Camilla Veras Mota - @cavmota -
Da BBC News Brasil em São Paulo
Onde
foi parar o discurso do combate à corrupção?
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O pedido de demissão do ministro
Sergio Moro enfraquece a retórica de combate à corrupção que ajudou a eleger
Jair Bolsonaro e pode corroer uma base de apoio importante do presidente, a dos
chamados "lava-jatistas".
Esse grupo, conforme o cientista
político Adriano Codato, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o filósofo
Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo (USP), tem como "valor
fundamental" a anticorrupção e é formado principalmente pelas camadas
médias tradicionais, ligadas às profissões liberais.
Assim, uma das principais
consequências da saída do ex-juiz do cargo, especialmente após um
pronunciamento duro em que acusou o presidente de tentar interferir
politicamente na Polícia Federal, pode ser a perda de apoio de Bolsonaro entre a
classe média. Diante de uma eventual deterioração
desse pilar de sustentação, acrescenta Ortellado, restaria ao presidente
apoiar-se na retórica do conservadorismo moral, outra plataforma que contribuiu
para levá-lo ao Planalto, e acenar aos eleitores aos quais esses temas - o
antifeminismo e o discurso anti-LGBT, por exemplo - são caros.
"Pode ser uma oportunidade para
sabermos qual é de fato o tamanho da extrema-direita radical no Brasil",
acrescenta Codato, referindo-se ao eleitorado que forma o núcleo duro do
bolsonarismo. "É o pessoal que vai tentar
subir a hashtag 'Moro comunista'", brinca.
O pedido de
demissão e o 'contra-ataque' de Bolsonaros imagens
Moro pediu demissão após a exoneração
do diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, que havia sido indicado por
ele. Ao comunicar sua decisão, nesta
sexta-feira, o ex-juiz disse que o presidente não havia apresentado razão
técnica para a saída do diretor. Afirmou que a atitude de Bolsonaro,
apesar de ter a prerrogativa de apontar quadros na instituição, violava a
promessa feita a Moro quando este assumiu o Ministério da Justiça e Segurança
Pública, de que teria carta branca para fazer indicações-chave.
Moro acusou o presidente de tentar
interferir politicamente na PF, insistindo desde o segundo semestre do ano
passado para que houvesse uma troca no comando da instituição - sem que
houvesse motivo técnico para isso. "O presidente disse mais de uma
vez que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele (na PF), para quem
pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor,
superintendente", afirmou.
"E não é papel da Polícia
Federal, as investigações têm que ser preservadas", acrescentou o
ministro, emendando que, mesmo durante a Lava-Jato, nas gestões petistas a
instituição tivera autonomia para fazer seu trabalho sem ingerência política. Ainda segundo Moro, o presidente
também teria lhe dito que "tinha preocupação com inquéritos em curso"
no Supremo Tribunal Federal e que a troca no comando da PF seria oportuna
também por esse motivo - o que, para o ministro, não se justificava a
exoneração e lhe gerava "grande preocupação".
Em um pronunciamento horas depois,
Bolsonaro rebateu os comentários e afirmou que Moro teria condicionado a saída
de Valeixo a uma nomeação ao STF em novembro - algo que o ex-juiz negou minutos
depois no Twitter.
Para Codato, a fala de Bolsonaro
sinalizou em alguns momentos, especialmente aqueles em que tentou atacar o
agora ex-ministro, uma tentativa de conter um eventual desembarque do
eleitorado lava-jatista. "Mas ele foi prolixo e confuso", completa. As interações entre os apoiadores do
presidente nas redes sociais nos próximos dias, diz o cientista social, devem
dar uma ideia mais clara do saldo desta sexta-feira para a política.
A divisão da base
bolsonarista
Entre 11h e 13h30, antes, portanto,
do pronunciamento do presidente, a saída de Moro gerava amplo repúdio no
Twitter, mobilizando quase 70% dos perfis engajados no debate nas redes e
dividindo a própria base de apoio de Bolsonaro, conforme o levantamento feito
pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas
(DAPP-FGV).
As manifestações em oposição ao
governo superaram o percentual observado por ocasião da saída do ex-ministro da
Saúde Luiz Henrique Mandetta, que chegou a contar com 60% dos perfis em seu
apoio no início deste mês. O DAPP observou ainda uma divisão
entre os apoiadores do presidente. Parte afirmava que a demissão era uma perda
no combate à corrupção e, possivelmente, um erro do governo, enquanto
bolsonaristas no polo contrário atacavam o ex-juiz e o acusavam de agir
politicamente.
O professor do curso de gestão de
políticas públicas da USP Pablo Ortellado, que monitora o debate político nas
redes sociais, destacou a posição crítica de movimentos lava-jatistas
importantes na esfera bolsonarista - como o Vem pra Rua, que chegou a convocar
panelaço contra o presidente e classificou a saída de Moro como estelionato
eleitoral.
Onde
foi parar o discurso do combate à corrupção?
A demissão do ex-superministro
coincide ainda com outro episódio que deteriora o discurso anticorrupção do
bolsonarismo e pode contribuir para desidratar a base de apoio: a negociação de cargos com o
centrão.
O futuro de
Bolsonaro e do bolsonarismoas imagens
Para Ortellado, o impacto da saída de
Moro na governabilidade do presidente dependerá de como ele e seu entorno vão
interpretar o episódio - e como o eleitorado vai receber o posicionamento do
presidente.
"A máquina de propaganda é muito
potente", destaca. "Mas ela foi afetada".
Para Codato, o futuro do governo
Bolsonaro dependerá do comportamento de três variáveis: da base social, que
representa o apoio popular do qual goza o governo, da oposição, que ainda não
mostrou uma agenda concreta até o momento, e da base parlamentar. Ainda não está claro, nesse sentido,
qual será o comportamento dos deputados e senadores até então ligados ao
presidente. O episódio, diz o cientista social, pode finalmente dividir o grupo
entre os que de fato são bolsonaristas e os "moristas".
Após o pronunciamento de Moro, a
deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) afirmou em entrevista que, por mais
que o ex-juiz fosse seu padrinho de casamento, como deputada da base ela
deveria ficar ao lado de Bolsonaro.
Já a policial militar Kátia Sastre
(PL-SP), deputada da bancada da bala na Câmara e alinhada até então ao
bolsonarismo, afirmou em um post no Twitter que, "com a saída de Moro, o
presidente Jair Bolsonaro perde. O Brasil perde. O combate à corrupção perde. É
uma lástima. A esperança do povo por um país mais justo está indo por água
abaixo".
Na mesma linha, o deputado Capitão
Augusto (PL-SP) tuitou que "o pronunciamento do Presidente Bolsonaro não
reverteu o quadro péssimo após a saída de Moro, talvez tenha piorado mais com
os ataques".
Mesmo diante do cenário ainda
incerto, Ortellado acredita que a perda de apoio entre os eleitores
lava-jatistas deve aparecer em alguma medida nas próximas pesquisas de opinião,
reduzindo o nível de aprovação que o governo vinha conseguindo manter desde
abril do ano passado, em torno de 30% e 35%.
O eventual desembarque de uma parte
do eleitorado, ele avalia, pode levar a uma "reconfiguração forte" do
bolsonarismo, mais apoiado no conservadorismo moral e nas classes populares -
características que aproximariam o movimento do populismo de direita observado
em outros países, em que tradicionalmente não há uma forte adesão da classe
média.
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