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© Flickr Família
Bolsonaro Carlos,
Flávio, Jair e Eduardo Bolsonaro durante viagem a Taiwan, em 2018.
Desde as eleições
de 2018, o presidente Jair Bolsonaro e três filhos dele se tornaram alvos de
seis frentes de investigação.
Há acusações de
prática de rachadinha — quando funcionários do gabinete devolvem parte dos
salários para políticos —, de disseminação de notícias falsas, de uso de
funcionários fantasmas, de quebra de decoro parlamentar e de ligação com
suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson
Gomes.
O caso mais
rumoroso envolve Fabrício Queiroz, amigo do presidente e ex-assessor do então
deputado estadual Flávio Bolsonaro. A investigação sobre movimentações
financeiras atípicas, a exemplo de um cheque de R$ 24 mil para a primeira-dama
da República, deu origem a um imbróglio jurídico que chegou a paralisar
temporariamente centenas de investigações no país.
Para a Promotoria,
Flávio Bolsonaro comanda a organização criminosa abastecida por salários
devolvidos de assessores e usa uma loja de chocolate da qual é sócio para lavar
dinheiro.
Bolsonaro e seus
filhos negam veementemente todas as acusações. Para eles, as investigações são
baseadas em fake news e perseguições políticas orquestradas por adversários.
Veja abaixo as
principais investigações que envolvem a família Bolsonaro, em que pé elas estão
e o que os acusados dizem sobre cada uma delas.
1. Caso Queiroz
O caso gira em
torno de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e amigo de Jair Bolsonaro
desde a década de 1980. Ele passou a ser
investigado em 2018 depois que o Coaf (atual Unidade de Inteligência
Financeira), órgão que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro,
identificou diversas transações suspeitas suas.
Segundo o órgão,
Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valor
que seria incompatível com seu patrimônio e ocupação, e recebeu transferências
em sua conta de sete servidores que passaram pelo gabinete. Essas movimentações
atípicas, que vieram à tona num braço da Operação Lava Jato, levaram a uma
investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Mas a apuração teve
desdobramentos inesperados. Flávio Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal
Federal para barrar a apuração, e o caso deu origem a um debate na Corte sobre
o compartilhamento de informações financeiras sem autorização judicial prévia.
Centenas de investigações ficaram em suspenso.
Após meses de
espera, a tese do filho do presidente acabou derrotada por 9 votos a 2 no
Supremo no fim de novembro e as investigações foram retomadas por decisão do
ministro Gilmar Mendes.
Semanas depois, a
Promotoria deflagrou uma operação de busca e apreensão contra pessoas ligadas
ao gabinete do filho do presidente, a exemplo de familiares de Ana Cristina
Siqueira Valle, ex-mulher de Bolsonaro e mãe de um dos filhos dele.
Para os
investigadores, Flávio Bolsonaro é chefe de uma organização criminosa que atuou
em seu gabinete na Assembleia Legislativa entre 2007 e 2018, e parte dos
recursos movimentados no esquema foi lavada em uma franquia de chocolate da
qual ele é sócio. Flávio é
investigado sob suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização
criminosa. Não há informações detalhadas sobre os próximos passos nem previsão
de conclusão porque os processos correm sob sigilo.
Ele nega ter
cometido qualquer ilegalidade no caso. "Fabricio
Queiroz trabalhou comigo por mais de dez anos e sempre foi da minha confiança.
Nunca soube de algo que desabonasse sua conduta", disse, no Twitter,
quando o caso veio à tona. "Tenho meu passado limpo e jamais cometi
qualquer irregularidade em minha vida. Tudo será provado em momento oportuno
dentro do processo legal", afirmou Flávio em nota.
Bolsonaro também
foi à público à época para dar sua versão sobre o cheque de R$ 24 mil destinado
à mulher, Michelle Bolsonaro. Segundo ele, o dinheiro era o pagamento parcial
de um empréstimo de R$ 40 mil concedido ao amigo e ex-assessor do filho. Queiroz, por sua
vez, disse sempre ter agido de "forma lícita". Segundo ele,
funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro depositavam parte de seus salários
em sua conta a fim de ampliar, informalmente e sem o conhecimento do
parlamentar, a base de funcionários ligados ao então deputado estadual. Ele também negou
ter se "beneficiado de qualquer recurso público para si ou terceiro".
Segundo sua defesa, a investigação do Ministério Público não conseguiu
encontrar nenhuma irregularidade cometida por ele.
2. CPMI das Fake News
Depoimentos em uma
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito em andamento (a chamada CPMI da Fake
News) apontaram a participação de dois filhos do presidente da República e de
assessores próximos à família Bolsonaro em campanhas na internet para atacar
adversários com uso frequente de notícias falsas.
Alvo de ataques em
sites e redes sociais, a deputada federal e ex-líder do governo Joice
Hasselmann (PSL-SP) apresentou um dossiê à comissão em que aponta "milícias
digitais" em torno de Bolsonaro que praticam ataques orquestrados a
críticos de sua gestão.
Segundo ela, as
ofensivas são impulsionadas por robôs, pelos filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro
e por assessores do Poder Executivo e de parlamentares aliados do governo.
Outro deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), também alvo de ataques e
outro ex-aliado, fez acusações semelhantes.
Para a deputada
federal Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da CPMI, "é muito difícil
imaginar que exista um gabinete atuando ali e que ele (Bolsonaro) não saiba o
que acontece ali".
Ela ressalta que o presidente não foi implicado
diretamente em nenhum depoimento, mas sim seus familiares e auxiliares. Segundo Da Mata, há
três núcleos sob investigação: "o operacional, que conta com assessores de
deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o
núcleo econômico, que todos queremos identificar". Um dos próximos passos
da CPMI é "seguir o caminho do dinheiro".
Na CPMI, Eduardo
Bolsonaro afirmou que não iria fazer perguntas a Frota por "ter mais o que
fazer". "Tenho que trabalhar, em vez de ficar aqui ouvindo baboseiras
e ilações sem qualquer conexão com a verdade." As acusações de
Frota e Joice foram rebatidas por deputados da base governista e aliados do
presidente, que as classificaram de "falsas", "fruto de
vingança", "sem provas" e "conto de fadas". A CPMI das
Fake News foi apelidada por eles de CPI da Censura.
A comissão, que vai
até abril de 2020, mas pode ser estendida, surgiu para investigar suspeitas de
ataques na internet e utilização de perfis falsos para influenciar as eleições
2018 e já se espalhou para o possível uso dessas práticas depois do pleito. Os próximos passos
da CPMI devem incluir pedidos de informações de plataformas de redes sociais
(quem são os detentores das contas, por exemplo), especialistas e assessores
parlamentares acusados, entre outros. O relatório final pode sugerir
indiciamentos e mudanças da lei.
Joice Hasselmann
também depôs no inquérito que corre no Supremo sobre notícias falsas, mas não
há informações sobre o caso conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes porque
ele corre sob sigilo.
3. Suspeita de uso de
assessores-fantasmas por Carlos Bolsonaro
O vereador Carlos
Bolsonaro passou a ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro
após reportagens apontarem que assessores nomeados em seu gabinete nunca
exerceram de fato essas funções. Na investigação,
que corre sob sigilo, promotores suspeitam da existência de um esquema de
rachadinha, semelhante ao do irmão Flávio. Ou seja, funcionários devolveriam o
salário, parcial ou integralmente, para o parlamentar.
Um dos casos
apontados pela revista Época envolve Marta Valle, cunhada de Ana Cristina
Siqueira Valle, ex-mulher do presidente da República. Marta passou sete anos e
quatro meses lotada no gabinete de Carlos Bolsonaro, mas afirmou ao veículo:
"Não trabalhei em nenhum gabinete não". Ao longo de 18 anos
de mandato na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, Carlos empregou Ana
Cristina e sete familiares dela. Na Assembleia Legislativa fluminense, Flávio
deu emprego a nove familiares da então mulher de seu pai. Na Câmara dos
Deputados, Bolsonaro nomeou seis membros da família dela.
Em abril deste ano,
o jornal Folha de S.Paulo também encontrou uma mulher alocada no gabinete de
Carlos Bolsonaro que afirmou à reportagem nunca ter trabalhado na função que
lhe renderia R$ 4.271 por mês. O chefe de gabinete
do vereador, Jorge Luiz Fernandes, negou à Folha que essa assessora recebesse
salário sem prestar serviços, e que ela entregava mala direta em um reduto
eleitoral de Carlos e anotava reivindicações de eleitores.
No Twitter, Carlos
Bolsonaro rebateu as acusações, sem citá-las diretamente: "Imprensa lixo,
não adianta me chamar para a briga, com desinformações que vocês sempre
fomentaram, que não vou cair na armadilha. Qualquer um sabe o motivo disso tudo
e qual o objetivo. Tranquilo e despreocupado! Bom dia a todos!"
4. WhatsApp na eleição de 2018
O Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) passou a investigar a campanha presidencial de Jair Bolsonaro
depois que uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo apontou que empresas
compraram, sem declarar à Justiça Eleitoral, pacotes de disparos em massa de
mensagens contra o PT no WhatsApp. Esta e outras
reportagens serviram de base para diversas ações na Justiça eleitoral (chamadas
de ação de investigação judicial eleitoral), ainda em tramitação, movidas por
partidos como o PT e o PDT. A campanha do petista Fernando Haddad, inclusive,
também passou a ser alvo de apurações.
Segundo a lei
eleitoral, um candidato pode divulgar conteúdo e repassar a seus eleitores se
respeitar os termos de uso das plataformas digitais, e pagar a essas redes
sociais para alcançar fatias específicas do eleitorado. Mas esse dinheiro deve
vir dos recursos do partido ou de doações de pessoas físicas, e não de
empresas.
A legislação
eleitoral tampouco permite a utilização de bases de dados de terceiros (como
números de telefones e emails) para o envio de conteúdo, exceto para quem
autorizar o recebimento desse material.
Para a Justiça
brasileira, o impulsionamento de conteúdo, ou seja, as estratégias automáticas
adotadas para tornar o alcance maior que o compartilhamento natural entre
usuários, pode ser desequilíbrio irregular da disputa eleitoral.
O envio massivo
ilegal associado à disseminação de informações falsas pode levar, em última
instância, à perda do mandato, pagamento de multa e exclusão do conteúdo falso.
Não declarar esses gastos à Justiça Eleitoral pode ser também considerado caixa
dois. Os principais
candidatos do pleito negaram diversas vezes qualquer envolvimento com essa
prática, e mesmo a existência dela no WhatsApp, plataforma usada por 7 em cada
10 eleitores durante o pleito de 2018, segundo o Datafolha.
Mas em outubro
deste ano, o WhatsApp admitiu pela primeira vez a existência de envios de
disparos em massa durante a campanha eleitoral de 2018. Entre 15 de agosto
e 28 de outubro de 2018, a plataforma que pertence ao Facebook afirmou ter
banido mais de 400 mil contas no Brasil por práticas que violam os termos de
uso, a exemplo do uso de robôs para disseminar informações e criação
automatizada de grupos.
Ao longo do
processo principal que corre no TSE, o ministro Og Fernandes pediu a dez
empresas de telefonia informações sobre números de telefone ligados às agências
as quais a Folha de S.Paulo apontou envolvimento com disparo de mensagens. Ainda não houve
decisão sobre o caso e não há previsão de conclusão do processo.
5. Novo AI-5
Após ter levantado
a possibilidade de um "novo AI-5" (ato institucional decretado pela
ditadura militar em 1968 dando ao governo mais poderes autoritários) no país, o
deputado federal Eduardo Bolsonaro passou a ser alvo de processos na Câmara e
no STF. A fala de Eduardo
ocorreu em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle no YouTube, após uma
pergunta sobre os protestos que estão ocorrendo no Chile.
"Se a esquerda
radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta
pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um
plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada",
afirmou. Depois da forte
reação negativa e de ser repreendido até pelo pai, o deputado disse ter sido
mal interpretado e pediu desculpas.
"Eu peço
desculpas a quem porventura tenha entendido que estou estudando o retorno do
AI-5 ou achando que o governo, de alguma maneira, estaria estudando qualquer
medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma
interpretação deturpada do que eu falei", disse ao apresentador José Luiz
Datena.
A declaração de
Eduardo sobre a possibilidade de um novo AI-5 gerou reação de partidos de
esquerda, centro e direita e até mesmo uma nota de repúdio da Executiva
Nacional de sua sigla, o PSL. Em 26 de novembro,
o Conselho de Ética da Câmara decidiu abrir processos contra o deputado, a
partir de pedidos de Psol, PT, PC do B e Rede.
O conselho
geralmente chega a uma decisão em até 90 dias sobre casos abertos. Se houver
punição, ela pode ir de uma censura verbal à perda do mandato. A decisão final
cabe ao Plenário da Câmara e depende de uma maioria absoluta (metade dos votos
mais um).
Para Eduardo, o
processo visa censura e intimidação.
6. Caso Marielle
A família Bolsonaro
se viu envolvida na investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle
Franco e do motorista Anderson Gomes depois que um porteiro afirmou à polícia
que um dos acusados do crime se dirigiu à casa do hoje presidente horas antes
do homicídio.
O depoimento à
Polícia Civil do Rio de Janeiro veio à tona depois de uma reportagem do Jornal
Nacional no dia 29 de outubro. Segundo a emissora, um porteiro do condomínio
Vivendas da Barra disse que Élcio Queiroz afirmou que iria à casa que pertence
ao presidente. A testemunha
relatou ter ligado, ao receber Queiroz na guarita, para casa 58 para confirmar
se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou. Em dois
depoimentos, o porteiro disse ter reconhecido a voz de quem atendeu como sendo
a do "Seu Jair".
O então deputado
federal Bolsonaro estava em Brasília no dia dos assassinatos, e o depoimento do
porteiro gerou reação inflamada de membros e aliados do governo Bolsonaro. O procurador-geral
da República, Augusto Aras, afirmou que o episódio era um "factoide".
Para Sergio Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, o envolvimento do
nome do presidente na investigação foi "um total disparate".
A Polícia Federal
foi designada para ouvir o porteiro, e este recuou do depoimento. Segundo o
jornal O Globo, ele disse à Polícia Federal ter anotado errado o número da casa
na planilha e que inventou o relato sobre "Seu Jair" para justificar
o erro no registro do acesso. Carlos Bolsonaro,
filho do presidente, gravou e publicou um vídeo nas redes sociais no qual
acessa o sistema de gravações da portaria a fim de mostrar que não havia nenhum
registro de ligação para a casa de seu pai no momento apontado pelo porteiro.
O caso levou a
acusações de obstrução de justiça contra Jair e Carlos, mas em meados de
dezembro o ministro do STF Alexandre Moraes arquivou os pedidos de investigação
porque a PGR não viu elementos a serem apurados. Bolsonaro afirmou
que "alguns" querem "jogar para cima de mim a possibilidade de
eu ser um dos mandantes do crime da Marielle".
E acusa
nominalmente o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de manipular a
investigação do assassinato de Marielle para tentar destruir sua reputação. Witzel disse que
vai processar o presidente pelas "acusações levianas". Há também citações
na investigação dos homicídios ao nome do filho Carlos Bolsonaro, vereador que
mora no mesmo condomínio Vivendas da Barra, por causa de um bate-boca entre ele
e um assessor de Marielle Franco.
Carlos já havia
prestado depoimento à polícia sobre o episódio em abril de 2018 na condição de
testemunha. Segundo ele, a própria Marielle, com quem disse ter um
relacionamento "respeitoso e cordial", interveio para acalmar os
ânimos, encerrando a discussão. Investigadores da
Polícia Civil também tem levantado informações sobre a relação entre a família
Bolsonaro e os dois acusados de participação direta no crime: Élcio Queiroz e
Ronnie Lessa.
Em agosto de 2018,
Queiroz havia publicado uma foto em seu perfil do Facebook na qual aparece com
um uniforme da Polícia Militar — à época ele já havia sido expulso da
corporação — e abraçado com Bolsonaro. Em março de 2019,
Lessa foi preso na residência onde mora no condomínio Vivendas da Barra, onde
Bolsonaro e Carlos têm casas. À época, o Ministério Público falou em
coincidência.
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