CORREIO BRASILIENSE – Por Jorge Vasconcellos
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Nelson Jr/SCO/STF Plenário
do Supremo Tribunal Federal: com seis dos 11 votos a favor, ministros julgaram
que réus em acordos de colaboração com a Justiça devem apresentar defesa depois
dos delatores. Decisão pode levar à anulação de 32 sentenças.
O futuro da
operação que nos últimos cinco anos se consolidou como referência no combate à
corrupção está coberto de incertezas. Em um cenário de crescente tensão entre
instituições e poderes, uma série de revezes se abateu sobre a Lava Jato e seus
integrantes. Os abalos vão desde o vazamento de mensagens privadas dos
procuradores a julgamentos decisivos no Supremo Tribunal Federal (STF). De um
lado, apoiadores denunciam uma articulação para livrar políticos de
investigações, enquanto, de outro, os críticos apontam parcialidade nas
decisões judiciais e exploração política e até financeira da operação.
Os membros da
força-tarefa começam a semana com mais uma grande preocupação. Na quarta-feira,
o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, vai apresentar
uma proposta para delimitar o alcance do entendimento da Corte de que réus que
não firmaram acordos de colaboração premiada devem apresentar as alegações
finais depois dos delatores. Segundo levantamento da Lava Jato, essa tese,
firmada durante julgamento na semana passada, poderá levar à anulação de 32
sentenças, favorecendo 143 condenados na operação.
A preocupação é
ainda maior porque o plenário da Suprema Corte vai discutir a questão ainda sob
o impacto das recentes confissões do ex-procurador-geral da República, Rodrigo
Janot. Em entrevistas, ele contou que, em maio de 2017, entrou armado no STF
com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes. O episódio é considerado o
mais tenso da conflituosa relação entre a força-tarefa, da qual Janot era o
líder maior, e o tribunal.
O entendimento do
STF sobre a ordem das alegações finais foi tomada na mesma semana em que a Lava
Jato recebeu mais uma péssima notícia: em sessão conjunta do Congresso
Nacional, deputados e senadores derrubaram 18 dos 33 vetos presidenciais à lei
de abuso de autoridade, retomando boa parte dos dispositivos vistos pelos
críticos como inibidores da atuação das polícias, do Ministério Público e do
Poder Judiciário.
A derrubada dos
vetos foi vista, no meio político, como uma resposta à operação de busca
e apreensão realizada dias antes pela Polícia Federal nos gabinetes do líder do
governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e do filho dele, o
deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), dentro de uma investigação sobre
desvio de recursos em obras no Nordeste.
Essa avalanche de
dificuldades começou a desabar sobre a força-tarefa neste ano, justamente
quando se esperava o contrário, em razão da promessa de campanha do presidente
Jair Bolsonaro de “fortalecimento” da Lava Jato.
Ironicamente, foi a
pedido da defesa de um dos filhos do chefe do governo, o senador Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ), que o presidente do STF impôs à operação de combate à
corrupção um de seus maiores revezes. Em julho, o ministro Dias Toffoli
suspendeu todas as investigações que estivessem utilizando dados do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf) — hoje transformado em Unidade de
Inteligência Financeira (UIF) — sem autorização judicial. Assim, o senador se
livrou, pelo menos momentaneamente, de um inquérito do Ministério Público do
Rio de Janeiro sobre as movimentações financeiras atípicas dele e do
ex-assessor Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro.
Cobranças
A partir deste ano,
os principais atores da Lava Jato, que ao longo de todo esse tempo se mostraram
destemidos na apuração de desvios de dinheiro público e na punição de pesos
pesados da política, passaram a ser cobrados a dar explicações sobre os
procedimentos adotados nas investigações.
Quase ninguém podia
imaginar que um dia veria o ex-juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança
Pública, Sérgio Moro, sendo interrogado por deputados e senadores sobre as
mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil, em reportagens que põem em
dúvidas a atuação imparcial dele e de membros da Lava Jato.
Da mesma forma, nem
de longe se cogitava que o prestigiado procurador Deltan Dallagnol, coordenador
da força-tarefa agraciada com o Prêmio Innovare, o mais alto reconhecimento a
iniciativas do Judiciário, se tornasse alvo de processos disciplinares no
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O professor Aninho
Mucundramo Irachande, do Instituto de Ciência Política da Universidade de
Brasília (UnB), considera que a Lava Jato tem prestado grandes serviços ao
país, mas foi duramente abalada pelo vazamento de mensagens trocadas pelos
procuradores. Segundo ele, os diálogos revelam “transgressões de normas
processuais à revelia das normas correntes, como a Constituição”.
“Uma prova disso é
que o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro propõe regulamentar uma série de
procedimentos adotados pela Lava Jato, como o estabelecimento de provas por
inferência e não por comprovação material. Se é necessário regulamentar, então
por que a Lava Jato adota práticas como essas?”, questionou o docente, que
defende a continuidade do trabalho da força-tarefa, “mas dentro da normalidade
jurídica”.
Para a advogada
constitucionalista Vera Chemin, “a despeito de toda a artilharia direcionada à
operação, a esperança é de que o combate à corrupção continue, até porque o
novo procurador-geral da República afirmou publicamente que pretende estimular
a Lava Jato, embora pense em tolher certos ‘abusos’ que se teriam cometidos no
âmbito daquela operação, como prisões preventivas alongadas”.
Segundo Vera
Chemin, o trabalho da força-tarefa constitui um marco histórico de combate à
corrupção no Brasil. Ela destaca que as investigações conseguiram fazer com que
a sociedade civil adquirisse a consciência dos seus deveres e direitos, tomando
a iniciativa inédita de controlar e intensificar a vigilância sobre a conduta
dos representantes políticos.
“Não obstante as
campanhas que vêm sendo feitas para acabar com a imagem dos protagonistas da
operação Lava Jato, a tendência é de que os seus integrantes continuem
trabalhando para promover o efetivo combate à corrupção. Ademais, aquela
operação já estendeu os seus tentáculos em todos os estados federados, o que
equivale a afirmar que os seus membros se nacionalizaram e não se restringem
mais à República de Curitiba”, concluiu.
Boas práticas
Para o advogado
criminalista Tiago Turbay, coordenador adjunto do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais do Distrito Federal (IBCCRIM-DF), “o futuro da Lava Jato
está no cumprimento da lei e da Constituição, condizente com o respeito às
instituições e às garantias individuais”. Ele afirmou que
apenas por meio da legalidade dos procedimentos é que se fortalecerá o combate
à corrupção e o aprimoramento no uso do dinheiro público, com resultados a
serem comemorados.
“A partir de agora,
haverá uma cobrança maior por transparência, e isso permitirá o aperfeiçoamento
de boas práticas na condução de investigações e processos, condizentes com o
Estado Democrático de Direito. O fim de projeções políticas ou da monetização
em razão da operação também ajudará a Lava Jato a se reerguer, dessa vez sem
violações às normas jurídicas”, acrescentou o criminalista. “O controle técnico
e procedimental e a aproximação à ciência jurídica farão da Lava Jato a grande
ferramenta de combate à corrupção. Acredito que o novo procurador-geral da
República, Augusto Aras, terá essa incumbência”, conclui Turbay.
Já o advogado
Fernando Parente, professor de processo penal do Instituto de Direito Público
(IDP), afastou a possibilidade de a recente decisão do STF a respeito da ordem
de apresentação das alegações finais ter sido tomada para prejudicar a Lava
Jato.
“O Supremo nada
mais fez do que respeitar a regra do jogo. Se um delator acusa um corréu, um
delatado, ele adere à tese da acusação, ele tem que falar primeiro, e o
delatado falar por último. Então, segue a ampla defesa, o contraditório, segue
o princípio básico de um processo penal democrático. Eu não me preocupo
com o resultado disso na Lava Jato, porque esse julgamento não é relacionado à
Lava Jato, ou a qualquer outra operação. Ele é direcionado a solucionar uma
situação que estava em aberto”, opinou o professor.
“O controle técnico
e procedimental e a aproximação à ciência jurídica farão da Lava Jato a grande
ferramenta de combate à corrupção. Acredito que o novo procurador-geral da
República, Augusto Aras, terá essa incumbência”
Tiago Turbay, coordenador adjunto do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais do Distrito Federal
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