FABIANO MAISONNAVE
Folhapress,
1 de agosto de 2019
Retrato de Dom Erwin Kräutler,
bispo emérito do Xingu em sua residência paroquial em Altamira. (Foto: Danilo
Verpa/Folhapress)
ALTAMIRA, PA (FOLHAPRESS) - O bispo
emérito do Xingu, dom Erwin Kräutler, 80, está triste com o massacre inédito no
presídio de Altamira, cidade onde mora desde 1965, e indignado com a reação do
presidente Jair Bolsonaro à morte de 62 internos.
"Leio no jornal que o nosso
presidente está falando que a gente deve perguntar às vítimas dos que morreram.
Isso não é resposta, pelo amor de Deus, que um presidente dá a essas famílias
aí. Cada preso tem mãe, tem pai. As mães estão chorando lá", disse à Folha
de S.Paulo, em seu escritório.
Opositor histórico da construção da
usina de Belo Monte, dom Erwin diz que as obras, durante o governo Dilma
Rousseff (PT), tiveram um grande impacto negativo na cidade. "Altamira se
tornou palco de agressões, de violências, arrastões e de homicídios, um atrás
do outro", lamentou.
Um dos auxiliares mais próximos do
papa Francisco para os preparativos do Sínodo da Amazônia, em outubro, dom
Erwin não está imune à violência. Há 13 anos, vive sob proteção policial devido
a ameaças de morte.
PERGUNTA - Há poucos anos, Altamira
foi a cidade mais violenta do Brasil. Agora é palco de um dos piores
massacres em presídios do país. O que explica a escalada?
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ERWIN KRÄUTLER - Altamira não
cresceu, inchou. Com a construção da hidrelétrica, veio tanta gente aqui sem
ligação ou relacionamento com a cidade. Mas, se tem 50 bandidos no meio de 20
mil pessoas, isso já basta.
Altamira se tornou palco de
agressões, de violências, arrastões e de homicídios, um atrás do outro. O que
entrou também foi a droga, muito grave. Há muitas mortes que são acerto de
contas.
Conheço Altamira desde 1965. Quando
cheguei, era uma cidade pequena, pacífica, esquecida pelo mundo, na beira do
Xingu. A primeira avalanche de pessoas foi quando começou a
Transamazônica.
Veio a colonização, mas não tinha
nada disso. O pessoal foi pra estrada, pegou o lote consignado e passaram muita
dificuldade. Uns voltaram pra terra de origem, outros ficaram, ergueram a
cabeça e puseram as mãos na massa, com mulher e filho e hoje já estão na
segunda ou na terceira geração.
Desta vez, foi totalmente diferente.
Pode olhar pela cidade, só as casas pobres não têm muros altos. Nas famílias
com mais poder aquisitivo, não dá nem enxergar a porta para entrar na casa, e
em cima do muro ainda tem cerca elétrica. Na boca da noite, o pessoal sentava
na porta da casa, jogava conversa fora. Isso acabou. As pessoas têm medo.
P. - A igreja atua no presídio por
meio da Pastoral Carcerária. Como são as condições do local onde houve o
massacre?
Tem gente que está mofando aí dentro
e ninguém cuida do processo. E colocam tantos homens em um espaço mínimo... Não
vou nem dizer que viram animais, porque animal não ataca outro animal da mesma
espécie assim. Os homens chegam a um nível de perversão, de crueldade, que a
gente só pode pensar em uma cena de Dante lá no inferno.
O presídio não tem a segurança
necessária. As instalações não são do padrão exigido hoje. Não vamos
generalizar, mas o Estado praticamente se esqueceu de Altamira.
P. - O sr. esteve pela manhã com
familiares das vítimas diante do IML. Como tem sido a resposta do poder público
para eles?
EK - O que vejo é algo indigno. São
familiares. Agora, a gente não pergunta o que fez, o que deixou de fazer, por
que foi preso. Pode ser um irmão, um primo, uma filha. Ele foi morto e
barbaramente executado e cortaram a cabeça, espalharam vídeos. Esse povo merece
uma melhor qualidade de acompanhamento.
Estão na rua, colocaram umas tendas
para pelo menos não morrer do solzaço que está em cima de Altamira nesta época.
Tudo isso é tremendamente indigno. Me dói no coração que o povo não conte.
Leio no jornal que o nosso presidente
está falando que a gente deve perguntar às vítimas dos que morreram. Isso não é
resposta, pelo amor de Deus, que um presidente dá a essas famílias aí. Cada
preso tem mãe, tem pai. As mães estão chorando lá.
O preso não deixa de ter mãe. Isso
corta o coração, a mãe não tem culpa de ele estar aí, ele andou pelo caminho
errado.
Muitos caíram no vício da droga. Que
mãe quer isso?
EK - O mínimo que se espera é que se
respeitem as famílias. Isso não está acontecendo. Imagine quando o mais alto
Executivo na nação fala uma coisa dessas pra famílias que perderam um filho.
P. - Não é a primeira fala do
Bolsonaro contra direitos humanos. O sr. encontra uma grande ressonância dessa
mensagem?
EK - Isso me preocupa muito, porque
ainda tem gente que diz: "é isso mesmo". Aí que vejo a
insensibilidade. Se fosse o filho de um desses que dizem "bandido bom é
bandido morto", aí muda de figurinha. Sempre se fala do bandido da casa
vizinha, mas nunca se sabe.
Aquilo que o Bolsonaro falou é só a
tradução de "bandido bom é bandido morto". Tem essa insensibilidade,
essa maneira de enxergar. Muita gente se arvora de juiz, não conhece o caso e
condena de ouvir falar. Quantas vezes acontece isso?
Você ouve o zumzumzum, o povo está
falando e de repente se monta um sistema em que o homem é o pior criminoso e,
no final das contas, nem tinha sido ele.
Um preso só pode ser chamado de
bandido quando for julgado na forma da lei. Quando o juiz pronuncia a sentença.
Aí ele é de fato criminoso. Mas, enquanto não puderem provar, ele é um preso
provisório. Isso não acontece.
P. - As pessoas estão perdendo a
sensibilidade para tragédias como a de ontem?
EK - Acho que sim. Parece pisar numa
barata. Muita gente se se acostuma. Não é mais nem notícia. Morreram quantos?
Três. A gente nem pergunta mais o que foi, o que deixou de ser.
Essa falta de sentimento, de
compaixão, quando a gente está diante de um fato desse, de uma tragédia
dessas.... Eu tenho um coração, eu sofro com isso. Depois, a compaixão vira
misericórdia, eu faço alguma coisa contra isso.
Nós estamos fazendo o que podemos fazer, mas o
resultado custa a aparecer ou não aparece. A gente desanima, parece que não tem
saída. O que fazer?
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