segunda-feira, 1 de julho de 2019

Naturalizar a ação de Moro é legitimar a perseguição judicial a negros, jovens e mulheres, afirmam pesquisadores

Manifestantes prestam apoio ao Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e à operação Lava Jato (Foto: Adriano Machado/Reuters)


Alma Preta, Yahoo Notícias 

Texto / Pedro Borges

As conversas divulgadas entre o ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sergio Moro, e o coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, Deltan Dallagnol, repercutiram na imprensa nacional e internacional. O suposto pacto entre acusador e juiz para se chegar a uma sentença é visto com olhar receoso e de reprovação por pesquisadores ligados ao Direito. A prática também vai de encontro ao que prega a Constituição Federal.
Estudiosos alertam sobre os possíveis impactos da normalização do diálogo entre procurador e juiz para casos rotineiros da Justiça, sobretudo aqueles que envolvem sujeitos mais visibilizados.
“Se a Justiça é conivente com ilegalidade em processo de grande repercussão, imagina em processos relacionados à população pobre. Imagine o que será para essa população vítima preferencial do sistema penal, dessa máquina de moer carne, como eu costumo denominar a Justiça Penal no Brasil”, afirma Hugo Leonardo, advogado criminal e vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Continue lendo
A pesquisa “MulhereSemPrisão: Enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal”, desenvolvida pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), acompanhou 213 mulheres em audiências de custódia em São Paulo entre 2017 e 2018. O material mostrou a existência de um conluio entre acusação e juiz e apresentou a seletividade existente no sistema penal brasileiro.
Os fóruns criminais onde ocorrem as audiências, criadas para que a pessoa tivesse um primeiro julgamento depois de detida por policiais, tem sessões em sequência. No intervalo das audições, as pesquisadoras do ITTC perceberam que esses momentos são utilizado para se “combinar” as sentenças.
“Não raras vezes, esse momento consiste também em uma ‘oportunidade’ para representantes da Magistratura e do Ministério Público acordarem sobre o que será demandado e o que será decidido na audiência, retomando práticas anteriores à resolução, quando a análise era feita sem a presença das(os) custodiadas(os)”, segundo o texto.
Revelações
Uma das mensagens divulgadas mostra que em 2016, durante o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o procurador Deltan Dallagnol creditou ao trabalho de Moro as grandes manifestações que tomaram o país contra Dilma e o Partido dos Trabalhadores (PT).
“Parabéns pelo imenso apoio público hoje”, escreveu o procurador, segundo a reportagem do The Intercept Brasil. “Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal”. Ao que Moro respondeu dizendo que a conquista era de todos. “Fiz uma manifestação oficial. Parabéns a todos nós”.
As sentenças no cotidiano, contudo, recaem de maneira mais sensível sobre os segmentos sociais mais marginalizados, como negros, mulheres e jovens. De acordo com os dados obtidos, 56,81% das prisões em flagrante ocorreram com mulheres negras e 72,5% delas alegaram ter sofrido algum tipo de violência durante a prisão.
Diante dessa situação, Hugo Leonardo demonstra preocupação sobre a possível normalização do pacto entre juiz e acusador porque medidas utilizadas em instâncias superiores da Justiça logo são transpostas para a base do Direito. Ele defende que todas as ilegalidades, principalmente em casos de grande visibilidade, sejam combatidas para não se espalharem pela jurisprudência no país.
“Há tempo eu vejo situações de prisões por tráfico de drogas, inclusive nas periferias de São Paulo, por pessoas sendo presas por escutas telefônicas. Uma prática investigativa que acontecia para uma parcela da população menor, ou seja, para aquelas pessoas do andar de cima, rapidamente se espraiou e virou um método de investigação eficaz contra todos”, afirma.
Outra diferença do caso em questão, onde Sergio Moro e Deltan Dallagnol acusaram e julgaram Lula e outros políticos é a possibilidade de uma defesa de qualidade por parte dos acusados.
No caso das mulheres, na maioria pobres, negras e sem possibilidade de um advogado privado de qualidade, a situação dependia da Defensoria Pública, apontada como um órgão competente, mas com recursos reduzidos, diante do que tem o Ministério Público.
A pesquisa mostrou que das 213 mulheres acompanhadas, apenas uma teve uma conversa reservada com a Defensoria Pública. Todas as demais tiveram de relatar a sua versão para os advogados ao lado de policiais, o que contraria a Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça, que preza por essa reserva.
Os problemas do caso Sergio Moro
A Constituição Federal determina que o juiz deve ser considerado suspeito se tiver aconselhado qualquer das partes. De acordo com o artigo 254 do Código Penal, o juiz será considerado “suspeito” e poderá ser recusado para o caso tanto pela defesa, quanto pela acusação, “se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles” e “se tiver aconselhado qualquer das partes”, o que mostra a ilegalidade das conversas trocadas entre Moro e Dallagnol.
As conversas foram condenadas pela OAB, que viu a existência de uma “promiscuidade” entre os agentes do Poder Judiciário e exigiu o afastamento de Moro e Dallagnol até que a investigação das mensagens seja concluída.
Maria Clara D'Avila, do Programa Justiça Sem Muros do ITTC, ressalta a importância de condenar pactos como os constituídos entre Moro e Dallagnol, desde que os demais julgamentos cotidianos não sejam esquecidos.
“É importante atentar para o fato de que julgamentos imparciais não acontecem apenas no caso da Lava Jato, mas constituem a realidade de milhares de pessoas presas injustamente no Brasil, que não possuem acesso a uma defesa qualificada. Estas prisões também devem ser igualmente consideradas ilegais”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário