Contrapoder
Por Mauro Luis Iasi*
Nosso maior problema
é que a crise em que estamos não é uma mera crise política conjuntural, mas a
crise terminal de uma estratégia que, tendo se desenvolvido plenamente,
encontrou seus limites intransponíveis.
Uma estratégia é o
caminho escolhido por forças políticas que procuram transformações sociais, é a
forma como se espera combinar as ações realizadas para atingir o objetivo
esperado. No entanto, ela não pode ser compreendida pela pura intencionalidade
dos sujeitos e dos protagonistas políticos em cada momento, uma vez que é,
também, a expressão de uma época, de seus acúmulos e certezas, de uma certa
leitura de nossa formação econômico-social.
A estratégia que
predominou em nossa época é a Democrática Popular e seu protagonista é, sem
dúvida, o Partido dos Trabalhadores. Ela se fundamenta em três convicções: a) o
desenvolvimento do capitalismo brasileiro deixou de realizar tarefas da
revolução burguesa (reforma agrária, desigualdades regionais e sociais,
consolidação de uma ordem democrática, etc.); b) estas tarefas não podem ser
enfrentadas em aliança com uma suposta burguesia nacional e tem por
protagonistas as classes populares (trabalhadores do campo e da cidade e demais
setores explorados pelo capitalismo); c) o caminho de realização da estratégia
(o que chamamos de via) seria o acúmulo de forças que combinaria um forte
movimento de massas com acúmulos institucionais que culminaria na chegada à
Presidência da República para realizar um conjunto de reformas apresentadas no
Programa Democrático-Popular (antimonopolista, antilatifundiário e
anti-imperialista).
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Nossa afirmação de
que esta estratégia se realizou tem seu fundamento na constatação de que, por
uma série de fatores que não cabe aqui avaliar, construiu uma correlação de
forças que permitiu chegar ao governo federal em 2002. No entanto, as condições
em que chega ao governo levou o PT a sacrificar o Programa Democrático Popular
em nome da chamada governabilidade, de forma que se esperava continuar o
acúmulo de forças agora no ponto estratégico do governo, ampliando as alianças,
primeiro ao centro e depois à direita, rebaixando o programa para medidas que
visavam atenuar as manifestações mais agudas da miséria absoluta, ao mesmo
tempo em que garantiam o patamar dos lucros dos segmentos monopolistas.
A contradição
fundamental seria, então, que uma estratégia que se fundava na constatação que
não poderia haver alianças com a burguesia, agora só poderia se desenvolver se
realizasse esta aliança através de um pacto social e um governo de conciliação
de classes.
O desenvolvimento
prático deste caminho, que priorizou a governabilidade como via de
desenvolvimento da estratégia, foi o de concessões cada vez mais amplas aos
segmentos monopolistas enquanto restringia e contingenciava cada vez mais as
demandas populares como a reforma agrária, abandonada em nome da prioridade ao
agronegócio, o estrangulamento dos serviços públicos diante dos interesses
privados na educação e saúde, por exemplo, e da sacrossanta política de
saneamento financeiro do Estado em benefício dos interesses do capital
financeiro. O ponto final desta trajetória é o rompimento do pacto pela própria
classe dominante através do golpe de 2016.
O problema que este
não é um desvio de uma estratégia que é abandonada, mas a consequência
necessária de seu desenvolvimento, que esbarra em algo que não previa devido a
um equívoco na leitura de nossa formação social. No centro deste equívoco está
uma incompreensão do Estado Burguês no Brasil.
Acreditou-se que o
desenvolvimento do capitalismo gerava as bases materiais que implicavam na
forma democrática, de maneira que a luta de classes se daria no contexto de um
Estado Democrático de Direito. Entretanto, o desenvolvimento do capitalismo
dependente gera mais dependência, mais desigualdades e aprofunda as
contradições de classe acirrando a luta entre elas. Os segmentos dominantes
estavam preparados para a ruptura inevitável, e os setores populares seguiram
firmes na ilusão de que, abrindo mão de rupturas revolucionárias, as classes
dominantes abririam mão do recurso dos golpes. Descobriram tragicamente que nem
sempre gentileza gera gentileza.
A base deste equívoco
se encontra na ilusão de que é possível democratizar a vida política sobre a
base material capitalista inalterada em seus fundamentos. Nosso desafio é
enfrentar uma conjuntura desfavorável de ataques à classe trabalhadora ao mesmo
tempo em que temos que enfrentar a tarefa de compreender os limites da
estratégia derrotada e ir além dela.
** Mauro Luis Iasi, é
educador popular do NEP 13 de Maio, professor Associado da Escola de Serviço
Social da UFRJ e pesquisador do NEPEM. Membro do CC do PCB.
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