o principal problema para Bolsonaro sempre foi
político. A sua dinâmica de tensão permanente e de tomada errática de decisões
começou a isolar o presidente.
A agenda ultraconservadora e a insistência na defesa de
tudo o que fosse associado à ditadura militar (1964-1985) passaram a alienar
não só a esquerda, mas boa parte do centro político.
No Congresso, em 2019, Maia controlava os 2/3 da Casa que
apoiavam a pauta econômica nominalmente de Guedes.
Com a popularidade estabilizada em confortáveis um terço
do eleitorado, após uma sangria acentuada no começo da gestão, Bolsonaro seguiu
sem alterar o rumo.
No começo de 2020, uma importante alteração se deu na
dinâmica da relação do presidente com o estamento militar que trouxe ao
governo.
A ala fardada começara 2019 com ares de poder moderador
do governo e encerrou o ano em baixa, sob fogo dos radicais ideológicos
comandados pelos filhos do presidente.
No começo deste ano, o isolamento crescente de Bolsonaro
levou à maior ocupação do Planalto por generais, com o simbolismo de Walter
Braga Netto à frente da Casa Civil.
Em conflito aberto com o Congresso pelo manejo do
Orçamento, o presidente passou a prestigiar movimentos que pediam o fechamento
do Legislativo e do Judiciário.
E o Sars-CoV-2 chegou ao país, com o alto preço humano e
econômico -a expectativa é de que o crescimento do PIB fique 5% negativo neste
ano.
O incômodo na relação com os governadores tornou-se uma
guerra aberta, não menos porque as pretensões presidenciais de João Doria
(PSDB-SP) se tornaram obsessão de Bolsonaro.
Aliados do presidente temem que o preço de sua opção pela
defesa inamovível da abertura da economia em detrimento de questões sanitárias
seja impagável com o recrudescimento da Covid-19. A insensibilidade do "e
daí?" sobre os mortos ainda reverbera.
As imagens de caixões em série tendem a migrar do
Amazonas para o Rio, e em São Paulo, Doria tem insistido em que o esforço para
achatar a curva de infecções está sendo atrapalhado pelo presidente.
O episódio da destituição de Luiz Henrique Mandetta da
Saúde pontificou esse enredo, que só foi adensado politicamente pela muito mais
explosiva perda de Sergio Moro.
O ministro da Justiça deixou o governo no dia 24 de abril
acusando o chefe de interferir na Polícia Federal para proteger seus filhos,
alvos de apurações.
Moro era um dos superministros de Bolsonaro, com o agora
esvaziado Guedes, e simbolizava o comprometimento do presidente com a pauta
lavajatista do combate à corrupção.
A investigação que se segue já causou abalos, com o
suspense em torno do vídeo da reunião ministerial que comprometeria ou não
Bolsonaro, e o depoimento "sob vara" de três ministros generais.
A confluência de crises ainda não configura a famosa
tempestade perfeita porque o caso garantiu ao centrão uma volta por cima.
Antes um apoiador anódino de pautas econômicas no
Congresso, o grupo agora é central na operação para manter qualquer risco de
impeachment longe. E ganha nacos do governo em troca.
Com uma impopularidade ainda longe dos níveis dos
impedidos Fernando Collor (1992) ou Dilma Rousseff (2016), o presidente poderá
contar com o centrão neste primeiro momento.
Para os militares, há tensões subjacentes à sua adesão
mais firme à defesa do governo, registrada nas últimas semanas. Se os
oficiais-generais do governo cerram fileiras, o serviço ativo das Forças não vê
com tanta complacência a politização das fardas.
Com tantos fatores, qualquer artigo do general Hamilton
Mourão, vice de Bolsonaro, torna-se objeto de grande inquietação.
Como o episódio da saída de Moro e outros mostraram, os
militares não exercem o controle que desejariam sobre Bolsonaro, e sim tentam
contê-lo pontualmente.
Ainda assim, formam o ponto de apoio de um presidente que
declara uma guerra por dia para manter sua base coesa, mas cuja sapiência da
tática é questionada por todos salvo seus aliados ideológicos.
Com o passivo de crises para administrar, que começam em
apurações sobre sua família e chegam à pandemia, Bolsonaro terá várias
oportunidades para colocar o questionamento à prova.
EM TEMPO: Cerca de 3.000 militares ocupam diversos cargos no governo Bolsonaro. Alguns no primeiro escalão. O que os militares deveriam fazer para diminuir as provocações, bravatas e espetáculos de Bolsonaro, seria desembarcarem do governo. Aí sim, a nossa situação iria melhorar, uma vez que Bolsonaro iria se sentir só e não diria a expressão provocante: "E daí". Agora durmam com essa bronca.
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