quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Mesmo liberado, família de Adriano da Nóbrega decide não sepultar o corpo


Vinicius Sassine
Extra

Adriano da Nóbrega e sua mulher, numa fazenda na Bahia

A interferência política no caso da morte de Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) morto em ação da polícia na Bahia no último dia 9, atrapalha a elucidação do caso e dificulta o esclarecimento da suspeita de execução do ex-policial, acusado de comandar uma milícia no Rio. É o que diz a defesa da família de Adriano, que tenta manter a conservação do corpo, apesar da decisão da Justiça do Rio determinando que o Instituto Médico-Legal (IML) libere o corpo do ex-PM.
A liberação pelo IML está prevista para esta terça-feira. Mesmo assim, o corpo será preservado numa funerária pelos próximos dias, segundo decisão inicial da família, comunicada pelos advogados em entrevista coletiva à imprensa na manhã desta terça.
Os defensores pediram tanto à Justiça no Rio quanto à Justiça na Bahia a realização de uma perícia independente no corpo, no local da morte em Esplanada (litoral norte da Bahia) e a conservação dos restos mortais até a realização dessa perícia. Entre idas e vindas da Justiça, prevaleceu uma decisão que determina a retirada do corpo do IML do Rio.
A defesa conta com uma decisão favorável da Justiça em Esplanada, ainda pendente de deliberação. Se isto ocorrer, e caso o corpo já tenha deixado o IML, ele voltaria para o local.
Adriano já foi homenageado pela família Bolsonaro. A mãe e a mulher do ex-policial foram empregadas no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, antes de ele ser eleito senador da República. Os empregos e a distribuição do dinheiro passaram a ser investigados no suposto esquema de “rachadinha” que operava no gabinete de Flávio, investigado pelo Ministério Público do Rio.
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Depois de dias de silêncio, Bolsonaro decidiu entrar na história. Deu declarações em que coloca em xeque a operação da PM da Bahia, cujo governo é do petista Rui Costa, e lançou suspeitas de manipulação de investigações pela polícia do Rio. O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), passou a ser desafeto do presidente.
Nesta terça, Bolsonaro chegou a pedir uma perícia independente no corpo de Adriano. O pedido dialoga com a solicitação da defesa do suposto miliciano, mas as interferências políticas são vistas como negativas pelos advogados.
— O componente político não é saudável para a elucidação do caso. Se o caso não tivesse tanta evidência, meus pedidos já teriam sido deferidos — disse o advogado Paulo Emilio Catta Preta, que defendia Adriano e que agora atua para a família do ex-PM.

Catta Preta evitou fazer uma avaliação sobre a postura do presidente, com declarações relacionadas ao caso:
— Não sou nem eleitor dele. A declaração (com pedido de perícia independente) nem prejudica nem atrapalha. O contexto político disso tudo, sim. Talvez meus pedidos já tivessem sido analisados (se não houvesse a interferência política). É um pedido simples. É de se estranhar porque tem sido tão difícil nesse caso, uma vez que há deliberações semanais na Justiça em casos semelhantes.
A defesa da família de Adriano também lança dúvidas sobre as versões oficiais das forças de segurança da Bahia a respeito da morte do ex-capitão do Bope. Para os advogados, há elementos que apontam para uma execução. Entre esses elementos estão uma ligação do próprio Adriano ao advogado, dias antes de ser morto, em que manifestou o temor de ser assassinado, assim como uma manifestação similar da mulher do suposto miliciano. Informações divulgadas na imprensa também embasam essa suspeita, conforme a defesa.
Os advogados não tiveram acesso aos celulares de Adriano, que foram entregues ao Ministério Público do Rio, segundo eles. Catta Preta diz não ter conhecimento de nenhuma mensagem ou ligação que reforcem as suspeitas de execução, pelo menos por enquanto.
O advogado diz que não se sabe até agora da existência de mensagens entre Adriano e a família Bolsonaro. Segundo o advogado, os Bolsonaro não procuraram a família do ex-capitão do Bope após a morte na Bahia.
A conservação do corpo e uma perícia independente, feita na presença de peritos oficiais, permitiriam esclarecer dúvidas sobre a quebra de costelas, marcas no corpo, desaparecimento de projétil e distância dos disparos, conforme a defesa.
Primeiro, a Justiça do Rio impediu a cremação do corpo. Depois, houve decisão em que se extingue a punibilidade dos crimes de Adriano — em razão de sua morte — e que derruba a necessidade de conservação do corpo pelo IML. Na Bahia, já houve uma decisão negando a realização de uma perícia independente. Um novo pedido foi protocolado no fim de semana, e a expectativa da defesa é de que haja uma decisão ao longo desta terça.
— Se o corpo deixar o IML, vai para uma funerária. A família está muito aflita com isso. A irmã concordou em não enterrar nem cremar o corpo pelos próximos dias. Vão tentar manter conservado na funerária. Se a Justiça deferir, a perícia será feita até quinta-feira, no máximo. A deterioração do corpo atrapalha ainda mais a elucidação dos fatos. A versão oficial prevaleceria sem qualquer tipo de contraposição — diz Catta Preta.
O advogado afirma que “a questão política me prejudica”:
— É um obstáculo para nós. É um caso de possível violência policial, de possível execução. Nesses casos, autoridades pedem investigação, mas o que há são notas de defesa da ação.

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