EL PAíS - Carla Jiménez
© MAURO PIMENTEL
(AFP) Homem caminha diante de grafite
do presidente Bolsonaro, no Rio.
Cada dia de
verborragia do presidente Bolsonaro, como o que foi visto em rede nacional
nesta noite de terça, é um dia a menos para ver a solução da crise em que o
Brasil se vê inserido. Uma crise sem precedentes.
Cada conflito autoinflingido e de emulação da tática do presidente Donald Trump é mais um dia de sabotagem
para o Brasil. E de auto sabotagem do presidente que poderia estar unindo as
pessoas na dor das mortes que estão chegando pelo coronavirus, —e vão se
multiplicar —, e em propostas para encontrar um ponto de intersecção entre a economia
e esta tragédia anunciada.
Seus acertos
evaporam diante da quantidade de fel que ele injeta em suas palavras que
deveriam serenar uma nação assustada. Mas Bolsonaro não quer que o
brasileiro perca o medo. É o método do choque para neutralizar quem
ele julga adversários. Se acerta ao deixar o ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, e sua equipe, assumirem o protagonismo para orientar a população
sobre o ritmo de expansão do vírus, faz questão de contrariar morbidamente as
diretrizes que a Organização Mundial da Saúde (OMS). “O que se passa no mundo
tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por
que fechar escolas?”, questionou ele em vídeo.
Uma afirmação
inacreditável, que nem mesmo as crianças confinadas hoje no Brasil poderiam
repetir. A OMS já declarou que os pequenos são vetores de propagação do
coronavírus, como mostrou a experiência chinesa. Se as crianças pegam, seus
pais vão pegar, e quem estiver circulando e encontrar os pais, vai pegar. O
motorista da van escolar, o vendedor da cantina. Podem-se isolar idosos, mas
algum contato com o mundo externo eles terão. Seja na farmácia, no mercado, ou
para receber um delivery. Bolsonaro sabe, ou deveria saber, o que Mandetta
repete diariamente, sobre como funciona o vírus e seu contágio.
Mas o presidente
tem maldade, enquanto a maioria dos brasileiros já se confinou sob a
consciência admirável de entender que pode se contagiar, mas também ser fonte
de contágio de alguém mais vulnerável que ele. Idoso ou alguém com menos
recursos para se tratar em hospital. Ninguém quer essa responsabilidade para
si, de ter contribuído para a morte de alguém. O presidente do Brasil, com seus
23 contagiados ao redor, nem consegue alcançar esse sentimento. “Esse cara é
irresponsável, vai matar todo mundo, como quer abrir as escolas?”, gritava
indignada uma mulher do balcão de uma janela em São Paulo.
Retórica para
chocar. E não adianta se iludir. Bolsonaro vai seguir sendo isso. E o país
precisa funcionar, apesar de Bolsonaro. Suas reações intempestivas,
minuciosamente calculadas – quase sempre seguindo as de Trump —, já foram
mapeadas e ele não vai sobreviver à crise do coronavírus. Não tem como. Deveria
olhar também para seu ídolo e entender o que vem por aí. O presidente
norte-americano lida hoje com mais de 52.000 infectados e 675
mortes. Nova York, com quase 26.000 infectados, virou o atual
epicentro do coronavírus no mundo. No dia 13 de março, os EUA tinham 2.179
infectados e 47 mortos, quase o mesmo número que o Brasil nesta terça: 2.201
brasileiros infectados e 46 mortes.
Nesta terça, Trump
também chocou o país ao sugerir que poderia abrir o confinamento a que o país
se submeteu em duas semanas. Horas depois, moderou o tom, ao dizer que o mais
importante “é a saúde dos norte-americanos”. Trump é Trump, e já anunciou
pacotes trilionários para segurar seu prestígio junto à sociedade. Bolsonaro
não tem esse dinheiro. E virão mais vítimas do coronavírus, e um luto profundo,
que o presidente brasileiro prefere ignorar. Como ignora o capital criativo que
poderia dispor para colocar o país com foco apenas na saúde.
A indústria
voltada a isso, puxada pela necessidade de investir na no fim da crise do
coronavírus. Uma população consciente, disposta a se sacrificar por um bem
maior. Mas Bolsonaro só enxerga 30%.
Perde a chance de
relembrar que o Brasil já mostrou resiliência para outros desafios, como a
própria propagação da Aids, nos anos 90. Também já trabalhou em conjunto com
diversos setores da sociedade para vencer a recessão e a inflação quando o
ex-presidente Itamar Franco pegou o país em frangalhos depois do impeachment de
Fernando Collor de Mello em 1992.
Um ano depois, indústria, sindicatos, varejo
e Governo sentavam à mesa para eleger um motor que colocasse a economia em pé.
O símbolo daquele momento foi o fusca, e os carros populares, em que todos
cediam um pouco, para garantir que a economia reagisse.
Imagina se
Bolsonaro fosse o estadista que gostaria e se inspirasse em exemplos assim...
Ele já não sabe fazer outra coisa se não fomentar o caos. Só que, agora, ele é
engolido pelo mesmo caos que inventa. Não haverá rede social, nem narrativa que
o salve do seu próprio desastre como presidente, criando factoides quase
diários, para ganhar palmas dos seus 30% de apoiadores. Eles ainda resistem,
embora haja fissuras nesse grupo. Mas virão as mortes, e com elas, a percepção
de que muitas poderiam ser evitadas. E não foram porque Bolsonaro é arrogante.
Não há como sair ileso. Nesta crise, ele assinou a própria sentença de morte
política.
EM TEMPO: Meu povo, sejam mais exigentes na hora de votar. Comece pelo seu município. É inteiramente inconcebível manter um mesmo grupo político por muito tempo no poder. Vamos renovar sem o contágio da Legião Estrangeira.
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