Manifestantes prestam apoio ao Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e à operação Lava Jato (Foto: Adriano Machado/Reuters) |
Alma Preta, Yahoo Notícias
Texto
/ Pedro Borges
As conversas
divulgadas entre o ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sergio Moro, e o
coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, Deltan
Dallagnol, repercutiram na imprensa nacional e internacional. O suposto pacto
entre acusador e juiz para se chegar a uma sentença é visto com olhar receoso e
de reprovação por pesquisadores ligados ao Direito. A prática também vai de
encontro ao que prega a Constituição Federal.
Estudiosos alertam
sobre os possíveis impactos da normalização do diálogo entre procurador e juiz
para casos rotineiros da Justiça, sobretudo aqueles que envolvem sujeitos mais
visibilizados.
“Se a Justiça é
conivente com ilegalidade em processo de grande repercussão, imagina em
processos relacionados à população pobre. Imagine o que será para essa
população vítima preferencial do sistema penal, dessa máquina de moer carne,
como eu costumo denominar a Justiça Penal no Brasil”, afirma Hugo Leonardo,
advogado criminal e vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa
(IDDD).
A pesquisa “MulhereSemPrisão: Enfrentando a (in)visibilidade das
mulheres submetidas à justiça criminal”, desenvolvida pelo Instituto
Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), acompanhou 213 mulheres em audiências de
custódia em São Paulo entre 2017 e 2018. O material mostrou a existência de um
conluio entre acusação e juiz e apresentou a seletividade existente no sistema
penal brasileiro.
Os fóruns
criminais onde ocorrem as audiências, criadas para que a pessoa tivesse um
primeiro julgamento depois de detida por policiais, tem sessões em sequência.
No intervalo das audições, as pesquisadoras do ITTC perceberam que esses
momentos são utilizado para se “combinar” as sentenças.
“Não raras vezes,
esse momento consiste também em uma ‘oportunidade’ para representantes da
Magistratura e do Ministério Público acordarem sobre o que será demandado e o
que será decidido na audiência, retomando práticas anteriores à resolução,
quando a análise era feita sem a presença das(os) custodiadas(os)”, segundo o
texto.
Revelações
Uma das mensagens
divulgadas mostra que em 2016, durante o processo de impeachment da
ex-presidenta Dilma Rousseff, o procurador Deltan Dallagnol creditou ao
trabalho de Moro as grandes manifestações que tomaram o país contra Dilma e o
Partido dos Trabalhadores (PT).
“Parabéns pelo
imenso apoio público hoje”, escreveu o procurador, segundo a reportagem do The
Intercept Brasil. “Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de
que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal”. Ao que Moro
respondeu dizendo que a conquista era de todos. “Fiz uma manifestação oficial.
Parabéns a todos nós”.
As sentenças no
cotidiano, contudo, recaem de maneira mais sensível sobre os segmentos sociais
mais marginalizados, como negros, mulheres e jovens. De acordo com os dados
obtidos, 56,81% das prisões em flagrante ocorreram com mulheres negras e 72,5%
delas alegaram ter sofrido algum tipo de violência durante a prisão.
Diante dessa
situação, Hugo Leonardo demonstra preocupação sobre a possível normalização do
pacto entre juiz e acusador porque medidas utilizadas em instâncias superiores
da Justiça logo são transpostas para a base do Direito. Ele defende que todas
as ilegalidades, principalmente em casos de grande visibilidade, sejam
combatidas para não se espalharem pela jurisprudência no país.
“Há tempo eu vejo
situações de prisões por tráfico de drogas, inclusive nas periferias de São
Paulo, por pessoas sendo presas por escutas telefônicas. Uma prática
investigativa que acontecia para uma parcela da população menor, ou seja, para
aquelas pessoas do andar de cima, rapidamente se espraiou e virou um método de
investigação eficaz contra todos”, afirma.
Outra diferença do
caso em questão, onde Sergio Moro e Deltan Dallagnol acusaram e julgaram Lula e
outros políticos é a possibilidade de uma defesa de qualidade por parte dos
acusados.
No caso das
mulheres, na maioria pobres, negras e sem possibilidade de um advogado privado
de qualidade, a situação dependia da Defensoria Pública, apontada como um órgão
competente, mas com recursos reduzidos, diante do que tem o Ministério Público.
A pesquisa mostrou
que das 213 mulheres acompanhadas, apenas uma teve uma conversa reservada com a
Defensoria Pública. Todas as demais tiveram de relatar a sua versão para os
advogados ao lado de policiais, o que contraria a Resolução 213 do Conselho
Nacional de Justiça, que preza por essa reserva.
Os
problemas do caso Sergio Moro
A Constituição
Federal determina que o juiz deve ser considerado suspeito se tiver aconselhado
qualquer das partes. De acordo com o artigo 254 do Código Penal, o juiz será
considerado “suspeito” e poderá ser recusado para o caso tanto pela defesa, quanto
pela acusação, “se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles” e “se
tiver aconselhado qualquer das partes”, o que mostra a ilegalidade das
conversas trocadas entre Moro e Dallagnol.
As conversas foram
condenadas pela OAB, que viu a existência de uma “promiscuidade” entre os
agentes do Poder Judiciário e exigiu o afastamento de Moro e Dallagnol até que
a investigação das mensagens seja concluída.
Maria Clara
D'Avila, do Programa Justiça Sem Muros do ITTC, ressalta a importância de
condenar pactos como os constituídos entre Moro e Dallagnol, desde que os
demais julgamentos cotidianos não sejam esquecidos.
“É
importante atentar para o fato de que julgamentos imparciais não acontecem
apenas no caso da Lava Jato, mas constituem a realidade de milhares de pessoas
presas injustamente no Brasil, que não possuem acesso a uma defesa qualificada.
Estas prisões também devem ser igualmente consideradas ilegais”.
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