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© Getty Images A Casa Branca, em Washington; histórico dos
EUA em conflitos externos tem trajetória por vezes relacionada com disputas
eleitorais internas
Há 10 meses de disputar
a reeleição para o posto de presidente dos Estados Unidos e diante de
um processo de impeachment no Congresso — no qual é acusado de ter usado o
aparato diplomático americano para benefício pessoal e político —, Donald Trump tomou
pessoalmente a decisão de levar a cabo um ataque aéreo ao Aeroporto Internacional
de Bagdá, no Iraque, que levou à morte do general iraniano Qasem Soleimani,
chefe da Força de inteligência Quds, na última quinta (2/1).
Com o ato, Trump
deu uma guinada na política externa de sua gestão, até então marcada por
sanções econômicas e ataques cibernéticos ao país dos aiatolás.
"Acredito que
a partir de agora veremos os Estados Unidos agirem de maneira mais e mais
agressiva em relação ao Irã. Provavelmente (o assassinato de Soleimani) é um
sinal de que as negociações falharam e que os iranianos não estão dispostos a
ceder. Os americanos concluíram que terão que aumentar a força e que, no
Oriente Médio, para ser levado a sério, você deve usar violência. Trump estava
usando apenas a pressão econômica, e com isso apenas não ia ser bem-sucedido.
Agora, ele está usando pressão econômica e violência, com pouca, mas alguma
chance de sucesso", resume Faris Modad, diretor para o Oriente Médio da
consultoria IHS Markit.
Promessas de campanha
A política externa
americana é uma das áreas de maior prioridade do presidente. Ao longo dos
últimos 3 anos, Trump tentou deixar uma marca própria ao se engajar em uma
guerra comercial com a China, tentar reestabelecer relações diplomáticas com a
Coreia do Norte, refazer o acordo de livre comércio com México e Canadá. Seus
movimentos são uma tentativa de demonstrar que ele põe em prática o o lema de
sua campanha "America First", americanos primeiro, em contraposição
ao que considerou ser um estilo complacente do antecessor democrata Barack
Obama.
Isso também é
verdade em relação ao Oriente Médio. Ao longo da disputa eleitoral de 2016,
Trump fez duras críticas ao que chamou de "guerras sem fim", em
relação às ações americanas em países como Afeganistão, Iraque e Síria. Ele
defendeu a retirada das tropas americanas dessas áreas. Essa promessa foi
cumprida apenas parcialmente ao longo dos últimos três anos: houve redução no
contingente militar americano nesses países.
Mas, em vez de
satisfazer a audiência interna meramente, a estratégia pode ter sido importante
para levar os americanos a novos problemas.
A retirada de
soldados americanos de postos no Oriente Médio, de acordo com críticos, acabou
levando a vazios de poder nos territórios, mais tarde ocupados por inimigos dos
americanos, como a rede de inteligência iraniana de Soleimani.
"Para ser
eleito, Barack Obama vai iniciar uma guerra contra o Irã". O comentário
foi postado via Twitter por Donald Trump em novembro de 2011, cinco anos antes
que o empresário de Nova York se convertesse no 45º presidente dos Estados
Unidos, e oito anos antes que ele mesmo se visse diante de uma acusação
semelhante.
Outra das promessas
de campanha de Trump era a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear
firmado entre Barack Obama e o presidente iraniano Hassan Rohani, em que o Irã
se comprometia a reduzir o beneficiamento de urânio em troca do alívio de
sanções financeiras ao país. Em maio de 2018, Trump cumpriu sua palavra:
qualificou o Irã como "Estado patrocinador de terrorismo", deixou o
acordo e retomou as medidas restritivas sobre a economia do país. O plano era
enfraquecer o Irã com o cerco financeiro de modo que a negociação diplomática
avançasse a contento para os americanos. Não foi bem isso o que aconteceu, no entanto.
Em resposta, os
iranianos são acusados de orquestrar ataques militares cirúrgicos contra alvos
americanos ou aliados. As digitais de Soleimani, considerado o estrategista por
trás de tais ações, estavam quase sempre encobertas pela ação em campo de milícias
xiitas iraquianas e sírias, rebeldes iemênitas, além do grupo libanês
Hezbollah, todos treinados e equipados pela Força Quds.
"Se você olhar
para o padrão (da relação do Irã com os EUA) nos últimos meses, o fato de que
eles realizaram ou foram acusados de realizar esses diferentes incidentes sem
uma resposta enérgica, uma resposta militar e armada, pode ter encorajado os
iranianos a ver até onde poderiam ir", afirma Naysan Rafati, especialista
em Irã da organização internacional de prevenção de conflito Crisis Group.
Ele se refere, por
exemplo, ao ataque de drones, em meados de setembro, que destruíram duas das
principais instalações petrolíferas da Arábia Saudita, a maior exportador de
petróleo do mundo. O ato foi atribuído pelos americanos e seus aliados ao Irã,
o que o o governo do país sempre negou.
Há uma semana, no
entanto, um desses ataques acabou matando um civil americano em uma base
militar na província iraquiana de Kirkuk — em resposta, os Estados Unidos
detonaram ataques aéreos que mataram 25 milicianos iraquianos e feriram mais de
50. No último dia 31, xiitas iraquianos invadiram a embaixada americana no
Iraque.
"O Irã será
totalmente responsabilizado por vidas perdidas ou danos sofridos em qualquer
uma de nossas instalações. Eles vão pagar um preço muito grande! Isso não é um
aviso, é uma ameaça. Feliz Ano Novo!", tuitou Trump na tarde do dia 31,
cerca de 48 horas antes de ordenar o ataque que matou Soleimani.
"Tem havido
uma espécie de fervura constante nos últimos meses. Mas, nos últimos dias, pela
primeira vez, um cidadão dos EUA foi morto em um dos ataques. E então tivemos o
tumulto na embaixada. A situação assumiu uma nova dinâmica e os EUA decidiram
responder não mais apenas com sanções e ataques cibernéticos. Mas indo
diretamente atrás de altos oficiais militares iranianos. E, no que diz respeito
às altas autoridades iranianas, provavelmente não há ninguém tão significativo
quanto Soleimani. Sua morte é para os iranianos um ato de guerra",
argumenta Rafati.
Para Modad, o fato
de o Irã ter matado um civil americano e ameaçado o corpo diplomático do país
permitiu ao presidente Trump ambiente político doméstico para subir alguns
graus na relação e adotar uma ação militar contra Soleimani, um velho conhecido
das forças militares e de inteligência dos americanos. De acordo com os
analistas, os americanos já tiveram próximos a executá-lo em uma série de
ataques anteriores, mas sempre desistiam diante do cálculo de que os riscos
superavam os benefícios da medida. Não mais.
"Eles mataram
um funcionário terceirizado americano e tentaram invadir a embaixada dos EUA.
Portanto, tornou-se politicamente aceitável para os cidadãos americanos, que se
sentiram atacados, que o governo atacasse para defendê-los", diz Modad.
Unir os americanos em torno do
conflito
"Uma ação
defensiva decisiva", definiu o Pentágono. "O mundo é um lugar muito
mais seguro hoje, após o desaparecimento de Qasem Soleimani", defendeu o
secretário de Estado Mike Pompeo.
As declarações são
parte da narrativa de Trump para justificar e convencer a opinião pública
americana do acerto de sua decisão, motivada, segundo ele, pela proteção
inegociável das vidas e dos interesses americanos. E, uma oportunidade para que
ele marque diferenças claras em relação a si mesmo e a última gestão democrata
em situações de ameaça a americanos no exterior.
"Ainda bem que
o presidente é você e não a Hillary Clinton, senão teríamos um novo
Bengazi", escreveu uma apoiadora de Trump em resposta à mensagem do líder
em que criticava o ataque às instalações diplomáticas americanas no Iraque.
A eleitora
americana se refere ao assassinato do embaixador americano Christopher Stevens
na Líbia, em 2012, após um ataque a bomba ao consulado. O episódio gerou uma
crise no governo Obama, acusado de se omitir na proteção aos funcionários do
país no exterior, e terminou com a então secretária de Estado Hillary Clinton
admitindo a culpa pelas falhas de segurança no local. O assunto retornou na
campanha em que Hillary acabou derrotada por Trump.
"Acho que o
presidente não está procurando brigas no exterior para o consumo político
doméstico. O que vimos foi uma ameaça legítima para nós, a embaixada foi
atacada. E Bengazi ainda está nas mentes dos eleitores, Trump foi um grande
crítico (de Hillary Clinton na campanha) e não poderia agora dar uma resposta
insuficiente", afirmou à BBC News Brasil o analista político Michael
Johns, um dos autores de discursos presidenciais durante a gestão republicana
de Bush.
Aliados do
presidente criticaram as ações que levaram à morte de Soleimani, dizendo que
elas escapavam ao discurso de Trump de não intervenção dos americanos em
assuntos regionais que não lhes dissessem respeito. "Quem está realmente
se beneficiando disso?", questionou o comentarista da Fox News Tucker
Carlson, um dos mais contundentes apoiadores de Trump.
O questionamento
remonta a acusação que o próprio Trump fez a Obama sobre se engajar em uma
guerra em busca de votos (o que, de fato, não aconteceu). A relação entre
guerras e votos mobiliza o imaginário político do país. Observadores de
política americana argumentam que a reeleição do republicano George H.W. Bush
em 2004 se deveu menos a seus feitos administrativos e mais a sua imagem de
líder no esforço de "guerra contra o Terror", com as invasões no
Afeganistão e no Iraque pós ataques de 11 de setembro de 2001.
Antes dele, em meio
ao processo de impeachment pelo escândalo sexual na Casa Branca, o democrata
Bill Clinton ordenou o bombardeio de Belgrado, na Sérvia, como uma ação
humanitária em favor da etnia albanesa, sob ataque do governo sérvio. A
operação matou centenas de civis. Críticos dizem que a ação visava melhorar a
imagem pública do democrata.
Num passado mais
distante, em 1864, a condução da guerra civil americana foi primordial para que
Abraham Lincoln se tornasse o primeiro presidente dos EUA a ser reeleito. Já
Franklin Roosevelt obteve quatro mandatos presidenciais por conseguir conduzir
os Estados Unidos a uma onda de prosperidade concomitante à Segunda Guerra
Mundial.
Mas há também
exemplos em que o envolvimento em conflitos levou ao fracasso político do
presidente. É o caso de Richard Nixon com a Guerra do Vietnã, considerada uma
derrota histórica para as tropas americanas, com quase 60 mil soldados mortos.
"Uma aventura
militar, se a observarmos historicamente, tem a mesma probabilidade de arruinar
sua vida política ou de promovê-la. Se você se lança e fracassa, está
acabado", diz Modad, para quem esse tipo de raciocínio sobre a atual
decisão de Trump é "especulação boba de esquerda".
Para o
correligionário de Trump, Michael Johns, o presidente terá apoio dos eleitores
em sua medida militar, mas não terá ganho
político com a ação.
"A relação
entre conflitos e eleição tem sido mista. A Guerra do Vietnã obviamente não foi
útil para Richard Nixon porque foi percebida como mal conduzida. Não fomos
vistos como vencedores. Mesmo a Guerra do Iraque com Bush deixou os americanos
impacientes. Culturalmente, não são do agrado dos eleitores essas ocupações
prolongadas. Por outro lado, o antiterrorismo é prioridade e deve ser tratado
assim pelo comandante do país. Então, acho que o presidente fez será apoiado.
Mas a medida é sempre controversa, porque nunca é a última de uma série de
jogadas de xadrez", diz Johns.
Efeito Iêmen
A maior preocupação
de aliados de Trump é que a tensão e os ataques esporádicos possam se converter
em um longo e arrastado conflito entre os dois países, com ocupação
territorial, aos moldes do que se viu no Afeganistão. Isso poderia causar dano
na imagem de Trump junto aos eleitores.
E, de acordo com os especialistas em Irã, é exatamente esse tipo de tática em
que os iranianos são experts.
"Em caso de
guerra, não há garantia de que os Estados Unidos vençam. Claramente, o Irã não
pode derrotar os Estados Unidos de uma maneira convencional, no sentido
militar. Mas pode fazer uma guerra tão longa e tão cara, que os americanos não
poderão vencê-la politicamente", afirma Modad.
Para ele, o melhor
exemplo desse tipo de situação é o Iemên. Sofrendo com uma guerra civil
alimentada pela Arábia Saudita e pelo Irã há quase 5 anos, o país segue sendo
uma frente de confronto aberto que tem desgastado sobretudo aos sauditas.
"Os iranianos têm muita paciência e estratégia para alongar um conflito
desses", diz Modad.
Os analistas
consideram certo que haverá uma retaliação iraniana: aos aliados ou aos
americanos diretamente, de seu próprio exército ou de algum dos grupos
milicianos que eles patrocinam. E do ponto de vista político e militar, o Irã é
visto como um país mais estruturado e perigoso do que o Afeganistão ou a Coreia
do Norte.
"Os iranianos
já têm dito que estão sitiados por causa de sanções. As autoridades iranianas
vêm mencionando há meses uma guerra econômica. Para eles, essas provocações e
escaladas são partes de não se render às demandas dos EUA na campanha de
pressão máxima de Trump. Eles têm recursos bélicos e pouco a perder, o que
torna a situação potencialmente explosiva", diz Rafati.
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