Por F. Bezerra
A sequência lógica e
perversa da política do Governo Bolsonaro para a educação, após o anúncio de
cortes para custeio de despesas das Universidades Públicas e Institutos
Federais anunciados pelo MEC há cerca de dois meses, foi apresentada à imprensa
nesta quarta, dia 17 de julho.
Batizando o projeto
de “Future-se”, a cúpula do MEC anunciou o maior pacote de medidas que visam
privatizar e restringir o potencial da pesquisa e extensão das universidades
públicas no Brasil a prestadoras de serviços, a empresas e ao mercado. Sob o
pretexto de manter investimentos sociais nas universidades e assegurar o seu
“compromisso com a sociedade”, “mantendo o respeito à autonomia universitária”,
o ministro da Educação Abraham Weintraub apresentou uma série de iniciativas
que celebram a privatização das IFES, através de contratos de gestão privado,
criação de fundos patrimoniais, promoção e concessão de créditos para startups
e cessão de espaços públicos para a propaganda de empresas, como se aqueles
espaços passassem a ser propriedade particular.
Com uma mão o Governo
Bolsonaro e seus lacaios criminosamente retiraram recursos de custeio, sob o
pretexto de contingenciamento de verbas em resposta à crise econômica,
aprofundando mais ainda o sucateamento de todo o Ensino Superior Público. Com a
outra mão, coloca as Instituições Federais de Ensino (IFEs) em estado de
alerta, ao oferecer o modelo de parcerias público-privadas, impondo na prática
a perda de autonomia política destas instituições, que deixarão de exercer o
papel de avaliar e decidir quais devem ser e como se processarão pesquisas e
políticas de extensão, promovendo uma drástica inversão do sentido e do
compromisso que as IFEs, há cerca de 80 anos, vêm mantendo com o Brasil.
Essa proposta teve um
precedente que, no passado, acabou por abrir a porteira para a privatização da
ciência e do desenvolvimento tecnológico, quando, em janeiro de 2016, ainda no
Governo Dilma, foi promulgado o Marco Regulatório da Ciência e Tecnologia, que
em suma, flexibilizava e regularizava as condições para o estabelecimento de
empresas privadas via fundações ou Organizações Sociais (OSs) nas instituições
de ensino federal.
Ensino e pesquisa a
serviço dos interesses capitalistas
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Segundo o projeto “Future-se”,
a partir da consolidação das chamadas “startups” (empresas recém-criadas,
normalmente de base tecnológica, em fase de desenvolvimento), abre-se a
possibilidade de uma escalada de projetos de pesquisas e extensão voltados para
os interesses do capital e do “empreendedorismo” (com inovação técnica e
tecnológica sob perspectiva produtivista, por exemplo). Além disso, o projeto
potencializa a constituição de sociedades formadas por professores e/ou
coautores dessas parecerias, os quais poderão receber – via Organização Social
(OS) – recursos à parte, veiculando laboratórios, projetos e recursos humanos
aos interesses empresariais.
As OSs deverão apoiar
os planos de ensino nas IFEs, podendo inclusive ter ingerência pedagógica no
currículo de cursos ligados às “startups”, de modo a garantir a melhor eficácia
das parcerias estabelecidas com a iniciativa privada. Um Fundo de Direito
Privado será criado, administrado inclusive por instituições financeiras e que
poderá, no futuro, ter ações em bolsas de valores para investimentos que
garantam recursos voltados a promover a terceirização de Departamentos ou até
mesmo de toda a IFE.
Como se não bastasse,
o MEC poderá doar bens imobiliários para as OSs, a fim de que estas possam
integralizar tais bens em fundos de investimentos, como garantia, para a
captação de recursos de longo prazo que preservem o Fundo de Investimentos. Ou
seja, estabelece a doação do patrimônio público como garantia de investimento
para o Sistema Financeiro.
É importante lembrar
que, em paralelo a essa proposta, foi aprovado recentemente no Senado, um
projeto de Lei que modifica a avaliação de desempenho dos servidores,
possibilitando inclusive o desligamento funcional dos servidores que não
conseguirem atender a determinadas exigências. Ou seja, docentes que não se
enquadrarem ou não cumprirem as metas estabelecidas de parcerias para manter o
custeio das IFEs, poderão ser, num futuro próximo, demitidos por insuficiência
técnica, e alguns cursos poderão ser extintos.
Através de contrato
de gestão, a OS poderá arcar com a remuneração de servidores cedidos pela
União, pois a proposta deixa uma lacuna que possibilita ao servidor cedido
prestar serviços exclusivamente à OS, quebrando o princípio da Dedicação
Exclusiva.
Governo Bolsonaro e a
educação pública: destruir para privatizar
O Governo neoliberal
de Jair Bolsonaro justifica tal medida como uma das respostas à crise
econômica, com o propósito claro de liquidar as Universidades Públicas e
Institutos Federais e CEFETs. O que está ocorrendo é o desmonte das
Instituições Federais de Ensino e a desvinculação do Estado do papel de
mantenedor do custeio da educação pública, retirando dele suas
responsabilidades constitucionais. Essas instituições hoje respondem por cerca
de 90% da pesquisa científica em diversas áreas e possuem uma significativa
gama de projetos de extensão que permitem, mesmo que ainda de forma
insuficiente, condições de acesso às populações mais carentes ao potencial que
a ciência e a tecnologia podem proporcionar.
Mesmo que alguns advoguem
a tese de que o Governo não está autorizando a cobrança de mensalidades
(ainda), a privatização das IFEs está em curso acelerado com esse projeto e
certamente abrirá precedentes para no futuro próximo justificar a cobrança de
mensalidades. Essa questão inclusive deve ser reforçada e devidamente
contextualizada, pois na grande mídia a propagação da proposta busca criar uma
falsa ilusão de que o caráter público das instituições estaria preservado.
Entre os critérios de
manutenção dos cursos, o MEC estipula um percentual mínimo de permanência nos
mesmos, e muito provavelmente diversos cursos receberão recursos provenientes
desse Fundo Privado para o custeio de bolsas aos estudantes que se vincularem
aos programas mantidos pela OS. Na prática, cursos que não conseguirem celebrar
esses convênios terão maiores chances de não atingir as metas mínimas
estipuladas, abrindo caminho dessa forma para o consequente fechamento em curto
prazo.
Estamos diante de um
dos maiores, se não o maior ataque, que as IFEs já sofreram nesses últimos anos
e estamos convencidos de que a ampla e irrestrita unidade de todos os segmentos
que compreendem as ameaças em curso deve ser um dos esteios de nossa
resistência e mobilização contra o desmonte e o fim das IFEs. Esse projeto não
traz futuro algum ao Ensino Superior Público, a não ser a capitulação total à
lógica neoliberal, levando ao desmonte de um patrimônio que ainda é referência
mundial em política públicas nas áreas do ensino, da pesquisa e da extensão.
É importante destacar
que nem a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DE INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO
SUPERIOR (ANDIFES), nem a UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE), o CONIF ou o
ANDES, entre outras entidades nacionais que representam os segmentos que
compõem as IFEs foram consultadas sobre projeto que trará imediato impacto na
vida administrativa e no sentido social das instituições federais. Até o
embuste da consulta pública aberto na página do MEC, não possibilita ao
internauta se posicionar de forma claramente contrária ao projeto!
Nos últimos meses
milhares de estudantes, pais e servidores saíram às ruas em defesa do real
futuro das Instituições Federais de Ensino e demonstraram disposição na luta em
defesa desse patrimônio histórico. Agora mais uma vez está colocado o desafio à
nossa capacidade de mobilização, de convencimento e resistência a mais uma
tentativa de golpear e aniquilar a Educação Pública no Brasil.
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