(Foto: Sentinel Hub) |
Por Pedro Marin
Revista Opera
Revista Opera
Em 1977, em um
encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Darcy
Ribeiro postulou: “Nunca se viu, em outra parte, ricos tão capacitados para
gerar e desfrutar riquezas, e para subjugar o povo faminto no trabalho, como os
nossos senhores empresários, doutores e comandantes. […] Eles tramam e
retramam, há séculos, a malha estreita dentro da qual cresce, deformado, o povo
brasileiro.”
Ele continua: “A renda per capita dos escravos de Pernambuco, da Bahia e de Minas Gerais – eles duravam em média cinco anos no trabalho – mas a renda per capita dos nossos escravos era, então, a mais alta do mundo. […] O valor da exportação brasileira no século XVII foi maior que o da exportação inglesa no mesmo período. O produto mais nobre da época era o açúcar. Depois, o produto mais rendoso do mundo foi o ouro de Minas Gerais, que multiplicou várias vezes a quantidade de ouro existente no mundo. […].
O café, por sua vez, foi o produto mais
importante do mercado mundial até 1913, e nós desfrutamos, por longo tempo, o
monopólio dele. […] Depois, por algumas décadas, a borracha e o cacau deram
também surtos invejáveis de prosperidade que enriqueceram e dignificaram as
camadas proprietárias e dirigentes de diversas regiões. […] aqui no Brasil se
tinha inventado ou ressuscitado uma economia especialíssima, fundada num
sistema de trabalho que, compelindo o povo a produzir o que ele não consumia –
produzir para exportar -, permitia gerar uma prosperidade não generosa, ainda
que propensa, desde então, a uma redistribuição preterida.”
Não há como entender a cortina de
fumaça que, vinda da Amazônia, toma o céu paulistano, sem entender que São
Paulo, a genial e rica metrópole, é só um ponto de parada da grande malha
comercial que começa no Norte, Nordeste ou no Centro-Oeste, para terminar numa
fábrica norte-americana, chinesa ou holandesa.
Continue lendo
Continue lendo
Malha sustentada, como foi desde
sempre, por produtos primários; extraídos da terra ou nela plantados por
máquinas infernais, que não são consumidos por nosso povo, mas que, por ele
produzido, é negociado em importantes bolsas paulistanas, para gerar um lucro
inútil, que se conforta nos bolsos de uns poucos no Brasil, assentando o progresso
de outras nações e, ao mesmo tempo, reforçando nossa dependência. Em verdade, a
fumaça que escureceu o céu na semana passada está lá todo o dia, apesar de tão
meticulosamente escondida.
20% de nossas exportações são minerais
e petróleo. 17%, produtos vegetais – com destaque para a soja, que representa
12% dessa fração. Mais 12% são alimentos, 7,4% são metais e 7,1% produtos
animais. De forma que temos já 63,5% de todas as nossas exportações baseadas em
fazer de nosso país um fazendão. E ainda assim, os críticos porém moderados
jornalistas no rádio, criticando o presidente pela Amazônia, nos reiteram da
importância do agrobusiness, que gera, dizem eles, muita riqueza para o país.
É
aquela riqueza da qual falou Darcy – prosperidade não generosa, prosperidade
pura, livre de quaisquer comprometimentos sentimentais. É a riqueza pela qual
choram os primeiros crocodilos, que entre uma bocada e outra nos dizem
cuidadosamente: “não podemos criminalizar o agronegócio.”
Há depois o crocodilo francês que ocupa
a cadeira presidencial, Emmanuel Macron, que tomou suas próprias lágrimas para
convocar o tema da Amazônia numa reunião do G7 – o clube dos sete países mais
ricos do mundo. Macron, o “moderado” que é abraçado por nossos progressistas
liberais estúpidos e infantis, deixou claro que compartilha, no âmago, um pouco
do espírito do professor de Harvard Stephen Walt, que na Foreign Policy, sob o
título “Quem invadirá o Brasil para salvar a Amazônia?“, faz uma série de
considerações “hipotéticas” e “especulativas” para fixar que “é só questão de
tempo até que os grandes poderes tentem impedir a mudança climática por
quaisquer meios necessários.”
Ao mesmo tempo em que adota o termo
“soberania nacional” para tratar da questão amazônica, Macron questiona se
seria possível “definir um status internacional da Amazônia“, dizendo que “a
importância [da Amazônia] é tão grande no plano climático que não se pode dizer
que ‘é apenas meu problema’”. Pois digo, Monsieur Macron: é só nosso problema.
Se a França tanto se preocupa, que trate de compensar os 1,5 bilhões que
importa do fazendão do Brasil em transferência tecnológica e desenvolvimento
para nosso país. Ou, melhor: que trate de pagar mais, em termos absolutos e
relativos, pelo que se produz aqui.
Houve também os crocodilos fardados. O
general Villas Bôas chegou a citar Ho Chi Minh para se opor ao colonialismo
francês: “A questão que se coloca é de onde viria autoridade moral daquele país
[França] que, como disse Ho Chi Minh, é a pátria do Iluminismo, mas quando
viaja se esquece de levá-lo consigo”. O Lar dos Livres, Terra dos Bravos, os
EUA, também se esquecem de levar a liberdade ou a bravura para suas novas
colônias. Ao invés disso, alugam os generais locais, como foi feito em 1964,
para torturar e impôr. O general Eduardo Villas Bôas, agora tão preocupado com
a soberania, se cala frente a entrega da Base de Alcântara e a venda da Embraer
aos norte-americanos.
Na nova Doutrina Monroe, enche o peito
frente aos franceses, mas se ajoelha aos norte-americanos; fala contra Macron
mas aceita de bom grado a anunciada ajuda norte-americana e israelense. Teria
ele autoridade moral para falar em soberania? O jornal Valor Econômico noticia
o que já era esperado: o núcleo militar do governo se fortaleceu na briga de
galo entre Bolsonaro e Macron, isolando Salles. Diz o jornal: “O socorro dos
militares na crise da Amazônia, entretanto, impôs condições que o presidente
deverá seguir.
Com a crise internacional, Bolsonaro precisou dos militares,
dois deles ex-comandantes na Amazônia com autoridade para falar sobre a
floresta: o ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas e Heleno […] Foi de
Heleno a ideia de convencer Bolsonaro a editar decreto que autoriza o emprego
das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia.” Os
fardados não defendem a soberania do Brasil – mas sua posição como Soberano.
Por fim, há o estúpido presidente
brasileiro. Primeiro, tentou colocar a culpa pelo fogo nas “ONGs”. Depois de
dizer em cadeia nacional que “não gostamos do que estamos vendo” – nós não
gostamos mesmo, presidente! – e de aparentemente ser enquadrado pelo Partido
Fardado, voltou atrás e anunciou que investigará a denúncia de que um grupo de
fazendeiros no Pará combinou um “Dia do Fogo” em apoio ao presidente.
Como diz a matéria do jornal Valor
Econômico, “Na avaliação de uma fonte do governo que acompanha o gabinete de
crise […] as queimadas na floresta amazônica poderiam ter sido acudidas com a
ação rotineira do Ibama em articulação com governos estaduais e forças
policiais federais, como sempre acontece todos os anos.” Mas Bolsonaro e seu
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacaram o Ibama e o ICMBio
constantemente (este último teve o comando trocado por militares),
desautorizaram multas, aplaudiram madeireiros e contingenciaram gastos. Também
fazem frente única contra os chamados índios, aqueles povos que sabem ocupar a
mata sem destruí-la.
Já há uma Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica, que tem como membros Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador,
Suriname, Guiana, Peru e Venezuela, e que pode muito bem tratar conjuntamente
da questão das queimadas. Bolívia, Venezuela e Peru já pediram uma reunião, mas
aparentemente seguem solenemente ignorados por um Brasil que busca refúgio em
Trump. Não há solução para a Amazônia que não passe por uma mudança na matriz
econômica brasileira. Se o mundo espera de nós um fazendão, e se nós nos
ajoelhamos ao mundo, é o fazendão que avançará – inclusive sobre a
floresta.
Ou o Brasil se volta antes de tudo para
si e seu povo, ou a fronteira agrícola seguirá avançando. É neste o ponto que
Macron, generais, “moderados”, Bolsonaro e Trump não querem tocar – porque são
todos sócios na dependência brasileira. Se choram frente às câmeras, por trás
da cortina de fumaça brindam e riem enquanto movem suas peças no xadrez
político e geopolítico. Os crocodilos não cabem na Amazônia; o rio Amazonas é
água de jacaré. Chorando, brigando, ou ocupando-a, representam ainda um grave
desequilíbrio ambiental: com cada um deles buscando um ganho, quem perde é o
Brasil.
Pedro Marin
23 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics. Tem artigos publicados em sites como Truthout, Russia Insider, New Cold War, OffGuardian, Latin America Bureau, Konkret Media e Periferia Prensa. É autor de “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”.
23 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics. Tem artigos publicados em sites como Truthout, Russia Insider, New Cold War, OffGuardian, Latin America Bureau, Konkret Media e Periferia Prensa. É autor de “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário