A Fiocruz prorrogou a validade do concurso por mais um ano |
Johanns Eller
Extra, 27
de março de 2020
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
anunciou, nesta sexta-feira, detalhes dos ensaios clínicos que a instituição
conduzirá no Brasil em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para o
tratamento da Covid-19. A iniciativa faz parte de uma cooperação internacional
da entidade das Nações Unidas com o objetivo de estudar e testar medicamentos
já existentes contra o coronavírus no maior número possível de pacientes. A
ideia é acelerar consideravelmente a busca por uma droga eficaz contra a nova
doença.
As novidades foram divulgadas durante
uma coletiva de imprensa virtual. A transmissão contou a presença da presidente
da Fiocruz, Nísia Trindade, da dirigente do Instituto Nacional de Infectologia
(INI), Valdilea Veloso, e do subsecretário-geral de Saúde do estado do Rio,
Roberto Pozzan. Todos mantiveram a distância segura em tempos de distanciamento
social e fizeram defesas enfáticas do Sistema Único de Saúde (SUS) e das
políticas de distanciamento social defendidas pela OMS.
Entre as drogas testadas está a
cloroquina, assim como sua variação hidroxicloroquina. A liberação do medicamento
pelo Ministério da Saúde e o incentivo pelo presidente Jair Bolsonaro antes de
conclusões científicas causaram polêmica nos últimos dias. A presidente do INI
explica que a decisão da pasta é a chamada prescrição off-label, quando, em
situações emergenciais, medicamentos são indicados para usos sem a devida
comprovação científica. Os estudos clínicos ajudarão justamente a esclarecer se
as drogas são ou não eficientes no combate ao Sars-CoV-2.
— (A recomendação se dá) fora do que
está prescrito na bula do medicamento. Quando há doenças que podem ter
consequências graves, para um determinado grupo de pacientes, é uma prática que
se faz. Foi nesse âmbito que a cloroquina foi liberada (pelo governo) para a
decisão de cada médico para cada paciente se o uso do remédio cabe ou não —
explicou Valdilea Veloso, que lembrou casos de mortes por automedicação de
cloroquina nos Estados Unidos e na África. — É importante ter calma e
aguardar a evidência científica sobre qual ou quais medicamentos são eficazes
para tratar essa doença. Se usarmos os medicamentos de forma aleatória, sem
comprovação da evidência, podemos ter muitas mortes por conta disso.
Também serão estudados outros três
medicamentos: remdesivir, lopinavir + ritonavir e interferon
1-a. Os remédios já são produzidos no Brasil — a cloroquina, por exemplo,
é usada no combate à malária e a hidroxicloroquina, contra lúpus e artrite
reumatoide —, mas, nessa etapa inicial, serão fornecidos pela OMS. Na medida em
que os estudos aprovarem a eficiência comprovada de um ou mais medicamentos, a
produção será incrementada nos laboratórios nacionais públicos e privados,
incluindo a Farmanguinhos, ligada à Fiocruz.
Os ensaios clínicos serão coordenados
em 12 centros distribuídos pelo território brasileiro. Além do Rio de Janeiro,
sediarão os estudos os estados do Amazonas, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia,
Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, bem
como no Distrito Federal. No Rio, será instalado na Fiocruz um hospital de
campanha com capacidade de 200 leitos para tratamento intensivo e
semi-intensivo.
Esse estudo se diferencia de outros
métodos na pesquisa científica pelo formato chamado adaptativo: ao invés de
aguardar até a conclusão de todas as frentes de trabalho, a Fiocruz poderá
descartar medicamentos que se provarem ineficientes e aprovar outros que
demonstrem resultados positivos. Esse instrumento é considerado a peça chave
para agilizar a definição de um tratamento contra a Covid-19 no Brasil.
— Essa cooperação global, na qual
vários países farão o mesmo estudo incluindo o maior número possível de
participantes, é justamente para que a resposta possa vir no período mais curto
possível. Não podemos agora determinar quando a resposta virá, mas nesse estudo
adaptativo podemos conseguir respostas ao longo do tempo — explicou a
presidente do INI.
Os ensaios avaliarão pacientes em
situação de internação, mas não serão restritos àqueles em necessidade de uso
de ventiladores mecânicos e respiradores. Para viabilizar os esforços, o Ministério
da Saúde disponibilizará R$ 4 milhões. O trabalho contará com 1.030
profissionais cuja seleção, segundo Nísia Trindade, já começou. Haverá, ainda,
cooperação com a ONG internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), com larga
experiência em emergências sanitárias como as epidemias de ebola no continente
africano.
— Essa colaboração se soma ao
histórico do trabalho de 120 anos da Fiocruz frente a emergências
sanitárias — disse a presidente da Fiocruz. — Já temos convênio com o MSF há
muito tempo na preparação diante de emergências e desastres. Estivemos juntos
na preparação do Brasil quando houve a epidemia de ebola,
por exemplo. Nesse momento, eles têm uma importância muito grande para
contribuir com a formação dos profissionais de saúde, baseados nas experiências
que estão acontecendo em outros países.
Nísia não descartou a colaboração
humanitária da ONG caso a pandemia evolua no Brasil, mas afirmou que isso
dependeria de uma articulação junto ao Ministério da Saúde. Além disso, a
presidente da Fiocruz informou que a instituição já está recebendo demandas do
exterior.
— Temos uma atenção especial para os
países da América Latina e da África. As possibilidades de cooperação
internacional estão sendo discutidas junto à assessoria internacional do
inistério da Saúde e ao Ministério das Relações Exteriores.
Sem mencionar as críticas do
presidente Jair Bolsonaro à estratégia do distanciamento social, defendida pelo
próprio corpo técnico do Ministério da Saúde, tanto Nísia quanto Valdilea e
Pozzan fizeram uma defesa enfática das estratégias de isolamento orientadas
pela OMS para a contenção da Covid-19, do Sistema Único de Saúde (SUS) e das
evidências científicas.
— A Fiocruz está totalmente engajada
para disseminar seu conhecimento e contribuir para que dessa pandemia nós
saiamos com uma sociedade mais fortalecida e capaz de enfrentar desafios tão
graves quanto esse que enfrentamos agora. O momento é de gravidade
e consciência, por isso o momento é de mais Estado e de mais sociedade —
disse a presidente da Fiocruz.
A dirigente do Instituto Nacional de
Infectologia reforçou que o isolamento social é um processo fundamental para o
chamado achatamento da curva epidêmica, evitando uma sobrecarga catastrófica do
sistema de saúde, como tem ocorrido na Europa:
— Precisamos tentar achatar essa
curva de crescimento de casos para termos um pouco mais de tempo para preparar
nosso sistema de saúde.
Pozzan lembrou que o novo
coronavírus, por enquanto, não testou a capacidade do sistema público:
— A epidemia está avançando, saindo dos hospitais
privados e começando a chegar aos hospitais públicos. A Secretaria de Saúde tem
se preparado para esse momento, articulando com a secretaria
Municipal de Saúde, todos os entes, oferecendo alternativas o mais rápido
possível para acolher todos os pacientes vitimados da Covid-19 — disse o
subsecretário-geral estadual de Saúde do Rio. — Momentos de crise são os
momentos em que a ciência melhor responde.
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