Juca Guimarães
Brasil de Fato
São Paulo (SP)
Episódios como o
assassinato da estudante Ágatha Félix, de 8 anos, ocorrido na sexta-feira (20)
no Rio de Janeiro, são resultado direto da autorização tácita para matar que
policiais e outros agentes do Estado vêm recebendo de autoridades como o
governador fluminense, Wilson Witzel (PSC), e o presidente da República, Jair
Bolsonaro (PSL). A avaliação é de Julita Tannuri Lemguber, socióloga,
ex-diretora do Sistema Penitenciário e ex-ouvidora da Polícia no Rio.
Ágatha estava dentro
de uma kombi com o avô, no Complexo do Alemão, quando foi baleada nas costas.
Moradores afirmaram que PMs atiraram contra uma moto que passava pelo local, e
o tiro atingiu a criança.
“No momento em que
você tem governantes como o Bolsonaro e o Witzel, que defendem o excludente de
ilicitude, ou seja, defendem que o policial pode matar e não responder por
isso, é claro que a polícia se sente com licença para matar”, disse a
socióloga.
A figura do
“excludente de ilicitude” consta do pacote de “Leis Anticrime” produzido pelo
ministro da Justiça, Sérgio Moro, e que está em análise no Congresso Nacional.
O “excludente” prevê atenuantes para policiais que cometerem assassinatos,
inclusive o direito de sequer responder judicialmente pelo ato.
A “licença para
matar” pode ser traduzida em números. Nos primeiros seis meses deste ano,
quando começaram os mandatos de Bolsonaro e Witzel, a polícia do Rio matou 881
pessoas, aumento de 15% em relação a igual período ano passado (769 mortes).
O número, em termos
estatísticos, equivale a 5,2 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Para se
ter uma ideia da gravidade, em São Paulo, onde o governador João Doria (PSDB)
também defende a letalidade policial, esse índice é de 0,9 por 100 mil. Os
dados são do Instituto de Segurança Pública, no Rio, e da Secretaria de
Segurança Pública, em São Paulo.
Pior: a maioria dos
crimes cometidos por policiais, em serviço ou não, acaba arquivada sem nenhum
tipo de punição.
“O Brasil tem uma
taxa de esclarecimento baixíssima, entre 8% e 12%, em relação aos homicídios de
maneira geral. Essa impunidade estimula a violência”, afirma Julita.
Não existem
estatísticas em relação ao esclarecimento de assassinatos cometidos por
policiais, mas no Rio, segundo a socióloga, apenas 6% dos casos são denunciados
pelo Ministério Público (MP). Ela critica o modelo de investigação e atuação do
Ministério Público, que considera falho.
“O Ministério Público
tem a obrigação de fazer o controle externo da polícia. Historicamente, ele faz
o controle do inquérito e acha que isso é suficiente. Se o Ministério Público
fosse mais atuante, se pronunciasse, fosse mais enérgico, talvez o quadro fosse
diferente. O Ministério Público não dá encaminhamento a todos os procedimentos
abertos. A maioria ele arquiva sem uma investigação mais criteriosa”, revela.
Para o advogado Ariel
de Castro, com atuação na área de Direitos Humanos, a solução para conter a
letalidade policial é o fortalecimento e a autonomia das corregedorias.
“Precisamos de
corregedorias independentes, de preferências não vinculadas às corporações.
Corregedorias com pessoas concursadas especificamente para função. Hoje, mesmo
que a pessoa momentaneamente vai para uma corregedoria, ele é um policial de
carreira e sabe que quando ele sair da corregedoria vai para um batalhão ou uma
delegacia e lá vai correr riscos porque pode encontrar com alguém que ele
ajudou a condenar, que ele investigou, pode ter desafetos, pode sofrer
perseguição. Então ele atua com receio na corregedoria”, disse.
Ariel faz duras
críticas ao modelo de combate à violência adota pelos governos atuais.
“Uma polícia
descontrolada, violenta e que tem a principal finalidade de matar, que sai para
a rua como se estivesse em guerra tratando os jovens, os negros e os pobres
como inimigos. Essa polícia que pode num dia matar um suspeito pode matar
qualquer um de nós, até por motivos ideológicos”, alerta o advogado.
Edição: João Paulo
Soares
“Parem de nos matar”,
pedem moradores em ato no Rio contra morte de Ágatha, de 8 anos
Protesto contra mortes de Ágatha e de outras crianças ocorreu em frente à
Alerj, no centro do Rio
Polícia de Wilson
Witzel é recordista de mortes de inocentes em operações em favelas
Eduardo Miranda e Mariana Pitasse
Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ)
Movimentos populares,
civis, lideranças e moradores de favelas, estudantes e professores do ensino
médio e universitário participaram de um grande protesto em frente à Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), nesta segunda-feira (23), contra a morte
de Agatha Vitória Sales Félix, de oito anos. A menina foi vítima de um tiro de
fuzil da Polícia Militar, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, na
última sexta-feira (20).
“Exigimos justiça
pela Ágatha, não vamos deixar que ela vire mais uma nas estatísticas”, afirmou
Daniele Félix, tia da menina, sendo acompanhada por um coro de pessoas
presentes no ato. A tia de Ágatha estava acompanhada de outros familiares e
disse que os pais da menina, que não foram ao ato, “estão destruídos”.
“Somos vítimas da
violência do Estado do Rio de Janeiro. Repudiamos essa situação de insegurança
e terrorismo do governador contra as comunidades. Ele está nos forçando a viver
com esse tipo de política. Mas exigimos o direito de viver, não queremos nossas
crianças mortas”, protestou Luciano dos Santos, da Rede de Comunidades e
Movimento contra a Violência.
Analisando os números
que vêm sendo divulgados pelo governo do estado, a presidente do Conselho
Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, Márcia Gatto, disse que o
governador Wilson Witzel (PSC) está mascarando a realidade. Nas últimas
semanas, o Palácio Guanabara vem propagandeando a redução de 20% das mortes no
estado do Rio, que segundo Witzel se encontra em “patamares civilizatórios”.
“É bom desmitificarmos
a propaganda de que os homicídios caíram. Na verdade, esses homicídios
divulgados são dolosos, não estão sendo divulgados os índices de morte por
intervenção policial, que são os maiores dos últimos 21 anos. São mais de 1.200
mortes aqui no Rio de Janeiro. Entre estes mortos estão crianças e
adolescentes”, criticou Márcia Gatto.
Repercussão
A morte de Ágatha
mobilizou as redes sociais e protestos também no final de semana. Nas ruas,
centenas de pessoas acompanharam o enterro da menina, no domingo (22), enquanto
gritavam “Witzel assassino”, “polícia assassina” e queremos paz”. Já nas redes
a hastag #ACulpaEDoWitzel esteve em primeiro lugar dos assuntos comentados no
Twitter.
O governador, no
entanto, só se manifestou três dias após a morte de Ágatha. Em coletiva de
imprensa, realizada após encontro com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), Witzel
lamentou o ocorrido mas defendeu a política de segurança de seu governo,
dizendo que “está no caminho certo”.
A política de
segurança pública promovida por Witzel é caracterizada por confrontos, que tem
resultado no aumento de mortes de civis. O mês de julho deste ano registrou o
maior número de pessoas que morreram em intervenções policiais no estado do Rio
desde 1998, quando a estatística começou a ser contabilizada. Foram 194, no
total, segundo dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). O
número equivale a mais de seis pessoas mortas por policiais por dia.
Denúncia
Os números e a morte
de Ágatha fizeram com que Witzel e o Estado brasileiro fossem denunciados por
movimentos de favelas do Rio na Organização das Nações Unidas (ONU) no último
sábado (21). Os movimentos querem que o governo brasileiro e do Rio sejam
cobrados pela morte da criança, no que seria mais um episódio de “genocídio da juventude
negra nas comunidades”. Além disso, as organizações afirmam que o assassinato
de Ágatha é “consequência direta da política de ‘abate'” fomentada por Witzel,
com o respaldo da gestão Bolsonaro.
O presidente Jair
Bolsonaro ainda não se pronunciou publicamente sobre a morte de Ágatha. A
menina estava em uma Kombi com o avô na noite de sexta-feira (20) quando foi
atingida por um tiro de fuzil nas costas. Familiares afirmam que a polícia fez
o disparo na tentativa de acertar um motociclista.
Edição: Vivian
Viríssimo
https://www.brasildefato.com.br/2019/09/23/witzel-e-bolsonaro-deram-a-policia-licenca-para-matar-afirma-sociologa/
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