ISTO É - André Vargas
Há uma tripla
bomba-relógio armada para atingir o Brasil devido ao descaso e o imediatismo do
governo, dos parlamentares da bancada ruralista e da cadeia produtiva do
agronegócio. É inegável que o uso de pesticidas aumenta a lucratividade das safras
nas monoculturas, mas urge planejamento e prevenção. O sinal de alerta já foi
aceso: são sucessivos os casos de morte por intoxicação de trabalhadores rurais
e agricultores.
Além disso, há
registro de contaminação do abastecimento de água em mais de mil cidades. São
quantidades ínfimas, porém constantes, de contaminantes suspeitos de causar
câncer. Hoje, amostras aleatórias dos principais alimentos dos brasileiros,
como arroz e feijão, apresentam níveis de elementos químicos centenas de vezes
superiores aos tolerados em países desenvolvidos. E sequer os cidadãos têm como
saber o que estão ingerindo. Por fim, há o risco econômico. Com o acordo de
livre comércio entre Mercosul e União Europeia, as exportações de parte das
commodities agrícolas brasileiras destinadas, principalmente, a servir de ração
animal, podem ir para consumo humano. Mas só se estiverem livres de
agrotóxicos. Ou seja, parte dos US$ 10 bilhões em exportações para o bloco
europeu na próxima década não estão garantidos, caso continuemos aspergindo
veneno por campos e cerrados sem critério.
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Não se trata de
queixas de ambientalistas radicais. Entre 2014 e 2017 foram registradas 1.186
mortes no Brasil por intoxicação com pesticidas, aponta um relatório do
Ministério da Saúde. O problema é maior no Paraná, com 231 vítimas fatais. A
estimativa é que para cada uma das 30 mil intoxicações registradas nos últimos
anos, outras 50 pessoas apresentem problemas crônicos por diferentes níveis de
contato com inseticidas, herbicidas, fungicidas e afins. Esta grave questão de
saúde pública, que ainda não recebeu a devida atenção, é só um dos vértices da
política descuidada de liberação de defensivos. Só neste primeiro semestre 236
produtos foram permitidos, com 93 deles chegando ao mercado.
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Em contrapartida,
30 princípios ativos estão para ser banidos. Questionada, a ministra da
Agricultura, Tereza Cristina, afirmou, em abril, que os afetados são pequenos
agricultores que não usam equipamentos e trajes adequados. “Às vezes o sujeito
fuma aplicando”, disse. A afirmação é simplista. Se há perigo no uso de algo inspecionado
pelo poder público, é necessário divulgação e fiscalização. Se isso vale para a
condução de veículos automotores, compra de remédios controlados ou posse de
armas de fogo, também deveria se aplicar ao que a ministra já classificou como
“remédios para plantas”. Sem contar que, no fim, essa conta recai sobre o bolso
do contribuinte, pois os afetados vão parar nas filas do Sistema Único de
Saúde.
© PÉROLA DITA PELA MINISTRA SEGUNDO ALOISIO MAURICIO “Às vezes o sujeito fuma aplicando” Tereza
Cristina, ministra da Agricultura, jogou a responsabilidade para as vítimas.
Ela também chamou pesticida de “remédio”
“Nós ficamos só com
os impactos”, lamenta a geógrafa Larissa Mies Bombardi, autora do atlas
“Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e “Conexões com a União Europeia”.
Ela se refere ao desequilíbrio entre os lucros advindos das exportações e os
custos diretos e indiretos gerados para a população e o meio ambiente. O
trabalho de Bombardi foi apresentado na Alemanha e no Reino Unido para
legisladores, pesquisadores e ambientalistas. Ela também contesta o argumento
de que o uso intensivo de agrotóxicos é necessário por causa do clima tropical.
“A opção foi pelo corte de custos”.
Cerca de 30% dos agrotóxicos usados no
Brasil estão banidos da Europa. Entre eles estão o acefato e a atrazina, que
afetariam a fertilidade masculina. O 2-4-D teria contribuído para a morte de
400 milhões de abelhas no Rio Grande do Sul, entre dezembro de 2018 e janeiro
de 2019, aponta um estudo da Fapesp. É uma tragédia ambiental. As abelhas são
responsáveis pela polinização de 60% das 191 culturas agrícolas do Brasil.
Contestado na Europa por suspeita de ser cancerígeno, o glifosato foi banido da
Califórnia, mas segue como o produto mais usado no Brasil. Em maio, a Justiça
americana condenou a fabricante Bayer a indenizar em US$ 2 bilhões (R$ 8,2 bi)
um casal que teria desenvolvido câncer ao utilizar o herbicida Roundup, que
contém glifosato. Quase 20 mil ações similares estão em andamento por lá.
© Divulgação NA ÁGUA Pulverização aérea é vista como uma
das responsáveis pela contaminação de rios
Falta de informação
A contaminação de
rios e lençóis freáticos era desconsiderada até agora por falta de dados e
métodos de medição precisos. Por vias diferentes, um relatório da ONG suíça
Public Eye e pesquisas da Universidade de Campinas (SP) revelaram mais do que
se suspeitava. Na água que abastece 1.396 municípios brasileiros foram
detectados traços crescentes de pesticidas. O estado mais afetado é São Paulo,
onde em 504 cidades foram detectados os 27 compostos de medição obrigatória
pelas empresas de abastecimento. Em segundo lugar vem o Paraná, com 326
localidades. Uma das principais causas seria a pulverização por aviões
agrícolas, prática que passou a ser contestada e está proibida no Ceará. Os
resultados das análises indicam que os métodos de verificação da qualidade da
água para consumo precisam ser aprimorados e divulgados. “As variáveis são tão
grandes, que não conseguimos distinguir facilmente os impactos”, diz Douglas de
Castro, especialista em direito ambiental.
Entre os vegetais
in natura que chegam à mesa dos brasileiros, os que apresentam os maiores
índices de contaminação são laranja, abacaxi, couve, uva e alface, apontou um
estudo de 2016 do Ministério da Saúde, o último a ser divulgado. A única alternativa
para os consumidores é lavar bem tudo o que compram. Pena que a água usada vá
cair nos rios, alimentando um ciclo de contaminação e dispersão ainda sem
solução aparente. No atual compasso, a busca de uma solução equilibrada para os
danos pelo emprego de agrotóxicos deve ficar para a próxima geração.
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