Catarina Barbosa
Brasil de Fato | Belém (PA)
Brasil de Fato | Belém (PA)
Bolsonaro editou decreto para criar marco legal que permitirá venda
simbólica das florestas a países ricos emissores de gases poluentes /
Greenpeace
Lucro para desmatar,
lucro para reflorestar Segundo especialistas, inclusão de florestas no mercado
de carbono não representa preservação e beneficiará agronegócio
Mais uma Conferência
das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas passou e os países participantes
não chegaram a um acordo para reduzir as emissões de poluentes e salvar o que
resta do planeta.
A COP-25, realizada
em dezembro em Madri, Espanha, também adiou o estabelecimento definitivo do
mercado de carbono, um dos temas centrais do evento. Mas o Brasil do governo de
Jair Bolsonaro, de olho no lucro que esse mercado pode gerar, já está se
antecipando ao criar marcos legais necessários para permitir que as florestas
nacionais sejam utilizadas para gerar créditos de carbono.
Esses mecanismos de
troca, chamados de offsets, foram criados em 1997, com a assinatura do
Protocolo de Kyoto, e permitem que empresas de países poluidores paguem por
serviços ambientais e ações que mitiguem danos causados por suas devastações.
Contrariando um
posicionamento histórico do Brasil, Bolsonaro decidiu incluir as florestas no
modelo de compensação de gases do efeito estufa. Com a publicação do decreto nº
10.144, de 28 de novembro de 2019, ficou permitida a comercialização de
créditos de carbono gerados por florestas para mitigar a poluição de outros
países.
Na prática, o Brasil
se prepara para vender simbolicamente partes das florestas – ou a absorção de
carbono gerada pelas árvores – para países capitalistas que emitam esses gases
em excesso.
Estima-se que as
florestas nacionais poderiam gerar cerca de US$ 70 bilhões em dez anos por meio
dessas trocas no mercado de carbono.
A Amazônia na bolsa
de valores
A medida parece
garantir a manutenção da floresta em pé, mas na verdade, é mais um ativo que
contribui para devastação das florestas brasileiras e avanço do aquecimento
global. É o que defende a advogada especialista em direito ambiental e
integrante da organização não governamental Grain América Latina, Larissa
Packer.
Segundo ela, o offset
florestal, ou a “monetização da floresta”, não resolve a questão climática
global e permite que os países que mais emitem gases do efeito estufa continuem
poluindo o meio ambiente, uma vez que não precisam parar de poluir. Limitam-se
a comprar os créditos de carbono.
“Isso significaria
uma transferência da responsabilidade dos poluidores para os países do sul, que
têm a maior floresta do mundo e mais barata. Para eles compensa muito mais
realizar o dano e pagar uma multa e vir compensar pagando um crédito de carbono
barato do que eles limitarem o crescimento de uma indústria”, resume.
Letícia Turra é
diretora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e
membro do Grupo Carta de Belém, uma das 70 organizações que assinaram durante a
COP 25 um manifesto contrário aos offsets florestais.
Ela argumenta que o
perigo de transformar a floresta em um ativo econômico está no fato de ela
passar a obedecer as regras do mercado: quanto maior a escassez, maior o valor
agregado ao produto. Ou seja, um número reduzido de florestas preservadas
teriam alto valor na bolsa de valores. Esse é o sistema que poderia incentivar
a devastação da floresta.
“É um discurso
perigoso é que em nome do clima ou em nome da emergência climática expulsando
populações dos seus territórios, você pode acabar intervindo no modo de vida de
populações tradicionais ou pode acabar produzindo engodos, você fala que está
produzindo uma grande coisa e não está. Está produzindo mais criminalização,
mais injustiças”.
Região entre o
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecida como Matopiba, considerada a
vitrine do agronegócio brasileiro e responsável pelo desmatamento do Cerrado.
O falso discurso da
preservação ambiental
Entre os governadores
da Amazônia, o governador do Pará, estado que mais desmata a Amazônia, Helder
Barbalho (MDB), é um dos que defende a monetização da floresta. Durante a
COP-25, ele afirmou que “a floresta em pé precisa ser vista como ativo
econômico, gerador de emprego, renda, desenvolvimento e de oportunidades aos
brasileiros, amazônidas, paraenses”.
Contrariando a argumentação
de Barbalho e de outros políticos da região amazônica, especialistas consideram
a medida uma “falsa solução”. De acordo com Letícia Turra, o debate sobre o
tema é colocado como a favor preservação ambiental, quando na verdade
representa o contrário.
Ela destaca que, na
contramão do discurso verde, o agronegócio pode ser um dos maiores beneficiados
com a transformação da floresta em ativo ambiental: um fazendeiro passaria a
ter possibilidade de lucro lucrar reflorestando áreas degradadas com monocultivos,
por exemplo, uma vez que a floresta não precisa ser nativa para fazer parte do
processo.
“Pode fazer plantação
de eucalipto para monocultivo, produção de papel e ganhar duas vezes,
principalmente da forma como essa regulamentação vai se dar, porque à princípio
a regulamentação não está concluída, então, dependendo do que for considerado
como ‘serviços ambientais’, ela pode entrar, porque estudos para justificar
existem. A ciência está em disputa”, assinala.
Constituição ferida
A especialista em direito ambiental, Larissa Packer explica que não só a
brasileira, mas diversas constituições democráticas do mundo, principalmente as
ocidentais, tutelaram o meio ambiente no pós-segunda guerra mundial.
“Essa posição
histórica do governo é mantida exatamente por estar de acordo com o regime
jurídico constitucional. Ao editar esse decreto e autorizar a emissão de
títulos como se fossem ativos ambientais negociáveis, apropriáveis,
transacionados em mercados e bolsas financeiras de valores. Isso é passível de
questionamento no Supremo Tribunal Federal”, assegura.
Packer diz que a
medida é inconstitucional, porque a floresta, segundo a Constituição Federal, é
um bem de todos e não pode ser apropriada, segundo manda o artigo 225, segundo
o qual o meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como a integridade
ambiental é um bem comum do povo.
“A qualidade da água,
a qualidade do ar, da atmosfera, a qualidade de regulação climática e
hidrológica… todas essas funções, qualidades, integridades fornecidas pelo meio
ambiente, não podem ser apropriadas, compradas e vendidas como qualquer outra
mercadoria, porque justamente fazem parte dos bens comuns. Não são bens
públicos. Ou seja, nem o Estado, em nome da coletividade, pode se apropriar
disso”, resume.
Edição: Rodrigo
Chagas
Nenhum comentário:
Postar um comentário