Alessandra Corrêa - De Winston-Salem
(EUA) para a BBC News Brasil
A disposição de
Fauci de contrariar Trump tem levado a ataques ao médico por parte de aliados
do presidente
O médico Anthony
Fauci é considerado o mais importante especialista em doenças infecciosas dos
Estados Unidos.
Não é somente no
Brasil que a duração das medidas de distanciamento social e o uso de
hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, a doença
causada pelo novo coronavírus, têm gerado divergências entre o presidente e o
principal especialista em saúde do governo.
Nos Estados
Unidos, o médico Anthony Fauci, considerado o mais importante especialista em
doenças infecciosas do país e um dos principais integrantes da força-tarefa
criada pela Casa Branca para responder à pandemia, costuma contradizer o
presidente Donald Trump nessas e em outras questões ligadas ao novo
coronavírus.
Mas, enquanto no
Brasil o embate público travado entre o presidente Jair Bolsonaro e o titular
da pasta da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, levou a rumores no início desta
semana de que Bolsonaro cogitava demitir o ministro, nos EUA, por enquanto,
Fauci segue contando com o apoio de Trump, apesar de críticas por parte de
aliados do presidente.
Diretor do
Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos desde
1984, Fauci é um dos principais especialistas do mundo em epidemias, tendo
servido nos governos de seis presidentes de ambos os partidos (Ronald Reagan,
George Bush, Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump). Teve
papel crucial no combate a diversas epidemias anteriores, principalmente a de
HIV/Aids, a partir dos anos 1980.
O cientista de
79 anos de idade defende que regras rígidas de distanciamento social devem ser
mantidas em todo o país para conter o avanço do novo coronavírus. Até
quinta-feira (09/04), os EUA, principal epicentro da pandemia, já registravam
mais de 455 mil casos e mais de 16 mil mortes.
Quando Trump
anunciou, no fim de março, que pretendia reabrir a economia americana até a
Páscoa, Fauci e a coordenadora da força-tarefa da Casa Branca, Deborah Birx,
apresentaram ao presidente modelos que previam entre 100 mil e 240 mil mortes
no país.
Após ouvir as
recomendações dos especialistas, Trump acabou estendendo as regras de
distanciamento social até pelo menos o fim de abril - apesar de os governadores
terem liberdade para definir as regras em seus Estados, e alguns ainda não
terem determinado medidas obrigatórias para que a população não saia de casa.
Hidroxicloroquina
Sua atuação na
força-tarefa da Casa Branca e a participação constante em briefings diários e
em entrevistas a diversos veículos de imprensa transformaram Fauci em herói
para parte dos americanos, mas também em alvo de alguns aliados de Trump, que
acusam o cientista de prejudicar a economia e tentar impedir o tratamento de
doentes com hidroxicloroquina.
No início deste
mês, Fauci passou a contar com segurança extra, depois de sofrer ameaças. Pelo
menos nove agentes especiais foram designados para proteger o cientista.
Segundo a imprensa americana, além das ameaças recebidas, haveria também a
preocupação com "fãs fervorosos" que vinham tentando se aproximar de
Fauci.
O uso de
hidroxicloroquina em pacientes infectados com o novo coronavírus é um dos
principais pontos de divergência entre Trump e Fauci. Assim como Bolsonaro, o
presidente americano também é entusiasta do uso do medicamento - que é indicado
para o tratamento de doenças como artrite reumatoide, lúpus e malária.
Mas Fauci, assim
como Mandetta, alerta que os estudos sobre a segurança e a eficácia do uso da
droga em casos de covid-19 ainda são muito limitados e há o risco de efeitos
colaterais graves, que incluem arritmia cardíaca e podem, em alguns casos, ser
fatais.
No fim de março,
a Food and Drug Administration (FDA), agência do governo americano responsável
pelo controle de medicamentos, emitiu uma ordem emergencial permitindo que
médicos usem a hidroxicloroquina em pacientes infectados pelo novo coronavírus
No último
domingo, as divergências entre Fauci e Trump a respeito da droga voltaram a
ficar claras durante uma coletiva de imprensa, na qual o presidente repetiu que
havia "sinais poderosos" da eficácia da hidroxicloroquina em casos de
covid-19.
"O que temos
a perder?", perguntou Trump. Quando um repórter questionou Fauci sobre as
evidências médicas da eficácia da hidroxicloroquina, Trump interrompeu antes
que o cientista pudesse responder: "Você sabe quantas vezes ele já
respondeu a essa pergunta? Talvez 15", disse o presidente, impedindo que
Fauci falasse.
Ataques
Fauci é
considerado um dos poucos integrantes do governo que se arriscam a corrigir
Trump em público. Quando o presidente disse que logo uma vacina contra o
coronavírus estaria disponível, o cientista discordou e alertou que, na
verdade, levaria mais de um ano.
Muitos creditam
a Fauci a mudança de tom de Trump em relação à pandemia. Depois de inicialmente
minimizar os riscos do coronavírus, que chegou a comparar a uma gripe comum, o
presidente passou a admitir a gravidade da crise e recomendar medidas de
distanciamento social.
Os EUA se tornaram
o país com o mais número de casos de covid-19 do mundo
Mas a disposição
de contrariar Trump tem levado a ataques por parte de aliados do presidente. O
cientista virou alvo de várias teorias da conspiração de que faria parte de um
grupo secreto com o objetivo de prejudicar Trump, que concorre à reeleição em
novembro. A hashtag #FauciFraud (FauciFraude, em português) aparece em milhares
de tuítes.
No mês passado,
viralizou na internet uma imagem do cientista com a cabeça baixa e a mão
cobrindo o rosto, parecendo tentar conter o riso enquanto o presidente se
referia ao Departamento de Estado como "Departamento do Estado
Profundo" (em referência a um suposto grupo dentro do governo que agiria
nas sombras para prejudicar o presidente).
Críticas
Alguns
comentaristas conservadores passaram a questionar a credibilidade e as
recomendações de Fauci. Lou Dobbs, da Fox Business Network, criticou o
cientista por sua resistência em relação à hidroxicloroquina. "O
presidente estava certo e, francamente, Fauci estava errado", disse Dobbs
em seu programa.
O âncora Tucker
Carlson, da Fox News, dedicou seu programa na semana passada a críticas à
atuação de Fauci. Carlson disse que o médico não deveria estar tomando decisões
que afetam os rumos da economia do país, que manter a quarentena no país seria
"suicídio nacional" e que o desemprego resultante será um desastre
maior do que vírus.
A linguagem é
parecida com a utilizada nas críticas à atuação do ministro Mandetta, que
defende a importância do isolamento social para retardar a disseminação do
coronavírus no Brasil.
Nesta semana, o
deputado Osmar Terra (MDB-RS), cotado para assumir a pasta caso Bolsonaro
demita Mandetta, disse que "quem vai matar o Brasil não é o coronavírus, é
a quarentena".
Bolsonaro alerta
para os danos que as medidas de isolamento causarão à economia. O presidente já
defendeu a reabertura do comércio em pronunciamento transmitido em rede
nacional e manteve contato próximo com o público em várias ocasiões, ignorando
as regras de distanciamento.
Nos EUA, 16,8
milhões de americanos já pediram seguro desemprego nas últimas três semanas, um
aumento sem precedentes, em meio a medidas que fecharam o comércio, empresas e
escolas e paralisaram a economia do país, onde milhões seguem a recomendação de
permanecer dentro de casa para evitar o avanço do coronavírus.
Rumores
Nas últimas
semanas, artigos publicados na imprensa americana sugeriram que Trump e alguns
membros da Casa Branca poderiam estar perdendo a paciência com Fauci. Um dos
motivos seria o fato de o cientista criticar o presidente em entrevistas a
alguns veículos, ao mesmo tempo em que elogia Trump quando fala com a imprensa
conservadora.
Mas tanto Trump
quanto Fauci rejeitam os rumores de tensão. Em entrevista no mês passado à
revista Science, Fauci disse que "apesar de discordarmos em algumas
coisas, ele (Trump) ouve". Segundo o cientista, Trump "tem seu
próprio estilo. Mas em questões importantes, ele ouve o que eu digo".
Mas, na mesma
entrevista, ao responder sobre o fato de que há declarações feitas por Trump que
não seriam "verdadeiras" ou "baseadas em fatos", Fauci
disse: "Não posso pular em frente ao microfone e empurrá-lo. Ok, ele disse
isso, Vamos tentar corrigir da próxima vez."
No fim de março,
circulou na internet um vídeo em que Fauci diz a colegas que Trump "quase
sempre" ignora as sugestões que faz ao presidente antes das coletivas de
imprensa diárias.
Mas apesar das
divergências e da pressão de alguns aliados descontentes com Fauci, Trump
parece continuar ouvindo o especialista, a quem costuma chamar de Tony.
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