segunda-feira, 6 de abril de 2020

Militares e cúpula do Legislativo intervêm para manter Mandetta, a despeito de Bolsonaro




EL PAÍS - Afonso Benites

Ministro confirmou, nesta segunda, que permanece no cargo. (Foto: Andre Coelho/Getty Images)


Desconfortável por ter um subordinado que pensa e age diferente de si, o presidente Jair Bolsonaro pretendia demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde nesta segunda-feira e trocá-lo pelo deputado federal Osmar Terra. Não conseguiu. Assim que a notícia veio à tona, começaram as poderosas pressões para evitar que o mandatário concretizasse a exoneração do ministro, que é mais popular que o seu próprio chefe por causa da coordenação das ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19.

Houve quatro frentes de críticas contra a decisão até então tomada pelo presidente: 

1) generais do Exército, um deles na ativa, com assento no Planalto, disseram que lhe faltaria apoio popular e político para demitir um ministro que tem seguido as recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo; 

2) congressistas o alertaram sobre a possibilidade de atrapalhar ainda mais a relação no Legislativo e de ver um dos pedidos de impeachment contra ele prosperar em médio prazo; 

3) no Judiciário, ao menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal queixaram-se de falta de liderança política no país e; 

4) nas redes sociais, pulularam manifestações de apoio a Mandetta. O ministro ganhou ainda uma demonstração de suporte entre os seus: cerca de 150 servidores do Ministério da Saúde fizeram um protesto em frente à sede do órgão para ameaçar uma demissão coletiva, caso se concretizasse sua exoneração.

Novo round
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No domingo, Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, estar descontente com a atuação de Mandetta na pasta. Ao falar a um grupo de religiosos apoiadores que o aguardavam na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente disse que havia ministros que estavam se sentindo estrelas e que poderia usar a “caneta” contra eles. Não citou nomes. Mas o recado foi direto ao ministro da Saúde. “Algumas pessoas no meu Governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações”, afirmou. “Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa”, declarou o presidente.

No sábado, o ministro deu mais uma demonstração dos holofotes que atraiu: gravou um vídeo para músicos campeões de audiência no Brasil que fizeram apresentações ao vivo em suas redes sociais, como Xand do Avião e Jorge & Mateus. Na gravação, Mandetta disse a eles que o “show não pode parar”, mas as aglomerações, sim. Enquanto isso, a interlocutores, o ministro reagia às queixas de Bolsonaro. Disse que não aceitava ameaças. Que se Bolsonaro tivesse algo a fazer, que agisse, que o demitisse. E insistiu em seu discurso feito na semana passada quando foi questionado se abandonaria o cargo: “Médico não abandona paciente”.

Depois de um dia de inteiro de rumores e uma série de reuniões, inclusive com Bolsonaro e sua equipe de ministros, Mandetta surgiu para falar com a imprensa depois das 20h. Discursando na sede do Ministério da Saúde, em Brasília, e em mais um sintoma de uma crise com o Planalto que ganha ares surrealistas em meio à pandemia, admitiu que vários funcionários seus já estavam limpando suas gavetas para irem embora, inclusive as dele. E deu o recado: “Nós vamos continuar porque continuando a gente vai conseguir enfrentar o nosso inimigo, que tem nome e sobrenome, a Covid-19”.

A altivez do ex-deputado vinha do respaldo angariado ao longo do dia e na semana passada. O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), transmitiu o seguinte recado a Bolsonaro por meio dos ministros-generais Luiz Eduardo Ramos (Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil): “o Congresso é contra a saída de Mandetta. Isso iria prejudicar a relação com o Parlamento”. Chamado para conversar pessoalmente com o presidente, Alcolumbre avisou que não o encontraria e que a discussão estava acima de questões partidárias. Mandetta é filiado ao DEM de Alcolumbre, pelo qual cumpriu dois mandatos de deputado federal por Mato Grosso do Sul.

A pressão mais intensa, contudo, veio dos militares dias antes. Na noite de quinta-feira passada, quatro generais com assento no Planalto se reuniram com Bolsonaro logo após ele conceder uma polêmica entrevista à rádio Jovem Pan, na qual disse que faltava humildade a Mandetta e que ele deveria ouvi-lo mais. O quarteto disse a Bolsonaro que ele deveria se calar para não deixar a crise sanitária e econômica ainda mais grave. Pediram para ele não mexer em sua equipe, por enquanto. Tampouco provocar governadores e prefeitos que decretaram quarentenas. Disseram que, se ele não mudasse sua postura, poderia ser pressionado a deixar o cargo.

EM TEMPO: Temos dois vírus: Bolsonaro e o COVID-19. Qual você prefere excluir primeiro para vencer o segundo?  Lembrando que os militares jamais deveriam apoiar hum ex-militar indisciplinado como foi Bolsonaro. A disciplina militar não permite isso. Agora durma com essa bronca, uma vez que os conflitos internos, agora explícitos, existentes no governo apenas estão começando. 



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