Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC News Brasil em Washington
25 de abril de 2020
A cientista
política Amy Erica Smith diz que Moro 'não é inocente', mas acredita que o
ex-ministro está genuinamente preocupado como o Estado de Direito no Brasil
Sergio Moro, agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública,
ao se demitir em frente às câmeras de TV, "pulou do navio antes que esse
Titanic afunde de vez", avalia a cientista política americana Amy Erica
Smith.
Smith, que é professora da Iowa State
University, nos Estados Unidos, e especialista em política brasileira e
movimentos evangélicos, diz acreditar que Moro esteja genuinamente preocupado
com o Estado de Direito no Brasil ao afirmar que seu ex-chefe, o presidente
Jair Bolsonaro (sem partido), está tentando politizar o comando da Polícia
Federal (PF).
E que ele não descuidou de sua
própria imagem, ao decidir não apenas pedir demissão, mas transformar a saída
quase em uma denúncia das ações recentes de Bolsonaro.
Em entrevista por telefone à BBC News
Brasil, Smith questiona ainda a "urgência de Bolsonaro" em interferir
na PF em um momento político já frágil, em meio à pandemia de coronavírus.
Autora de Religião e
Democracia Brasileira: Mobilizando o Povo de Deus, lançado em 2019, ela
afirma que os evangélicos seguem como a base do apoio popular do presidente,
graças à agenda anti-aborto e às políticas de gênero e sexualidade que o
governo defende.
"Mas, se todas as elites
políticas abandonarem Bolsonaro, eles também o abandonarão. Não vão dar um
cheque em branco para Bolsonaro", diz Smith.
Confira a seguir os principais
trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O que a demissão de Moro representa?
Amy Erica Smith - Isso mostra
que ele está extremamente preocupado com o Estado de Direito. Uma das coisas
que Moro simboliza é a importância do Estado de Direito no Brasil. Ele levou
muitos políticos poderosos à Justiça por atos de corrupção, como Lula.
Ele é uma figura complicada e
ambivalente, que representa a importância do combate à corrupção para muitas
pessoas e, ao mesmo tempo, o risco potencial de que o combate à corrupção seja
politizado. De alguma maneira, o próprio Moro ajudou a politizar a PF e a
Justiça quando aceitou o cargo de ministro.
Quando ele vai à TV e diz que
Bolsonaro está tentando politizar a PF, o que significa que o Estado de Direito
está em perigo, isso mostra que ele está extremamente preocupado. Moro não é
inocente. Sabe que ao fazer isso ele pode levar o Supremo Tribunal Federal e o
Congresso a intervirem.
Então, vejo um ponto de inflexão na
história brasileira em relação ao Estado de Direito, mas não sei dizer para
qual lado o país irá: se Bolsonaro será contido pelas instituições nessas
indicações políticas, o que as fortaleceria, ou se ele vai conseguir indicar os
nomes que quiser para a PF e paralisar as investigações que quer eliminar.
BBC News Brasil - Por que essa crise acontece nesse momento, enquanto o
Brasil tem o recorde de casos e mortes por covid-19 em um único dia?
Smith - Moro pode
estar tentando pular do navio antes que esse Titanic afunde de vez, porque ele
está vendo esses movimentos, ele faz menção à pandemia e à necessidade de
isolamento em seu pronunciamento. Ele poderia ter saído em muitos outros
momentos, como em dezembro de 2019, mas ele escolheu sair quando Bolsonaro está
extremamente fraco.
A pandemia enfraqueceu o presidente,
com desgastes por ter de demitir o (ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique)
Mandetta, a má performance dele em coordenar ações contra a pandemia. Muitas
pessoas percebem o barco afundando, e Moro decidiu que não quer mais ser associado
a isso. Ele vai sair como um herói pra algumas pessoas.
BBC News Brasil - Ao justificar a saída do ministério, ele afirmou que
não viu uma tentativa de interferência política como essa quando era juiz da
operação Lava-Jato, mesmo com os casos graves de corrupção que envolviam o
Partido dos Trabalhadores (PT), da então presidente Dilma Rousseff, e afirmou
que um movimento de trocas de diretores ou delegados poderia ter acabado com a
operação.
Smith - Embora não diga
isso explicitamente, Moro está reconhecendo que o combate à corrupção no
governo do PT era melhor, algo que os cientistas políticos têm aliás dito há
anos. E esse reconhecimento por parte dele é importante. Ele ajudou a
centro-direita do país a acreditar que Bolsonaro combateria a corrupção e
restabeleceria a Justiça e, agora, está dizendo que sua própria crença nisso
foi incorreta e que apoiar esse projeto foi um erro, ao menos em parte. Isso é
um risco grande para Bolsonaro.
BBC News Brasil - Por quê?
Smith - Bolsonaro
ganhou a Presidência graças à coalizão de muitas forças, que atuaram com a
premissa de que Bolsonaro seria a melhor opção disponível para resgatar a
economia e restaurar a Justiça e a segurança pública. E a saída de Moro
significa que a principal força pra garantir Justiça e segurança não só não vê
essas melhoras acontecendo como não suporta mais fazer parte disso. Bolsonaro
sempre disse publicamente que ele era um herói e seria tratado como tal. E Moro
vem a público dizer que isso, na verdade, é falso.
BBC News Brasil - Por que ele decide vir a público dizer tudo isso e não
apenas enviou uma carta de demissão?
Smith - Existem dois
objetivos nisso. O primeiro é que acho que ele está realmente muito, muito
preocupado com o Estado de Direito no Brasil. E ele espera que, ao vir a
público, possa chamar a atenção, dar um alerta às instituições, como ao Supremo
Tribunal Federal, ao (Rodrigo) Maia, na Câmara, o (Davi) Alcolumbre, no Senado,
de que ele precisam agir e se opor. Então eu acho que isso faz parte dessa
estratégia, porque ele vê isso como a melhor maneira de levar outras pessoas a
cumprir a missão que ele disse que tinha, de fortalecer o Estado de Direito, e também
de ter a opinião pública do lado dele, o que é realmente importante ainda mais
se Bolsonaro não for responsabilizado por aquilo de que ele parece estar
lutando para fugir. Então, Moro está protegendo sua própria imagem, algo sobre
o qual ele sempre foi extremamente preocupado. Não sei o que ele pretende fazer
no futuro, mas esses 40 minutos na TV se explicando poderia ser o primeiro ato
de uma campanha presidencial.
Desde o início da
gestão Bolsonaro, Moro sofreu derrotas impostas pelo presidente
BBC News Brasil - Por que Bolsonaro detona uma crise com um de seus
ministros mais populares nesse momento?
Smith - Não acho que ele
está sendo muito efetivo em suas estratégias, mas vamos pensar primeiro: por
que o Bolsonaro precisa interferir em investigações da PF? Não sou uma
especialista nisso, mas penso que é porque as investigações estão chegando
muito próximo à família Bolsonaro. Então se tornou algo urgente para ele, e só
isso explica essa interferência nesse momento. Segunda pergunta: por que ele
acha que poderia sair ileso de uma interferência como essa? Ele calculou mal
sobre o Moro. Pensou que poderia intimidar Moro a fazer o que ele queria,
achava que Moro recuaria.
Seria um duplo objetivo: interromper
investigações e minimizar Moro ao mesmo tempo. Ele queria botar o Moro lá
embaixo, já não queria mais se aproximar dele, não via mais vantagens políticas
nisso. Mas foi um calculo político muito ruim, porque vai dificultar a
continuação de seu governo.
Se Moro tivesse só mandado uma carta
de demissão, teria sido talvez uma vitória de Bolsonaro, mas a maneira como
Moro se demitiu, foi muito grave pra ele. Bolsonaro subestimou a qualidade
política de Moro e talvez tenha superestimado o tamanho da sua base de apoio.
Moro vai ganhar força depois disso. Não vai ser só um ex-ministro, mas pode ser
uma concreta ameaça para o futuro de Bolsonaro. Ele pode até ficar calado,
submergir pelos próximos tempos, mas o que ele disse hoje vai falar por ele ao
longo de meses.
BBC News Brasil - A senhora acredita que essas acusações de Moro levariam
a um processo de impeachment?
Smith - Não sei se
seria um gatilho imediato para isso, mas certamente vai exacerbar essa
possibilidade no horizonte político brasileiro.
BBC News Brasil - Como fica a base de apoio popular de Bolsonaro?
Smith - Hoje, ele tem
em torno de 30% de apoio. A menor parte disso são os apoiadores dele que vem do
movimento do Olavo de Carvalho e do gabinete do ódio, que são os conservadores
linha dura. Uma parte da elite de centro-direita, pró-Lava Jato, ele já vem
perdendo. E você tem os evangélicos, que não são um grupo coeso. Mas a maior
parte dos fiéis evangélicos está muito preocupada com políticas de sexualidade,
gênero e aborto, e o apoio deles ao Bolsonaro é por essa agenda ideológica e
menos pelo combate à corrupção. Então, em alguma medida, eles estão dispostos a
perdoar todas as falhas de performance do Bolsonaro, porque ele garante o
bloqueio da legalização do aborto, de políticas LGBT. Alguns líderes
pentecostais também expressaram apoio a Bolsonaro porque ele lhes dá algum
suporte político e base para fortalecer os candidatos das próprias igrejas.
A saída de Moro afeta, sim, (sua base de apoio),
mas não acho que ele vai perder o apoio dos evangélicos tão rápido. Mas, se
todas as elites políticas abandonarem Bolsonaro, eles também abandonam. Não vão
dar um cheque em branco para Bolsonaro. Muitos evangélicos realmente acreditam
no governo e querem continuar, mas, se passarem a perceber Bolsonaro como
corrupto e fraco, podem deixá-lo.
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