© Getty Images McGoey define a 'ignorância estratégica' como a 'habilidade de explorar o desconhecimento para ganhar mais poder' |
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OBS.: NO FINAL DO TEXTO É FEITA UMA REFERÊNCIA A POLÍTICA LOCAL E BRASILEIRA.
Em setembro de
2004, a multinacional farmacêutica Merck retirou do mercado seu remédio Vioxx,
indicado para doenças articulatórias, devido ao risco de causar problemas
cardiovasculares. A rápida retirada, de maneira voluntária pela empresa, de uma
droga que no ano anterior havia gerado U$ 2,5 bilhões (R$ 10 bilhões) em vendas
foi elogiada pela prestigiada publicação médica The Lancet como "um
exemplo de prática farmacêutica responsável".
Um mês depois, o
jornal americano The Wall Street Journal publicou e-mails vazados indicando que
os executivos da Merck sabiam dos riscos do remédio havia anos. A Lancet
rapidamente retirou seu elogio dizendo que havia sido "prematuro".
Para a canadense
Linsey McGoey, autora do livro The Unknowers: How Strategic Ignorance
Rules the world ("Os desconhecedores: como a ignorância
estratégica rege o mundo", em tradução livre), ainda não traduzido para o
português e lançado no mês passado no Reino Unido, o caso
Vioxx é um exemplo de como pessoas, empresas e governos optam por ignorar
informações para benefício próprio.
McGoey chama esse
fenômeno de "ignorância estratégica": "A habilidade de explorar
o desconhecimento para ganhar mais poder", disse à BBC News Brasil.
A socióloga e
professora da Universidade de Essex foi a primeira pessoa a usar esse termo
aplicado a instituições de regulamentação, um trabalho iniciado em sua tese de
doutorado na London School of Economics (LSE). Em sua tese, McGoey investiga
como indústrias farmacêuticas usam a ignorância como estratégia para aprovar
medicamentos sem informar ao público sobre seus efeitos adversos.
No caso da Merck,
com o vazamento de e-mails, ficou claro que os executivos da empresa escolheram
ignorar os riscos do Vioxx e distorcer resultados de testes para favorecer a
sua aprovação junto da Food Drug Administration (FDA), a agência de vigilância
sanitária análoga à Anvisa nos EUA. Um teste realizado em 1999 comparando Vioxx
com o anti-inflamatório naproxeno apontou que Vioxx apresentava menos efeitos
gastrointestinais que o naproxeno, mas também um risco 80% maior de reações
cardiovasculares adversas, incluindo risco de morte.
© Divulgação 'As pessoas com mais poder são as que mais
lucram com a exploração deliberada de incertezas', diz socióloga.
A correspondência
vazada pelo jornal mostra que o cientista-chefe da Merck na época, Edward
Scolnick, escreveu um e-mail para seus colegas comentando o estudo, dizendo que
"era uma pena". Os cientistas da Merck publicaram o estudo afirmando
que Vioxx diminuía efeitos gastrointestinais enquanto o naproxeno diminuía o
risco de doenças cardiovasculares – não que o Vioxx aumentava em 80% o risco.
O remédio continuou
a ser vendido até que novos testes confirmaram seguidamente a gravidade do
problema.
Só nos Estados Unidos, mais de 30 mil pessoas processaram a empresa
por complicações cardiovasculares causadas pela droga, e a Merck anunciou que
gastaria U$ 4,85 bilhões (R$ 20 bilhões) para cobrir as indenizações de vítimas
do remédio ou familiares de pessoas que morreram por causa da droga.
Em seu livro
recém-lançado, a socióloga vai além dos casos da indústria farmacêutica e
aponta como a ignorância é explorada por diferentes grupos para fins políticos
em governos, decisões jurídicas, na mídia e até nas mais influentes teorias
econômicas.
"Há
hierarquias de ignorância e, em geral, a ignorância de pessoas simples é a mais
criticada, mas eu argumento que essa hierarquia precisa ser invertida, porque é
justamente entre as pessoas com maior poder que a ignorância se torna mais
valiosa e com os efeitos políticos mais devastadores", diz McGoey.
"Apesar de a
ignorância ser universal, diferentes grupos sociais a usam de maneiras
específicas, e as pessoas com mais poder são as que mais lucram com a
exploração deliberada de incertezas".
Entre os exemplos
trazidos no livro, há um capítulo
inteiro dedicado ao magnata Rupert Murdoch, que disse não saber que seus
funcionários hackeavam telefones para obter furos jornalísticos no tabloide
News of the World, em um dos maiores escândalos da mídia britânica das últimas
décadas.
No caso de Murdoch,
afirmar que ele não sabia dos grampeamentos de telefones – embora ele pudesse
ter se informado caso quisesse – seria uma tática de ignorância estratégica,
pois isso o protege de implicações jurídicas.
Apesar de ser um
conceito novo na sociologia, a ignorância estratégica existiria há séculos e,
segundo McGoey, isso prova que a pós-verdade não é um fenômeno recente. Eleita
a palavra do ano pelo Dicionário Oxford em 2016, a pós-verdade foi descrita
como o substantivo "que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais
fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos
à emoção e a crenças pessoais".
"Se você olhar
para a história moderna, verá vários exemplos de pessoas tentando gerar fatos
alternativos ou dizendo que a realidade de alguém não é verdade para ganhar
vantagens políticas. Não há nada novo na tentativa de manipular as fronteiras
entre o que é real e o que não é", afirma.
Um exemplo de
pós-verdade, diz ela, seria a acusação do governo americano de que o Iraque
produzia armas de destruição em massa, uma alegação nunca comprovada que foi
usada para justificar a invasão ao país árabe em 2003. Hoje, diversos
especialistas dizem que as grandes reservas de petróleo do país foram um fator
importante, senão a principal razão, para a invasão.
"As redes
sociais podem trazer novas formas de mediar a pós-verdade, mas essa manipulação
não é um fenômeno novo. A invasão do Iraque, por exemplo, aconteceu após a
manipulação de evidências e do que sabíamos até então para conseguir apoio
político para uma intervenção", afirma.
'Homo ignorans'
A socióloga diz que
há três tipos de "homo ignorans": o ignorante inocente, que não tem ideia
do que desconhece; o que entende que não sabe tudo e que reconhece que o que
você não sabe é tão relevante quanto o que você sabe; e o agnotologista, que
tenta fabricar incertezas ou uma falta de conhecimento público
intencionalmente.
O terceiro tipo se
refere à agnotologia, que é o estudo das políticas de produção de ignorância,
um conceito criado pelo historiador americano Robert Proctor, da Universidade
de Stanford, em 2005. Esse conceito seria aplicado a figuras de poder que
querem esconder informações para benefício próprio.
Esse tipo de
ignorante, sublinha McGoey no livro, pode estar em qualquer espectro político,
sejam mais conservadores ou progressistas. No livro, ela cita dois presidentes
americanos de partidos adversários que utilizam da mesma técnica. Um deles é o
atual presidente americano Donald Trump, que diz que as mudanças climáticas são
uma farsa porque reconhecer problemas ambientais atrapalharia seus interesses
políticos e econômicos.
Outro é Barack
Obama, seu antecessor, que tirou proveito da ausência de evidências de mortes
de civis causadas por drones de uso militar para se esquivar de críticas no
final de seu governo. Os ataques de drones como combate ao extremismo, uma
tática intensificada durante a era Obama, tinham sua eficácia questionada por
organizações de direitos humanos na época.
Pressionado sobre
as mortes de civis causadas por drones no Oriente Médio, Obama disse em 2016
que entre 64 e 116 civis foram mortos nesse tipo de ataque durante seu governo.
Em uma reportagem publicada no The Guardian, o jornalista Spencer Ackerman
acusou o governo americano de apresentar uma contagem incompleta que não levou
em conta ataques em países como Afeganistão, Síria e Iraque.
Apesar de tantos
exemplos de ignorância por parte de executivos e chefes de Estado, McGoey
argumenta que hierarquias de ignorância fazem com que algumas camadas da
população – no caso as com menor poder político, econômico e social – sejam
vistas como mais ignorantes.
Um exemplo dessa
hierarquia é a visão construída sobre o eleitor médio do Brexit, a saída do
Reino Unido da União Europeia (UE). Entre os críticos ao Brexit, há um
entendimento comum de que muitos eleitores de classe operária votaram pela
saída da União Europeia por ignorância.
Essa ideia foi
popularizada após notícias apontando a explosão de buscas no Google perguntando
"o que é a União Europeia" logo após o referendo. Mais tarde, porém,
os relatórios foram escrutinados por um site de checagem de dados chamado
Politifact, que apontou que cerca de 1 mil buscas foram realizadas naquela
noite, colocando em perspectiva a ideia de que as pessoas que votaram pelo
Brexit não sabiam o que é a UE, dado que o país tem 40 milhões de habitantes e
contou com um não comparecimento eleitoral maior que 70% no referendo.
"Muitas vezes
as pessoas reclamam da falta de conhecimento público sobre certos
acontecimentos, mas essa ideia de déficit público de conhecimento é limitada
porque geralmente coloca a culpa da ignorância no público em geral, ou em um
sistema de educação ou na falta de investimento em educação", explica a
socióloga.
"Mas ainda não
foi estudada com profundidade a ideia de que mesmo que você tenha acesso a toda
a educação do mundo você continuará institucionalmente posicionado de maneira
que não seja vantajoso para você buscar conhecimento", diz a autora.
'A busca pelo
conhecimento foi teorizada como a essência do ser humano', diz McGoey. 'Mas,
apesar de parecer óbvio que as pessoas queiram ignorar fatos, a ignorância não
foi tão estudada'
Desconhecimento infinito
McGoey faz parte de
um grupo emergente de acadêmicos que teorizam sobre a ignorância nas ciências
sociais, econômicas e criminais dentro do campo que foi chamado de
"estudos da ignorância". O primeiro manual internacional desse tipo
de estudo foi publicado recentemente, em 2015, em resposta ao que os teóricos
dessa área chamam de falta de atenção ao desconhecimento nas ciências sociais.
"A busca pelo
conhecimento foi teorizada como a essência do ser humano", diz ela.
"Mas, apesar de parecer óbvio que as pessoas queiram ignorar fatos, a
ignorância não foi tão estudada quanto a geração de conhecimento". Parte
do problema, segundo ela, é que a ignorância não pode ser medida como o
conhecimento.
"A ignorância
é imensurável e isso explica em parte seu poder. E isso é um desafio para
cientistas sociais, porque eles fazem mapeamentos, anotações, tomam medidas
para entender o tamanho de um fenômeno e a ignorância por sua natureza é o não
saber".
Se a ignorância é
infinita, política e imensurável, como resolver esse problema?
"Temos que
entender que todos nós compartilhamos ignorância e devemos ser mais gentis uns
com os outros por ignorarem algo, seja intencionalmente ou não", diz
McGoey. "Depois, devemos olhar para sistemas educacionais e entender como
eles estão implicados na geração de ignorância."
"Quando
fizermos isso, acho que poderemos ver que temos mais a ganhar ao reconhecer
nossas ignorâncias compartilhadas em vez de chamar alguém disso ou daquilo ou
de assumir que o conhecimento de alguém é infinito, quando provavelmente é
limitado. Acho que devemos escrutinar até mesmo as figuras mais veneradas da
sociedade.
EM TEMPO:
1 - A socióloga
Linsey McGoey, deveria passar uma temporada no Brasil, para defender uma tese
de doutorado, analisando a “mentira imposta pelos políticos, como também, o comportamento da mídia, da música e
de algumas igrejas que enganam os menos esclarecidos, fazendo o povo de bobo”;
2 - Afinal, o Brasil é um país com um campo
fértil para a mentira e para os políticos profissionais e enrolões, passando
pela proliferação dos boatos (fake news), pelos políticos de um modo geral até
o presidente Bolsonaro;
3 - Convém lembrar que a maioria da população, isto é, no
mundo inteiro é conservadora;
4 - Exemplo local: Por exemplo: Os "out-door" expostos pelo deputado estadual Sivaldo Albino, em pontos estratégicos da cidade, cuja mensagem faz referência a uma reivindicação federal, duplicação da BR 423, onde o Deputado sequer tem alguma ingerência, faz parte da estratégia em tela. (grifo do blog)
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